CONTA DE CAPITAIS E RISCO CAMBIAL
Crise ataca país de forma inesperada: mas saída de capitais era previsívelRealmente drástica é a reversão no fluxo dos chamados investimentos em carteira, capital para especulação na bolsa de valores ou para aproveitamento dos juros mantidos excepcionalmente altos pelo Banco Central. Neste caso, saímos de um superávit US$ 41 bilhões, de janeiro a outubro de 2007, para um déficit de US$ 7,5 bilhões no mesmo período de 2008. A análise é de Fernando J. Cardim de Carvalho.
Fernando J. Cardim de Carvalho
Em contraste com os países em que o setor bancário doméstico envolveu-se em algum grau com os ativos cujos mercados entraram em colapso, mais particularmente os títulos baseados em hipotecas subprime, a crise financeira internacional chegou ao Brasil por canais relativamente inesperados. O setor bancário brasileiro tem exposição praticamente nula àqueles papéis, até mesmo porque o Banco Central do Brasil, por anos a fio, lhes ofereceu altas taxas de juros sobre títulos da dívida pública, sem praticamente nenhum risco, e pagas numa moeda, o real, em constante valorização. Mas a dívida pública não foi o único presente dado aos bancos que aqui operam.
A possibilidade de expansão da oferta de crédito ao setor privado, depois de anos de intenso racionamento, também ofereceu aos bancos uma atraente oportunidade de cobrança de taxas de juros igualmente elevadas de firmas e consumidores. “Inovações”como o crédito consignado criaram ainda outras oportunidades de satisfação do apetite do setor bancário por ativos de alto rendimento e baixo ou nenhum risco. Apenas um lunático, nessas condições, procuraria alternativas como as hipotecas que agora desabam sobre os investidores americanos e europeus.
No entanto, a crise chegou, e passou pelo setor bancário, mas de modo relativamente surpreendente. A retração dos mercados financeiros internacionais reduziu linhas de crédito às exportações brasileiras e fechou alguns canais externos de captação de recursos financeiros por bancos brasileiros. Sem desprezar a relevância dessas fontes para algumas linhas de negócio, é preciso lembrar, porém, que as principais fontes de captação de recursos para o setor bancário brasileiro são domésticas. A retração observada na oferta de crédito pelos bancos aqui operando poderia ser justificável em relação ao crédito em dólares para exportadores, mas quando se trata do desaparecimento do crédito doméstico, só há duas razões possíveis, operando provavelmente em combinação.
Por um lado, há o fenômeno do pânico, o medo irracional do futuro que emerge em circunstâncias de incerteza mais intensa. A sucessão de notícias sobre falências de instituições financeiras americanas e européias, por exemplo, ainda que referentes a maior parte das vezes aos mesmos casos, ajuda a criar um clima em que se imagina uma seqüência interminável de bancarrotas. É uma espécie de “efeito CNN”, emissora que inaugurou o padrão de jornalismo televisivo onde o mesmo noticiário é repetido durante todo o dia de modo que a cada 30 minutos as mesmas tragédias são mostradas de novo e de novo.
A crise americana mostrou que os modelos estatísticos de administração de riscos que geraram empregos para a ultima geração de economistas e consultores de bancos, na verdade, nada diziam e desmoronavam rapidamente. Além disso, o aprofundamento das dificuldades da economia americana é sempre preocupante, dada a importância na economia mundial que aquele país mantém e, certamente, manterá por muito tempo. Quando a incerteza se intensifica, afirmou Keynes há mais de 70 anos atrás, sobre a preferência pela liquidez, isto é, a vontade de se livrar de tudo que é arriscado e guardar dinheiro mesmo. Afinal, empresas e bancos podem desaparecer, mas o governo não. Assim, como dar crédito a firmas que podem falir inesperadamente (e quem confiaria nos economistas de bancos nesta altura do campeonato?) ou a consumidores que podem não ter um emprego daqui a pouco?
Mas nem só de pânico vive a contração do crédito no Brasil. Também interesses e pressões de interesses setoriais se mobilizam numa hora dessas. Tome-se, por exemplo, o caso do compulsório que o setor bancário e seus porta-vozes vem tentando há anos reduzir? Que hora poderia ser melhor para levar o governo a satisfazer essas demandas do que um momento de retração de crédito? Não importa que bancos estejam aparentemente empoçando liquidez, como na turbulência bancária de 1995/1996, o Banco Central não vai se arriscar a parecer que não está ajudando a controlar a crise.
O mesmo vale para o que acontece com o dólar. Uma desvalorização brutal e repentina do dólar não é o que os críticos da sobrevalorização do real propunham. A escalada do dólar é outro fator a causar pânico, especialmente nos setores não-financeiros. Não se sabe bem o que há, nem o que isso significa, mas sabe-se que, em condições “normais”, algo assim não acontece. Mas porque há uma crise cambial?
Olhe-se o balanço de pagamentos publicado pelo Banco Central em seu website. As últimas informações cobrem até outubro. O que vemos ali? A deterioração das contas comerciais continua, mas isso não é novo, nem muito mais intenso do que era antes, pelo menos desde o ano passado. A conta de serviços e rendas dá uma primeira pista: o déficit de janeiro a outubro passa de US$ 34 bilhões em 2007 para US$ 49 bilhões em 2008, impulsionado por remessas de lucros, pagamento de juros, etc. Com isso, a conta corrente passa, no mesmo período, de um modesto superávit de US$ 3,5 bilhões para um déficit de US$ 24,8 bilhões.
Por outro lado, quando se olha para a conta financeira e de capitais, nota-se uma queda significativa de investimentos diretos, aqueles que se imagina serem favoráveis ao desenvolvimento, de US$ 30 bilhões para US$ 19 bilhões. Mas realmente chocante são os chamados investimentos em carteira, as entradas de capital para especulação na bolsa de valores ou para aproveitamento dos juros mantidos excepcionalmente altos pelo banco central. Esses passam de um superávit US$ 41 bilhões, de janeiro a outubro de 2007, para um déficit de US$ 7,5 bilhões no mesmo período de 2008.
Esta volatilidade é o resultado da política de liberalização da conta de capitais iniciada por FHC e, surpreendentemente, prosseguida por Lula e não apenas no palloccinato. Medidas como a permissão para exportadores manterem suas receitas no exterior por períodos tão longos que são praticamente equivalentes a liberá-los da obrigação de internalizar os dólares recebidos agora vem assombrar o governo federal.
É um clichê conhecido a afirmação de que em chinês o mesmo ideograma que identifica “crise” identifica também “oportunidade”. Como a maioria dos clichês, resta a esperança de que este também tenha algum fundo de verdade e que o governo brasileiro aproveite a ocasião para refletir sobre esse processo, para limitá-lo e, quem sabe, se houver alguma ousadia, mesmo revertê-lo.
Fernando Cardim é economista, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15428 ----------------------------------
É no que dá a falta de controle de entrada e saída de capitais .
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