Autor Tópico: Gramsci e a filosofia  (Lida 1266 vezes)

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Offline Luiz Souto

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Gramsci e a filosofia
« Online: 27 de Dezembro de 2008, 14:50:25 »
Alguns pontos preliminares de referência

[Filosofia, preconceito e linguagem]*

Antonio Gramsci

 

Deve-se discutir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma de uma determinada categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Deve-se, portanto, demonstrar preliminarmente, que todos os homens são “filósofos”, definindo os limites e as características desta “filosofia espontânea” peculiar a “todo o mundo”, isto é, da filosofia que está contida:

1)  na própria linguagem, que é um conjunto de noções e de conceitos determinados e não, simplesmente, de palavras gramaticamente vazias de conteúdo;

2)  no senso comum e no bom-senso;

3)  na religião popular e, conseqüentemente, em todo o sistema de crenças, superstições, opiniões, modos de ver e de agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por “folclore”.

Após demonstrar que todos são filósofos, ainda que a seu modo, inconscientemente (porque, inclusive, na mais simples manifestação de uma atividade intelectual qualquer, na “linguagem”, está contida uma determinada concepção de mundo), passemos ao segundo momento, ao momento da crítica e da consciência, ou seja, ao seguinte problema: – é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação) ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?

NOTA I. Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo modo de pensar e agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. O problema é o seguinte: qual é o tipo histórico do conformismo e do homem-massa do qual fazemos parte? Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é composta de uma maneira bizarra: nela se encontram elementos dos homens das cavernas e princípios da ciência mais moderna e progressista; preconceitos de todas as fases históricas passadas, grosseiramente localistas, e intuições de uma futura filosofia que será própria do gênero humano mundialmente unificado. Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais elevado. Significa, portanto, criticar também a própria filosofia até hoje existente, na medida em que ela deixou estratificações consolidadas na filosofia popular. O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que somos realmente, isto é, um “conhece-te a ti mesmo” como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário.

NOTA II. Não se pode separar a filosofia da História da Filosofia, nem a cultura da História da Cultura. No sentido mais imediato e determinado, não podemos ser filósofos – isto é, ter uma concepção do mundo criticamente coerente – sem a consciência da nossa historicidade, da fase de desenvolvimento por ela representada e do fato de que ela está em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções. A própria concepção do mundo responde a determinados problemas colocados pela realidade, que são bem determinados e “originais” em sua atualidade. Como é possível pensar o presente, e o presente bem determinado, com um pensamento elaborado por problemas de um passado bastante remoto e superado? Se isto ocorre, nós somos “anacrônicos” em face da época em que vivemos, nós somos fosseis e não seres modernos. Ou, pelo menos, somos “compostos” bizarramente. E ocorre, de fato, que grupos sociais que, em determinados aspectos, exprimem a mais desenvolvida modernidade, em outros manifestam-se atrasados com relação à sua própria posição social, sendo, portanto, incapazes de completa autonomia histórica.

NOTA III. Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar da maior ou menor complexidade da sua concepção do mundo. Quem fala somente o dialeto e compreende a língua nacional em graus diversos, participa necessariamente de uma intuição do mundo mais ou menos restrita e provinciana, fossilizada, anacrônica em relação às grandes correntes de pensamento que dominam a história mundial. Seus interesses serão restritos, mais ou menos corporativos ou economicistas, não universais. Se nem sempre é possível aprender outras línguas estrangeiras a fim de colocar-se em contato com vidas culturais diversas, deve-se pelo menos conhecer bem a língua nacional. Uma grande cultura pode traduzir-se na língua de outra grande cultura, isto é, uma grande língua nacional historicamente rica e complexa pode traduzir qualquer outra grande cultura, ou seja, ser uma expressão mundial. Mas, com um dialeto, não é possível fazer a mesma coisa.

NOTA IV. Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las, por assim dizer; transformá-las, portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral.

 
* Fonte: GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, pp. 11-12. Subtítulo e grifos nosso.    

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Offline Blues Brother

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Re: Gramsci e a filosofia
« Resposta #1 Online: 28 de Dezembro de 2008, 23:27:11 »
Bom texto,

o Gramsci é um sujeito interessante, um dos poucos que é bem quisto tanto pela minha professora de sociologia, uma neo-marxista, como também pelo meu professor de política, um liberal à la Friedman.

Foi ele quem disse uma coisa do tipo: "É preciso combinar o otimismo da vontade com o pessimismo da razão"?

Offline Luiz Souto

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Re: Gramsci e a filosofia
« Resposta #2 Online: 29 de Dezembro de 2008, 23:02:18 »
Bom texto,

o Gramsci é um sujeito interessante, um dos poucos que é bem quisto tanto pela minha professora de sociologia, uma neo-marxista, como também pelo meu professor de política, um liberal à la Friedman.

Foi ele quem disse uma coisa do tipo: "É preciso combinar o otimismo da vontade com o pessimismo da razão"?

Sim , e acho que expressa bem a visão dele.
Gramsci tem um papel fundamental em rever as posições marxistas clássicas quanto às classers sociais e ao Estado , assumindo uma postura não mecanicista. E a visão dele sobre como as diferentes classes sociais eleboram suas ideologias é ainda valorizada na sociologia , se não me engano.
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