Autor Tópico: Foucault e o Marxismo  (Lida 1943 vezes)

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Offline 4 Ton Mantis

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Foucault e o Marxismo
« Online: 17 de Novembro de 2008, 18:35:44 »
http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/01/foucault_e_o_ma.html


Estudando o livro do pensador e filófoso francês Michel Foucault, apropriadamente intitulado "Em defesa da Sociedade", me deparei com um trecho que pode muito bem representar o dilema esoterismo x ciência, onde o primeiro, ao mesmo tempo que esnoba o segundo (quando em discordância), procura (sempre que pode) um argumento científico para dar respaldo aos seus preceitos:

"Desde mais de um século, vocês sabem quão numerosos têm sido os que se perguntaram se o Marxismo era ou não uma ciência. A essa pergunta, os genealogistas responderiam: 'Pois, bem, precisamente, o que criticamos em vocês é fazer do marxismo, ou da psicanálise, ou desta ou daquela coisa, uma ciência. E, se temos uma objeção ao marxismo, é que ele poderia efetivamente ser uma ciência'. (...) Não é necessário se interrogar sobre a ambição de poder que a pretensão de ser uma ciência traz consigo? As questões que é preciso formular serão estas: - Quais tipos de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem ser esse saber uma ciência? - Qual sujeito falante, qual sujeito discorrente, qual sujeito de experiência e de saber vocês querem minimizar quando dizem: eu, que faço esse discurso, faço um discurso científico e sou cientista? - Qual vanguarda teórico-política vocês querem entronizar, para destacá-la de todas as formas maciças, circulantes e descontínuas de saber? E eu diria: Quando vejo vocês se esforçarem pra estabelecer que o marxismo é uma ciência, não os vejo, pra dizer a verdade, demonstrando de uma vez por todas que o marxismo tem uma estrutura racional e que suas proposições dependem, por conseguinte, de procedimentos de verificação. Eu os vejo, sobretudo e acima de tudo, fazendo outra coisa. Eu os vejo atribuindo aos que fazem esse discurso efeitos do poder que o Ocidente, desde a idade Média, atribuiu à ciência e reservou aos que fazem um discurso científico."
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Offline Zeichner

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #1 Online: 30 de Novembro de 2008, 12:09:52 »
Marxismo é uma ideologia. Creditar a uma corrente do pensamento, a uma opção de explicação do mundo, o caráter de ser científico é uma empulhação sem fim.  Principalmente pelo fato de que suas hipóteses não são comprovadas pela realidade e uma aplicação tem como efeitos resultados muito diferentes do apregoado. Em fim, promete-se acabar com a pobreza e da exploração do homem pelo homem, mas ocorre a diminuição do padrão de vida e as pessoas são dominadas pelo partidão, sem possibilidades de livre-expressão. Como uma coisa qe promete uma coisa, entrega outra ainda quer ser considerado uma ciência?

Offline _tiago

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #2 Online: 01 de Dezembro de 2008, 18:30:08 »
Gostei: "Quando vejo vocês se esforçarem pra estabelecer que o marxismo é uma ciência, não os vejo, pra dizer a verdade, demonstrando de uma vez por todas que o marxismo tem uma estrutura racional e que suas proposições dependem, por conseguinte, de procedimentos de verificação."

É um idéia, interessante nuns raríssimos pontos que me lembro, mas carente de demonstração.

Offline Luiz Souto

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #3 Online: 14 de Junho de 2009, 00:21:20 »
Na discussão sobre o marxismo o erro comum é achar que marxismo = pensamento de Marx , quando a maior parte do marxismo ( acadêmico e  , principalmente , político) é na verdade uma interpretação posterior e frequentemente infiel do seu pensamento - o uso do termo "ditadura do proletariado" sendo o mais gritante.
Achei este texto do Paulo Ghirardelli  que coloca um aspecto interessante desta questão

Em tempo: o sublinhado é meu

Citar
Karl Marx, cérebro iluminista
e moral romântica


Paulo Ghiraldelli Jr.

Quando Marx morreu, e Engels foi ao seu túmulo para o discurso de despedida, as palavras do companheiro não foram outras senão as de elogio à inteligência do filósofo. Os inteligentes incomodam. E Marx era uma pedra no sapato de muitos. Ele incomodava. Hoje, com o comunismo completamente derrotado e tendo se tornado o segundo vilão da história (o primeiro é, com certeza, o nazifascismo), o nome de Marx incomoda menos por motivos políticos e mais pelo que foi o elogio de Engels: cérebro. A grande inteligência de um iluminista – eis aí o que revolta muitos.

Sua genialidade filosófica aparece nos cantos mais recônditos de sua obra. Na sua tarefa de filósofo da história e historiador (há como não ser as duas coisas quando se é historiador?), Marx fez uma distinção fantástica, não superada até hoje, a separação entre “teoria para estudo” e “metodologia para a pesquisa”. Meu amigo Alberto Tosi Rodrigues dizia que esse era seu ponto forte e, ao mesmo tempo, seu calcanhar de Aquiles, que isso era sua coroa e sua cruz, a de ter feito uma “teoria da história”. Não vou comentar aqui o calcanhar de Aquiles, que é bem conhecido e se resume na idéia de uma epistemologia que dá ao proletariado a prerrogativa de enxergar mais que outros setores – algo visivelmente ilegítimo do ponto de vista do rigor filosófico. Vou comentar aqui apenas o ponto forte de sua distinção.

Marx nunca pensou que ele havia descoberto os “caminhos da história” do futuro. Ele entendia a filosofia e a teoria como Hegel, algo que vem depois, quando já se está no poente. Portanto, tanto para Hegel quanto para ele, a teoria não servia para guiar quem quer escrever a história. Não era por essa via que ela poderia colaborar com a formação do historiador. A teoria serviria para o historiador poder “compreender” “com-a-preender” – o que ele próprio escreveu, é claro, uma vez terminada sua pesquisa. Marx viu a teoria não como sociologia, em sua época isso não faria sentido. Sua teoria era tipicamente filosófica. Uma espécie de filosofia da história, porém moderna, sujeita a inúmeras revisões. Tratava-se de um passo racionalizador após a pesquisa. Seria como que uma régua, não muito dura, para ter onde encostar a pesquisa e dizer algo do tipo: “bom, é hora de mudar o que escrevi ou é hora de ver que aqui, neste ponto, o futuro está sendo construído bem diferente do retrato do passado?”

Marx não tinha nenhuma teoria absoluta para guiá-lo no trabalho de filósofo, historiador e investigador. Ao contrário, ele formulou uma, dado que não a tinha – mas ela não era absoluta. Ao contrário dos marxistas (e
ele cansou de dizer que não era marxista), sua teoria, formalizada no Prefácio do livro Introdução à crítica da economia política (1859), não servia para pesquisar, mas para estudar. Era um guia de estudos, não uma metodologia de pesquisa. Essa diferença que Marx fazia entre estudar e pesquisar é algo difícil dos acadêmicos entenderem. Mas é fundamental para o êxito do historiador. Os melhores historiadores do século XX que utilizaram de Marx fizeram tal distinção, e isso lhes garantiu êxito.

Sua metodologia de pesquisa era completamente diferente do que estava posto no prefácio de 1859 ou nas diretrizes gerais do Manifesto Comunista. Como estudante contínuo, ele precisava de uma heurística – e isso estava nesses livros citados. Ele construiu sua heurística e ali a expôs. Mas como pesquisador ele era um empirista que se locupletava em documentos de todo tipo, principalmente aqueles que contrariavam seu humor. Era um rato de biblioteca que adorava achar – ainda que esbravejasse – um queijo com algum veneno, que não podia comer. Marx odiava quem não reconhecia a força de um documento que contraria o nosso humor. Por isso, muitas vezes, após escrever, ele mesmo dizia, prefaciando: o que escrevi é menos róseo do que muitos podem gostar – inclusive ele. O Capital tem esse tipo de declaração no seu prefácio. Não é uma declaração de júbilo; Marx jamais faria comemorações sobre a desgraça alheia. Escreveu aquilo visivelmente triste, pois ele gostaria de ter escrito algo que fosse mais róseo, mais doce. Não conseguiu. Os dados a respeito da vida operária eram duros, tristes, e ele então falou das terras onde o carneiro devorava o homem e dos lugares onde a fábula de Agripa, a do homem dividido em pedaços do corpo, era uma realidade. Em favor da boa pesquisa, os dados empíricos tinham de falar mais alto. E falaram.

A maioria dos estudantes e professores universitários que vejo trabalhar com o marxismo produzem textos em que a preocupação maior é mostrar que, apesar dos dados empíricos, o capitalismo vai mal e a revolução é necessária. Ou, então, que a história é a história da luta de classes. Ou então que a sociologia é aquela da metáfora da base e estrutura. Ou que as tais forças produtivas vão entrar “em contradição” com as relações de produção etc. Os textos finais desse pessoal, ou seja, suas conclusões, mostram aquilo que o autor gostaria de mostrar segundo sua ideologia; o autor escreve a cartilha do marxismo e desconsidera a documentação. Essa é a praxe de vários grupos de marxistas acadêmicos. Tornam-se desonestos por comungarem de uma
metodologia de pesquisa que não é a de Marx. Marx estava muito mais para o empirismo preconizado por Bacon do que para o racionalismo do seu Prefácio de 1959. Por uma razão óbvia: seu Prefácio e o Manifesto eram textos claramente filosóficos, não textos de metodologia para a pesquisa em história. Eram ensaios filosóficos para ler como ficção útil, para aguçar a imaginação nos estudos e, enfim, como motivação geral para a militância. O historiador Pierre Vilar nunca se cansou de elogiar essa capacidade de Marx de jogar para a história o que vinha sendo próprio das ciências naturais de sua época, a busca de dados empíricos como reis da boa pesquisa.

Em que ponto, então, é que os marxistas acadêmicos mais erram? No meu entender, não só por não entenderem essa divisão de Marx entre estudo e pesquisa, mas por não possuírem o sentimento de Marx; falta
aos acadêmicos uma dose real, honesta, de romantismo, que Marx trouxe de Rousseau. Falta aos que são inteligentes uma dose de sentimento moral. Professores universitários chegam para mim e dizem: “Adorno é lindo, adoro ler Adorno”. A pessoa que diz isso seriamente não entendeu Adorno. Adorno é triste. O mesmo acontece com Marx. Não há nada de lindo no que ele descreve. É só sofrimento. Quando encontramos documentos com sofrimentos alheios e comemoramos dizendo “ah, eu não disse, eis aí a desgraça, de como que a burguesia mata mesmo, etc. etc.” Pronto, eis que estamos muito longe de Marx. Marx não escrevia para se tornar mestre ou doutor. E não comemorava nem um pouco quando encontrava documentos sobre o trabalho infantil ou sobre mulheres grávidas obrigadas a parir na própria fábrica. Esse sentimento de Marx, que percorria as suas veias, que era seu estado moral, comandava seu cérebro poderoso. Escrever não era para ele algo fácil, feito para “aparecer”. Ele não era freqüentador de salões literários. Marx era excelente escritor. Mas o que escreveu foi o romance da tortura dos povos.

Essa sua postura o obrigava a parar em cada documento de tristeza, de barbárie, e comentar: “aqui, não vou poder ser róseo”. É esse sentimento moral que coloca os mais inteligentes, que poderiam fazer boa pesquisa a partir dos ensinamentos de Marx, tão para fora do mundo dos escritores quanto ficam os não inteligentes. A tarefa do século XXI na história será a de redescobrir Marx, agora, de um modo iluminista e romântico ao mesmo tempo.

© PGJr. São Paulo, outubro de 2007.

Se não queres que riam de teus argumentos , porque usas argumentos risíveis ?

A liberdade só para os que apóiam o governo,só para os membros de um partido (por mais numeroso que este seja) não é liberdade em absoluto.A liberdade é sempre e exclusivamente liberdade para quem pensa de maneira diferente. - Rosa Luxemburgo

Conheça a seção em português do Marxists Internet Archive

Offline Bruno Coelho

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #4 Online: 14 de Junho de 2009, 13:46:03 »
Não no esqueçamos que para Foucalt o paraíso era algo semelhante à revolução iraniana, e quanto aos marxistas... deixa estar.

Offline Peezah

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #5 Online: 15 de Junho de 2009, 01:31:51 »
Na primeira aula que tive sobre Marx e O Capital na matéria de Introdução à Economia, me lembro das primeiras frases do professor: "O livro não se chama O Capital por simples capricho, ele se refere exclusivamente ao sistema capitalista nú e crú. Não fazem parte desse livro nenhuma espécie de sistemas alternativos ou excêntricos. [...] Nos dois últimos livros é notável, devido a falta de cuidado de Engels ao editá-los, as conversas que Marx fazia consigo mesmo buscando entender as controversias que o sistema apresentava. Muitas vezes tendo que passar por cima de seus escritos anteriores e refaze-los".

Esse texto do Ghiraldelli é excelente, e a melhor forma de conseguir ler o Capital e entende-lo é primeiro entender o método que o Marx usou para suas pesquisas.

É incrível como você acaba percebendo que ele (o livro) passa realmente longe de descrever socialismo, comunismo ou qualquer outra tranqueira, tanto que o próprio Marx dizia que, ele não sabia o que seria ao certo o comunismo, apenas disse que essa seria a tendência para o fechamento do sistema, e que somente as gerações futuras poderiam descrever como seria esse novo sistema, se é que ele existiria algum dia.
E como todo filosofo, historiador, economista, etc. teve sua teoria (se é que da pra chamar de teoria) refutada. No entanto, foi importante para mostrar que o sistema capitalista também possuía alguns vícios que os economistas anteriores enxergavam apenas como mera transição do Feudalismo.

Offline Rodrigo

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Re: Foucault e o Marxismo
« Resposta #6 Online: 23 de Junho de 2009, 12:44:07 »
Essa teoria da historia, que veria no proletariado o "Sujeito", não existe no Capital, logo a crítica não teria muito fundamento.

Nos Grundrisse Marx escreveu "Operários e capitalistas são servos do Capital", e riscou. Demorou muito tempo (mais de um ano) para voltar a trabalhar na obra, tendo quebrado finalmente essa barreira epistemofílica.

Também diria que o Prefácio do '59 deveria, se não ser ignorado, ser tratado com muito cuidado. O Capital não pôde ser acabado, mas como ferramenta epistemológica é incomparável aos seus esboços prévios, ainda que nele não haja, explicitamente, uma teoria que relacione a infraestrutura e a superestrutura (que são, é importante ter em conta, categorias que não aparecem no Marx posterior - e rara vez no anterior).

Discordo com muito do que diz o Ghiraldelli, mas o sublinhado é muito acertado.

O problema da maioria dos marxistas é, como o Luiz bem diz, não conhecer e não ter lido Marx.
« Última modificação: 23 de Junho de 2009, 12:57:51 por Rodrigo »

 

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