Em defesa do amor
Antropóloga americana desvenda os mistérios do amor que envolvem o cérebro do homem
POR LUCIANA BORGES e MÁRCIO ORSOLINI

"Temos a tendência de nos apaixonar por pessoas que
são parecidas conosco", diz a antropóloga Helen Fisher
Por que Amamos - A Natureza e a Química do Amor Romântico traz uma nova forma de ver um dos sentimentos mais conhecidos pelo homem - o amor. De maneira científica, o livro procura procura desvendar os mistérios que envolvem esse sentimento no cérebro. "Por que Amamos", a obra mais recente da antropóloga americana Helen Fisher, tem texto leve e traz citações literárias que mostram o pensamento do homem frente ao amor.
Entre outros assuntos, Helen tenta comprovar que o amor faz parte da natureza humana tanto quanto o medo ou a fome. Ele seria, na verdade, o instinto responsável por fazer nossa espécie se perpetuar no planeta. Além de desvendar as reações químicas que acontecem no organismo dos apaixonados, Helen Fisher também toca em tópicos no mínimo curiosos para quem quiser entender um pouco mais do amor. Entre eles, a evolução do 'amor romântico', o amor entre os animais e quem escolhemos quando nos apaixonamos. Sobre último tema, Helen dá apenas uma 'degustação' do que ela e seu grupo de pesquisas estão aprontando. O estudo completo virá em forma de livro e será a próxima obra da autora.
Em seu livro, você diz que o "amor romântico" foi se instalando em nosso cérebro ao longo da evolução do ser humano. Como você define o 'amor romântico' e como ele se tornou parte do homem?
Helen Fisher - Eu e meus colegas colocamos 32 pessoas loucamente apaixonadas sob análise para nossos estudos. Encontramos algumas características desse "amor romântico". A parte do cérebro que se torna ativa quando você olha uma foto da pessoa que ama fica bem no interior do órgão. Trata-se de um sistema primitivo e antigo. Acredito que temos três sistemas cerebrais diferentes: o primeiro se trata do impulso sexual; o segundo é o "amor romântico", um estágio intenso de sentimentos obsessivos associados ao parceiro; o terceiro seria a sensação de segurança que você sente quando vive com alguém por muito tempo. Antes de colocar essas pessoas sob monitoramento cerebral, minha questão mais importante era saber quanto tempo do dia e da noite elas pensavam no ser amado. E eles disseram que é todo o tempo. Há uma constelação de características que me fizeram perceber que o 'amor romântico' não é uma emoção, são várias. Quando olhei as partes do cérebro que estão envolvidas, me ocorreu que o "amor romântico" é um motor para encontrar um amor específico. O "amor romântico" acontece para que você concentre sua energia em uma única pessoa por vez. E o compromisso envolve você tolerar essa pessoa pelo menos até o tempo de criar um filho.
Por que o ser humano se apaixona por uma única pessoa de cada vez?
Helen - O "amor romântico" inicia um laço muito intenso entre um homem e uma mulher. O propósito do amor romântico é a concentração em uma única pessoa. Há milhões de anos, as mulheres precisavam de um parceiro para ajuda-las, pois viviam em regiões perigosas. Tinham que carregar os filhos nos braços, não nas costas como os outros primatas. Então, como iriam se proteger? Precisavam de alguém.
Você diz que os aspectos básicos do "amor romântico" não mudaram de anos para cá. Que aspectos seriam esses?
Helen - Eu não vejo nenhuma mudança. Podemos ver, por exemplo, os elementos desse amor expressos em poesias antigas, no mundo todo. E esses mesmos elementos continuaram na modernidade. Estamos falando de um sistema que é similar ao do medo. O objeto do seu medo pode mudar, mas o sistema cerebral que desperta essa sensação não. Da mesma maneira, nós nos apaixonamos por diferentes pessoas, mas o sentimento que temos é o mesmo.
QUANTO MAIS DIFÍCIL, MELHOR
Helen afirma que qualquer tipo de barreira intensifica o
sentimento do amor romântico e a dopamina é responsável por isso
Quais são os sinais que indicam que alguém está apaixonado?
Helen - O primeiro é o que eu chamo de 'sentimento especial', quando o parceiro significa um novo centro do mundo. Você, então, concentra toda sua atenção nele. Sente uma energia intensa, pode andar a noite toda e conversar até o amanhecer. Sente-se, também, possessivo sexualmente e, muitas vezes, é ciumento, além de se tornar altamente motivado a conquistar essa pessoa sob qualquer circunstância. Há um pensamento obsessivo. Seu coração bate mais forte quando está perto da pessoa que ama, e você pode ficar com a palma das mãos suadas ou se sentir estranho.
Mas algumas dessas sensações não são sentidas também quando há apenas atração sexual?
Helen - Quando você está sexualmente atraído por alguém, não vai para a cama pensando obsessivamente nessa pessoa. Não tem sentimentos tão profundos como o amor quando quer apenas sexo. Muitas pessoas quando amam e são rejeitadas, se matam. São sentimentos diferentes. Você não fica atrás da pessoa se quer apenas sexo casual. Quando você ama alguém, ama de manhã, à tarde, à noite... A vontade sexual até passa. Você não está disposto a morrer por alguém por causa de sexo casual.
Um dos sinais de que se está apaixonado é o pensamento obsessivo na pessoa. Por que isso acontece?
Helen - O que provamos, até agora, é que a alta atividade de dopamina está associada ao amor romântico. Minha hipótese é a de que o amor romântico está associado a vários fatores químicos, mas o principal seria o alto nível de dopamina e o baixo nível de serotonina. Baixa atividade da serotonina está associada ao pensamento obsessivo. E também sabemos que altos níveis de dopamina diminuem a serotonina. Então, apenas encontrando alta dopamina, significa que há baixo nível de serotonina e isso causa o pensamento obsessivo.
Você diz que a adversidade alimenta a chama do amor e se refere a esse fenômeno como "Síndrome de Romeu e Julieta". Quais explicações suas pesquisas trouxeram para isso?
Helen - Qualquer tipo de barreira intensifica o sentimento do amor romântico. Se tudo está indo bem e de repente o seu parceiro diz que ficará longe de você, essa barreira aciona a motivação da pessoa. Esse sistema é movido pela dopamina. Por exemplo, quando você está com fome e não consegue comida, você tenta de qualquer maneira conseguir algo para se alimentar. Da mesma forma, quando há uma barreira no relacionamento, aumenta a vontade de fazer com que ele dê certo.
Há uma frase no livro que fala sobre 'o amor romântico' como algo não planejado, aparentemente incontrolável. Mas, há alguma maneira de controlar esse sentimento?
Helen - É impossível controlar o sentimento do 'amor romântico'. Porém, podemos controlar nosso comportamento. Podemos controlar fome? Sede? Instintos maternais? Não. Se alguém terminou um relacionamento com você, é possível se controlar para não ir atrás da pessoa novamente. Mas é muito difícil controlar os sentimentos.
É possível não amar?
Helen - Muitas pessoas casam, são felizes, têm atração sexual um pelo outro, mas nunca viveram a experiência de se apaixonar. Eu conheci duas pessoas que nunca tinham se apaixonado e ambos disseram que não entenderam os sentimentos presentes na história de Romeu e Julieta. Mas, esses dois que conheci - um homem e uma mulher - se apaixonaram por alguém quando já tinham seus 60 anos. Infelizmente, nenhum deles deixou o parceiro para ir atrás da pessoa por quem se apaixonou.
UM AMOR DE CADA VEZ
Em seus estudos, Helen concluiu que o 'amor romântico'
inicia um laço muito intenso entre um homem e uma mulher
e que seu propósito é a concentração em uma única pessoa.
Quais são os fatores que nos fazem sentir paixão por determinada pessoa, e não por outra?
Helen - Vários. Temos a tendência de nos apaixonar por pessoas que tem o mesmo nível social, cultural, grupo étnico, valores religiosos e mesma aparência. De algum modo, nos apaixonamos por pessoas que são parecidas conosco. Mas também acontece com pessoas diferentes. É sobre isso que vou tratar no meu próximo livro.
Então, é mais provável se apaixonar por alguém parecido com você do que o oposto?
Helen -Depende, mas não chamo de oposto e sim de complementar. A minha hipótese é a de que pessoas com perfis químicos diferentes serão atraídas uma pela outra porque precisam de um equilíbrio. Por exemplo, pessoas com altos níveis de serotonia tendem a ser calmas. Já aquelas com altos níveis de dopamina são mais agitadas. A minha teoria é que também se pensa, instintivamente, na possibilidade de combinação com alguém com DNA diferente de você, resultando numa maior variabilidade de genes. Eu não trabalhei isso totalmente ainda, mas também estará em meu próximo livro.
Há diferenças entre homens e mulheres na forma de apaixonarem?
Helen - Homens se apaixonam mais rapidamente do que as mulheres. Três em cada quatro pessoas que se matam depois do término de um relacionamento são homens. Nos EUA, as pessoas tendem a pensar que as mulheres são mais apaixonadas. Nos estudos cerebrais vimos que o mecanismo é muito parecido. A diferença é que, no homem, a parte do cérebro relativa ao estímulo visual é mais ativa do que nas mulheres. Por milhões de anos, homens precisavam olhar para uma mulher a fim de dizer se ela seria capaz ou não de gerar filhos saudáveis. Nas mulheres, encontramos mais atividade em três regiões cerebrais associadas à memória. Ninguém sabe o porquê. As mulheres realmente lembram mais de um relacionamento do que os homens.
Fonte:
Criativa