Imunidade herdada da mãeAgência FAPESP – Em mulheres grávidas, um grande número de células da mãe entra no corpo do feto e o sistema imunológico em desenvolvimento aprende a tolerar tais células, em vez de atacá-los da mesma forma como reagirá contra substâncias estranhas no futuro.
Ao entrar em contato com as células da mãe, o feto dá início à produção de células imunes especiais, que suprimirão a resposta contra a mãe. A descoberta é de um estudo feito por cientistas dos Estados Unidos e da Suécia, destaque de capa da edição de 5 de dezembro da revista
Science.
Essa coexistência pacífica representa, segundo a pesquisa, uma forma de tolerância na qual o organismo de um indivíduo é capaz de viver ao lado de objetos externos, ou antígenos. O estudo é importante para diversas áreas da pesquisa médica, como em infectologia ou no uso de células-tronco.
De acordo com os pesquisadores, essa tolerância continua pelo menos até o início da vida adulta, o que ajudaria a explicar por que pacientes que precisam de transplantes de órgãos tendem a aceitar bem tecidos semelhantes aos de suas mães.
Há tempos que se sabe que o sistema imunológico fetal de mamíferos é tolerante a substâncias externas, mas pouco se conhecia sobre o sistema em fetos humanos. Alguns estudos foram feitos em camundongos, mas o sistema imunológico desse animal se desenvolve de modo diferente em relação ao humano.
Em trabalho anterior, o mesmo grupo da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF) que coordenou o novo estudo verificou que o sistema imunológico fetal é composto de muitas células imunes especiais, conhecidas como células T regulatórias.
Desta vez, os pesquisadores procuraram tentar entender o motivo da existência de tais células. Descobriram que são células da mãe que cruzam a placenta até o feto durante a gravidez que induzem a geração das células T regulatórias. Essas células ajudam a produzir o estado de tolerância entre o feto e a mãe.
“Os resultados fornecem uma explicação potencial de por que muitos indivíduos demonstram tolerância em relação a antígenos HLA [
antígenos leucocitários humanos]”, disse o principal autor do estudo, Jeff Mold, da Divisão de Medicina Experimental da UCSF.
Segundo Joseph McCune, diretor da Divisão de Medicina Experimental da UCSF, a pesquisa levanta uma importante questão em relação ao HIV: se as células da mãe podem se mover através da placenta e induzir tolerância fetal durante a gravidez, o que acontece quando agentes infecciosos como o vírus causador da Aids fazem o mesmo?
“Apenas de 5% a 10% dos bebês nascidos de mães infectadas com HIV e não submetidas a tratamento nascem infectados com o vírus. Talvez algum aspecto da tolerância do sistema imunológico fetal explique como o bebê evita a infecção no útero”, observou McCune.
Nesse sentido, segundo ele, o estudo abre novos caminhos de pesquisa que podem se mostrar importantes para a criação de uma vacina eficiente contra o HIV.
O artigo
Maternal alloantigens promote the development of tolerogenic fetal regulatory T cells in utero, de Jeff Mold e outros, pode ser lido por assinantes da
Science em
www.sciencemag.org.