Autor Tópico: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)  (Lida 1204 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Eleitor de Mário Oliveira

  • Nível 37
  • *
  • Mensagens: 3.502
  • Sexo: Masculino
    • Lattes
Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Online: 17 de Dezembro de 2008, 04:28:54 »
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20081127/not_imp284334,0.php


Citar
Carta aberta ao Grande Chefe Branco

Demétrio Magnoli

Prezado deputado Paulo Renato Souza (PSDB-SP):

No 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a Câmara passou a lei de cotas nas universidades e instituições federais de ensino médio, que é a primeira lei racial na história da República. A aprovação se deu sem o voto dos deputados, por conluio entre lideranças. Você participou destacadamente daquele conluio, renunciando à posição contrária à inclusão da raça na lei que dizia sustentar.

Arlindo Chinaglia (PT-SP), o presidente da Câmara, celebrou o desenlace e ofereceu um diagnóstico: "Os que têm opiniões divergentes cederam, o que resultou em um grande avanço." Traduzo a frase do seguinte modo: nada é impossível, nem mesmo derrubar o princípio da igualdade perante a lei, quando a oposição abdica de seus deveres básicos. Estou errado?

Serei franco. Surpreendeu-me a sua colaboração, sem a qual o projeto teria de aguardar uma sessão com quórum e ser votado nominalmente pelos deputados. Li num jornal a sua justificativa. De acordo com ela, o projeto não é ruim, pois estabelece cotas raciais proporcionais à composição "racial" da população de cada unidade federativa, de modo que, nas suas palavras, nos Estados com predomínio demográfico de brancos, eles terão chances maiores de ingressar nas universidades. Se entendi, você negociou e aprovou o projeto pois não viu nele desvantagens para a "raça branca". Posso, então, intitulá-lo Grande Chefe Branco?

Não há ironia nisso, acredite. Os patrocinadores de projetos de cotas no ensino e no mercado de trabalho almejam a condição de líderes negros. Eles usam o fruto envenenado da raça para impulsionar carreiras políticas ou conquistar posições de prestígio em ONGs muito bem financiadas. Mas é claro que a construção de identidades raciais oficiais no Brasil abre possibilidades inusitadas. Se há líderes negros, por que não líderes brancos? (Veja que para isso nem se precisa de algo tão aparente quanto a cor da pele: em Ruanda a vida política girava em torno de líderes tutsis e líderes hutus, ao menos até o genocídio).

Não nos enganemos. Políticos oportunistas em busca da condição de líderes negros (ou brancos) são elos instrumentais na passagem de leis de raça, mas a concepção de tais leis se deve aos doutrinários racialistas, que são pessoas dotadas de princípios - e o xis do problema reside no conteúdo desses princípios. Racialismo é a doutrina baseada numa dupla crença: 1) raças existem, se não na natureza, ao menos na história; 2) "a história do mundo não é a história de indivíduos, mas de grupos, não a de nações, mas a de raças". Empreguei, para expor a segunda crença racialista, uma citação de William Du Bois (1868-1963), o pai fundador da doutrina. Toda a lógica das políticas de cotas raciais se encontra delineada na obra desse americano. Seria inoportuno sugerir que a lesse?

Du Bois era um racialista, não um racista, pois não acreditava em noções de superioridade racial. Ele visitou a Alemanha nazista e gostou do orgulho de raça promovido pelo regime, mas confessou sua repulsa com a perseguição aos judeus. Bem antes, em 1903, escreveu Os talentosos dez por cento, em que expunha a tese de que, por meio de uma criteriosa seleção educacional, um negro em cada dez poderia converter-se em líder mundial da raça negra. O artigo começa assim: "A raça negra, como todas as raças, será salva por seus homens excepcionais. O problema da educação entre negros, então, deve antes de tudo concentrar-se nos 10% talentosos..." Entendeu, agora, a proposta de cotas? Percebeu que ela nada tem que ver com um programa de redução de desigualdades sociais?

Nos EUA, as leis de segregação racial definiram quem era branco e quem era negro. Du Bois falava para uma raça oficializada pela discriminação. Por aqui, os racialistas lamentam a ausência de leis desse tipo no nosso passado, pois recaiu sobre os ombros deles a missão de fabricar, na mente das pessoas, a consciência racial e o orgulho de raça. Fico um tanto triste ao perceber que se procura realizar essa obra a partir da escola. Tarso Genro, na sua passagem pelo Ministério da Educação, ordenou que todas as escolas associem nominalmente cada aluno a uma raça. Você, um ex-ministro da Educação, e Paulo Haddad, o atual titular da pasta, articularam juntos o projeto de cotas raciais aprovado na Câmara. Vocês não são três, mas uma tríade. Juntos, por cima de diferenças partidárias, invadem as aulas de História e Biologia para apagar a lousa onde está escrito que raças humanas não existem, a não ser como invenção do racismo. Mas você liga para o que está escrito na lousa?

Já notou que os brasileiros sentem uma certa repugnância diante da idéia de serem divididos oficialmente em raças? Por coincidência, no mesmo dia em que vocês aprovavam uma lei que faz exatamente isso, divulgou-se uma pesquisa de opinião pública sobre atitudes diante do tema racial. Encomendada pelo Cidan, uma ONG racialista, a pesquisa fez perguntas viciadas, tendenciosas, a uma amostra da população carioca. Mesmo assim, 63% declaram-se contra as cotas raciais. Mais interessante é que as posturas diante das cotas raciais não variam em função da cor autodeclarada das pessoas. Entre os "brancos", 63,7% rejeitam essa política; entre os "pardos", 64%; entre os "pretos", 62,2%. Eu interpreto isso como uma opção identitária: as pessoas, independentemente da cor da pele, querem ser cidadãos iguais perante a lei. Estou errado?

Não há motivo para imaginar que os demais brasileiros pensem diferente dos cariocas. Apesar da maciça propaganda racialista veiculada pelo Estado, os cidadãos percebem o mal que a pedagogia das raças faz aos jovens estudantes. A coincidência entre a divulgação da pesquisa e a aprovação por conchavo da lei de cotas coloca uma pergunta constrangedora: onde está a representação parlamentar da maioria que rejeita as leis raciais?

Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP. E-mail:
demetrio.magnoli@terra.com.br

Offline Eleitor de Mário Oliveira

  • Nível 37
  • *
  • Mensagens: 3.502
  • Sexo: Masculino
    • Lattes
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #1 Online: 17 de Dezembro de 2008, 04:29:42 »
E agora, racistas defensores das cotas?

Offline Dbohr

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 9.179
  • Sexo: Masculino
  • 無門關 - Mumonkan
    • Meu blog: O Telhado de Vidro - Opinião não-solicitada distribuída livremente!
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #2 Online: 17 de Dezembro de 2008, 08:01:57 »
Bom, eu não gosto da idéia cotas raciais - acho que, se deve existir algum tipo de cota, que seja como o sistema adotado pela UERJ, que é economico-social. Acho até que a UERJ fez um levantamento de desempenho dos cotistas depois de dois anos de implantação dessa política. Vou tentar encontrar o estudo.

De qualquer forma, isso é apenas um paliativo. O correto seria consertar o Ensino Fundamental e o Médio.

Offline Gaúcho

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 15.288
  • Sexo: Masculino
  • República Rio-Grandense
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #3 Online: 17 de Dezembro de 2008, 10:07:36 »
Eu gostei das cotas nas universidades publicas para alunos de escolas publicas. :)

Não, não tenho uma opinião sobre cotas divididas por "raças".
"— A democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras." Sérgio Moro

Offline Ricardo RCB.

  • Nível 32
  • *
  • Mensagens: 2.226
  • Sexo: Masculino
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #4 Online: 17 de Dezembro de 2008, 10:51:15 »
Eu acho que precisamos de mais cotas.

Cotas por critérios econômicos, religiosos, raciais (ok, eu sei que não existe raça), cotas por critérios políticos (que tal se apenas os filhos de filiados ao "Partido no Poder" possam ter acesso a universidades públicas?), cotas de acordo com o time de futebol que cada um torce, cotas por faixa etária e mais, acho inclusive que devemos obrigar escolas particulares a implementarem todos os tipos de cotas.

Ainda mais, que tal cotas em concursos públicos? Seria perfeito. Poderiam interferir em empresas privadas também e forçar a implementação de políticas de cotas para contratação de novos empregados.

Afinal, é muito justo criar um critério arbitrário (raças) para ajudar alguns (que não entrariam por mérito, uma vez que a educação pública no país é, de modo geral, péssima e não dá a formação adequada) em detrimento de alguns (que entrariam por mérito).

E se o Estado pode criar um critério arbitrário, por que parar em UM critério apenas.

Se é para dividir o país e ferrar ainda mais com a educação, ao invés de arrumar os problemas básicos, acho que o governo tem que fazer direito.

Seria bom também remover aquela idéia ABSURDA de que todos são iguais perante a lei, onde já se viu uma asneira dessas?

A sugestão acima é absurda e é apenas uma tentativa de mostrar quão idiota eu acho a idéia de cotas, todas elas, que não passam de paliativos e servem apenas para desviar a atenção dos problemas reais.
“The only place where success comes before work is in the dictionary.”

Donald Kendall

Offline Dbohr

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 9.179
  • Sexo: Masculino
  • 無門關 - Mumonkan
    • Meu blog: O Telhado de Vidro - Opinião não-solicitada distribuída livremente!
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #5 Online: 17 de Dezembro de 2008, 10:55:00 »
Citar
A sugestão acima é absurda e é apenas uma tentativa de mostrar quão idiota eu acho a idéia de cotas, todas elas, que não passam de paliativos e servem apenas para desviar a atenção dos problemas reais.

São paliativos, sem dúvida. O melhor seria consertar o ensino. Mas cadê quem faça isso? É sempre a solução mais fácil que ganha.

Offline Ricardo RCB.

  • Nível 32
  • *
  • Mensagens: 2.226
  • Sexo: Masculino
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #6 Online: 17 de Dezembro de 2008, 11:02:49 »
Citar
A sugestão acima é absurda e é apenas uma tentativa de mostrar quão idiota eu acho a idéia de cotas, todas elas, que não passam de paliativos e servem apenas para desviar a atenção dos problemas reais.

São paliativos, sem dúvida. O melhor seria consertar o ensino. Mas cadê quem faça isso? É sempre a solução mais fácil que ganha.

Me corrija se eu estiver enganado, mas você não gosta dos termos esquerda e direita, apesar disso vou usar ambos aqui para expressar a minha opinião a respeito.

Da esquerda até a direita da política brasileira, eu não vejo UMA pessoa que demonstre o menor interesse em atacar o problema da educação onde ele precisa ser resolvido com urgência, na base, nem mesmo aquele senador (do DF, Cristovam Buarque, eu acho).

Não só na política mas na sociedade, eu simplesmente não vejo pais discutindo e participando da educação dos filhos, pelo menos não são a maioria[1]. Se a sociedade não se organizar e cobrar mudanças e participar da educação dos filhos, não serão os políticos eleitos que vão fazer isso.

Então quem tem condições vai enviar os filhos para estudar em escolas particulares (ou mesmo no exterior, em casos excepcionais) e eventualmente conseguir uma vaga por mérito (que vão ficar mais concorridas) e a educação pública continuará no mesmo caminho, piorando e piorando dia a dia.

[1] Essa é apenas a minha impressão, se alguém tiver dados que confirmem ou neguem isso, por favor me informe.
“The only place where success comes before work is in the dictionary.”

Donald Kendall

Offline Dbohr

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 9.179
  • Sexo: Masculino
  • 無門關 - Mumonkan
    • Meu blog: O Telhado de Vidro - Opinião não-solicitada distribuída livremente!
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #7 Online: 17 de Dezembro de 2008, 11:14:28 »
Sua análise está boa, mas eu tenho duas observações. Primeiro, não é que eu não goste dos termos direita e esquerda - eu só acho que já passou o tempo de tais divisões e precisamos de algo novo ;-)

Segundo, que pesquisas indicam que os alunos cotistas têm um índice de reprovação pelo menos igual ao dos não-cotistas, mas um índice de abandono muito menor. O que significa que, a menos de críticas à metodologia de tais pesquisas, é mais vantajoso investir num cotista do que num não cotista, já que se obtém resultados semelhantes e a chance de desistência é menor.

O trágico disso é que, se tais pesquisas forem mesmo isentas, a qualidade dos alunos brasileiros está nivelada por muito baixo. O que, aliás, não é surpresa alguma para quem presta atenção nisso.

Offline Ricardo RCB.

  • Nível 32
  • *
  • Mensagens: 2.226
  • Sexo: Masculino
Re: Carta aberta ao Grande Chefe Branco (por Demétrio Magnoli)
« Resposta #8 Online: 17 de Dezembro de 2008, 11:57:55 »
Sua análise está boa, mas eu tenho duas observações. Primeiro, não é que eu não goste dos termos direita e esquerda - eu só acho que já passou o tempo de tais divisões e precisamos de algo novo ;-)

Segundo, que pesquisas indicam que os alunos cotistas têm um índice de reprovação pelo menos igual ao dos não-cotistas, mas um índice de abandono muito menor. O que significa que, a menos de críticas à metodologia de tais pesquisas, é mais vantajoso investir num cotista do que num não cotista, já que se obtém resultados semelhantes e a chance de desistência é menor.

O trágico disso é que, se tais pesquisas forem mesmo isentas, a qualidade dos alunos brasileiros está nivelada por muito baixo. O que, aliás, não é surpresa alguma para quem presta atenção nisso.

Eu usei os termos para abranger o espectro político brasileiro, concordo que eles não são suficientes para classificar todas as opções políticas.

Não sabia dessas pesquisas, ainda assim me posiciono contra as cotas, no mínimo por não ser uma solução para o problema. Todo o esforço gasto na discussão das cotas, e não me refiro ao CC mas à sociedade, poderia ter sido dirigido para a educação básica dos alunos do país.

E infelizmente a educação está mesmo nivelada por baixo, e não acho que vá melhorar no futuro próximo.
“The only place where success comes before work is in the dictionary.”

Donald Kendall

 

Do NOT follow this link or you will be banned from the site!