Disputa política na imprensa incentiva polarização na Venezuela Panchita e Panchito são dois papagaios que despertam diariamente a família da aposentada Ilda Figueiro e seus vizinhos, no bairro de classe média alta de Palos Grandes, em Caracas.
As aves repetem palavras de ordem que ganharam força entre os opositores do presidente venezuelano Hugo Chávez em 2002, período que antecedeu o fracassado golpe de Estado contra o mandatário. "Se vá, se vá, se vá, se váaa", canta um dos papagaios, enquanto o outro responde: "Fora Chávez, fora Chávez".
Ilda afirma que não foi ela a responsável pelo aprendizado dos "louros", mas não esconde a alegria pelo fato de seus bichos de estimação expressarem o que ela também sente.
"Eles aprenderam sozinhos, ouvindo a televisão e também quando passavam manifestações aqui na rua", afirma a aposentada, entre risos.
Os papagaios estão em uma gaiola na varanda do apartamento ao lado do televisor, geralmente sintonizado em um canal de oposição ao governo. Na última década, os meios de comunicação na Venezuela, em especial a TV, ganharam papel fundamental na disputa política do país, de acordo com analistas ouvidos pela BBC Brasil.
Foco de resistênciaNeste bairro, a maioria dos moradores compartilha a posição política de Ilda. Mas há exceções. Na esquina da rua há um "foco de resistência", como define Pedro Contreras, o jornaleiro.
"As pessoas desse bairro anseiam ler manchete que diga que Chávez perdeu a eleição ou que deixou a Presidência, mas o que não entendem é que essa história já não tem marcha a ré, o país mudou, o povo deixou de ser submisso", afirmou.
Contreras costuma colocar "encartes" improvisados nos jornais com informações sobre a revolução bolivariana. Há alguns meses, o jornaleiro gravou dezenas de discos com a programação do canal privado RCTV durante o golpe de abril de 2002 para adicionar aos jornais.
"É preciso lembrar sempre a manipulação a que esses canais nos submeteram durante o golpe", afirma.
O jornaleiro e a aposentada são retratos de um país marcado por uma histórica divisão que foi redimensionada desde que Chávez assumiu o poder.
"Chávez desenvolveu a polarização, mas não a criou. Esse país não era um lugar ideal de harmonia, já era uma sociedade com sérios problemas sociais e políticos", afirmou à BBC Brasil Teodoro Petkoff, diretor do diário Tal Cual e ex-assessor da campanha presidencial do dirigente opositor Manuel Rosales.
Alô, presidente!Chávez usa seu programa dominical
Alô, Presidente, além de pronunciamentos em cadeia nacional ou no canal estatal VTV, para anunciar mudanças no gabinete, atacar adversários, contar histórias da infância, falar de socialismo, lançar programas sociais e criticar seus ministros pela ineficiência na gestão pública.
"Sem dúvida, Chávez é o presidente mais midiatizado da história da Venezuela e de toda a América Latina", afirmou à BBC Brasil Andres Cañizales, pesquisador em Comunicação da Universidade Católica Andres Bello.
A disputa entre governo e meios de comunicação - que serviram de plataforma para Chávez na campanha de 1998 - teve início em 2001. Neste período, Chávez firmou uma série de leis, entre elas a que prevê a realização de uma reforma agrária e a Lei de Hidrocarbonetos, que afincava as bases para a estatização da exploração petrolífera.
"Ninguém mencionava a palavra socialismo, mas as leis ameaçavam a propriedade privada. Foi neste período que se começou a criar uma forte atividade opositora e a maioria dos meios privados terminou alinhada com o anti-chavismo", disse Cañizales.
As manifestações foram ganhando força e a crise culminou no dia 11 de abril de 2002, quando foi convocado um grande protesto pela renúncia do presidente. Para especialistas, a data marca o auge da interferência midiática na vida pública. No dia do golpe, canais de TV convocaram o protesto e jornais deram uma pauta aos manifestantes. O jornal
El Universal tinha a manchete "Nem um passo atrás", lema que seria repetido por manifesetantes.
O golpe se consolida e a programação da TV muda. Os canais que na véspera haviam transmitido integralmente as manifestações eliminaram da programação nos dias 12 e 13 de abril notícias relacionadas ao golpe. No seu lugar, se via desenhos animados e telenovelas.
"O silêncio informativo falava por si", afirmou Mariclein Stelling.
O governo chamou a tentativa de golpe de "golpe midiático", responsabilizando o setor empresarial e os meios de comunicação pela ação. Andres Cañizales diz que não há provas que vinculem diretamente os meios de comunicação à breve queda de Chávez . "Não existem provas que os meios participaram diretamente do golpe, mas sim o aplaudiram", afirmou.
Petkoff contesta, ao afirmar que o magnata das comunicações no país, Gustavo Cisneros, dono do canal Venevisión, que há dois anos teria alcançado uma trégua com o governo, "foi praticamente o chefe do golpe.
Se (os meios) não participaram diretamente da conspiração, acompanharam a estratégia golpista", afirmou.
Com Chávez de volta ao poder, o Executivo interpreta que uma das "batalhas" que teria de enfrentar era no âmbito da comunicação. Em cinco anos, o governo saltou de apenas um canal estatal sob seu controle para seis, dois deles com transmissão nacional (VTV, ViVe e Teves, que ocupou o lugar da RCTV) e um internacional, Telesul.
Nenhuma medida do governo, porém, foi tão controvertida como a decisão de não renovar a concessão do canal privado RCTV, em maio de 2007. A decisão foi interpretada pela oposição e pelo movimento estudantil opositor, que emergiu neste momento, como um ataque à liberdade de expressão.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090129_venezuela_polarizacao.shtml
Para analistas, erros da oposição fortaleceram Chávez Além dos altos índices de popularidade, do controle sobre as Forças Armadas e da bonança do petróleo, o presidente da Venezuela Hugo Chávez contou com um elemento fundamental que colaborou para fortalecer seu poder ao longo da última década no país: o conjunto dos erros da oposição.
Na avaliação de analistas e políticos ouvidos pela BBC Brasil a tentativa, a qualquer preço, de derrubar o presidente e tirar a legitimidade de seu governo, aliada à divisão e a incapacidade desse grupo de propor um projeto alternativo ao chavismo, contribuíram para a consolidação da chamada revolução bolivariana.
O fracassado golpe de Estado, em abril de 2002, que chegou a afastar Chávez do poder por 48 horas, foi o primeiro e o principal erro da oposição na avaliação de Julio Borges, do partido opositor Primeiro Justiça (PJ) de centro-direita.
"O erro foi pensar que era preciso tirar Chávez do Palácio de Miraflores (sede do governo) quando o que tínhamos de ter feito era tirá-lo do coração das pessoas", afirmou Borges, da direção do partido.
Borges argumenta que a oposição ainda batalha para recuperar a confiança perdida junto à população no período de crise política no país.
"Ainda estamos pagando (pelo erro) porque ao final o que se produziu é que o país viu durante muitos anos que de um lado estava Chávez e o povo e do outro lado estava a oposição", acrescentou.
O golpe levou milhares de simpatizantes do presidente, provenientes fundamentalmente dos bairros pobres, a tomarem as ruas para exigir o regresso do mandatário ao Palácio de governo, episódio que fortaleceu o presidente.
A partir de então a polarização tomou conta da sociedade venezuelana e permitiu que a tese de que a disputa política na Venezuela também se tratava de uma batalha entre pobres (chavistas) e ricos (anti-chavistas) se fortalecesse.
Greve petroleiraDiferente da situação atual, em 2002, os partidos políticos eram um grupo minoritário na corrente opositora ao governo. Empresários, a cúpula da Igreja Católica e os meios de comunicação privados eram os grupos com maior poder de decisão.
"Todos eles tinham mais credibilidade do que os partidos políticos, porém, esses são setores que não foram feitos para negociar e sim para impor o seu ponto de vista", afirmou a historiadora Margarita López Maya, da Universidade Central da Venezuela.
Meses depois do golpe, a oposição organizou um locaute liderado pela federação de empresários Fedecamaras e pela direção da PDVSA, estatal petroleira responsável por 94% das divisas que ingressam ao país.
A medida, que tinha como objetivo levar à renúncia o presidente, afundou o país em uma crise econômica, com uma perda de 24% do Produto Interno Bruto (PIB) e de desabastecimento de alimentos e combustível.
"A teoria era de que não há governo na Venezuela que resista a três dias de greve petroleira. Chávez agüentou 62 dias (de locaute) e a greve morreu sozinha", afirmou o diretor do diário opositor Tal Cual, Teodoro Petkoff, ex-assessor de campanha do candidato presidencial Manuel Rosales.
Depois da greve, Chávez demitiu 18 mil funcionários da PDVSA e estabeleceu pleno controle da principal indústria do país, hoje um dos pilares de sustentação de seu governo.
DerrotasEm 2004, a oposição acumulou mais uma derrota. Agrupados na organização civil Coordenadora Democrática, os opositores recolheram assinaturas e conseguiram submeter o mandato presidencial a referendo revogatório, em mais uma tentativa de encurtar o período de Chávez no poder. Foi o auge da polarização entre chavistas e anti-chavistas.
Chávez saiu vitorioso das urnas com 58,25% dos votos. Os opositores, porém, não acataram os resultados e acusaram o governo de ter manipulado a votação.
Teodoro Petkoff considera que, ao denunciar a fraude sem poder demonstrá-la, a oposição desqualificou a via eleitoral como alternativa à Chávez e desmobilizou seus eleitores para as eleições de governadores e prefeitos que ocorreram poucos meses depois.
"A abstenção nas eleições regionais foi tão grande que entregou de graça o controle do país a Chávez, sem oposição", afirmou. Na ocasião, os aliados do governo conquistaram 21 governos estaduais dos 23 em disputa.
A perda do espaço da oposição no Legislativo foi similar. Em 2005, buscando tirar a legitimidade da disputa para a eleição do novo Parlamento, os partidos opositores decidiram não participar do pleito, alegando que o sistema eleitoral era fraudulento. Até as eleições, a oposição controlava 45% das cadeiras na Assembléia Nacional.
A oposição "pensava que se as pessoas não participassem, o governo se deslegitimaria e perderia apoio popular, mas ao final quem perdeu credibilidade foi a própria oposição", afirmou Julio Borges (PJ).
Sem espaços institucionais para disputar politicamente com o chavismo, as ações da oposição de caráter público tiveram que limitar-se a manifestações de rua, em protestos que acabaram sendo ignorados pelo Executivo.
Nova oposiçãoA resistência da oposição à disputa eleitoral passou a mudar a partir de 2006, quando o candidato Manuel Rosales participou da eleição presidencial e aceitou a vitória - e reeleição - do presidente venezuelano com mais de 61% dos votos.
"Se marcou uma estratégia que admitia a democracia como caminho e o processo eleitoral como saída (para derrotar o chavismo)", afirmou Teodoro Petkoff, que assessorou Rosales durante a campanha eleitoral.
Mas foi a derrota do chavismo no referendo da reforma constitucional de 2007, porém, que deu novo fôlego à oposição, que passou a acreditar, ainda que com uma vitória apertada no pleito, que era possível vencer nas urnas.
"Pela primeira vez se ganhou uma de Chávez", disse Petkoff.
Os opositores do governo ganharam novos adeptos durante a campanha para modificar a Carta Magna. Primeiro o partido Podemos (social-democrata), que deixou a base governista e se aliou à oposição.
A outra ruptura veio com a saída do ex-ministro de Defesa Raul Isaías Baduel. O general, até então visto como um dos "heróis" que garantiram o regresso de Chávez ao poder durante o golpe, criticou o que chamou de "projeto autoritário" de Chávez e rompeu com o governo. Mas, diferente do que previam alguns analistas, Baduel tampouco foi aceito pela oposição.
"Em muitos casos os ataques contra mim provém mais da oposição do que do próprio governo", afirmou. Baduel defendeu a realização de uma nova Assembléia Constituinte para modificar a Constituição de 1999, proposta que não foi acolhida, até agora, pelos demais opositores.
RecuperaçãoEmbalados com a vitória no referendo da reforma constitucional, os representantes anti-chavistas de maior peso conseguiram em alguns casos recuperar e, em outros, consolidar espaços de poder, nas eleições regionais realizadas em novembro do ano passado.
A vitória da oposição em cinco Estados e também da prefeitura da grande Caracas marcou uma mudança de atitude dos partidos opositores, inclusive da ala mais radical. "Foi a primeira vez nos últimos anos em que nenhum grupo opositor fez campanha pela abstenção", afirmou Julio Borges do PJ.
Ligado aos setores empresarial e agropecuário do Estado Zulia, Rosales se consolidou no poder local e entrou fortalecido na corrida às eleições presidenciais de 2013. Rosales - que é acusado de corrupção - conquistou a prefeitura de Maracaibo, capital zuliana e conseguiu eleger seu candidato Pablo Perez (ambos do partido Um Novo Tempo) como governador desse Estado.
No Estado de Miranda, um dos mais importantes do país, Capriles Radonski (PJ), saiu vitorioso, reforçando o peso de seu partido no campo opositor.
Em busca de um líderAnalistas consideram que a incapacidade de propor alternativas ao chavismo foi um dos principais fracassos da oposição.
Entre os anti-chavistas, há também muitos que acham que a oposição carece de um líder que seja capaz de unificá-los. Teodoro Petkoff admite que a única liderança existente no país, ainda que não concorde com ela, é a do presidente da República.
"A liderança de Chávez é massacrante, ao lado dele não cresce nada, por isso há tanta carência de referências políticas", afirmou.
Petkoff aposta que nos próximos quatro anos a oposição construirá uma candidatura presidencial viável, mas admite que, no momento, não há outro líder ou projeto no país comparáveis a Chávez e a revolução bolivariana.
"Ainda não há alternativa no país, há oposição, mas não há alternativa", afirmou Petkoff. "Todos os setores sociais que vão se desencantando (com o chavismo), quando olham para o outro lado, não vêem alternativa".
Para a historiadora Margarita López Maya, o desafio da oposição é entender que, no imaginário do venezuelano comum, a política liberal adotada nas décadas anteriores não seria aceita pelos venezuelanos. "Eles ainda não entenderam que, para os venezuelanos, este projeto está derrotado, que há que se pensar em um novo modelo", diz ela.
López Maya acredita que é necessário romper com o "messianismo" da era Chávez, mas a seu ver, "enquanto o governo tiver recursos e enquanto não houver uma oposição crível, os venezuelanos preferirão continuar como estão do que experimentar outras coisas", afirmou.
O opositor Julio Borges sintetiza o dilema vivido por seus aliados: "O problema é que os que não estão de acordo com Chávez ainda não se colocaram de acordo sobre o quê concordam. Sabem que não gostam disso (chavismo), mas o problema é: do que gostam então?".
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090129_venezuelaoposicaocj.shtml
Venezuela enfrenta desafio de reduzir dependência do petróleo Quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, abriu a sessão da bolsa de valores de Nova York em 1999, a crítica feroz ao capitalismo, presente em seus discursos dos últimos anos, passava longe do vocabulário do mandatário.
Essa história mudou. Chávez, que hoje defende a implementação de um modelo socialista no país, admite que no início de seu governo havia um momento de "indefinições".
"Hoje não tenho dúvidas, esse é o caminho (...) o impulso dessa revolução já está dado, o que temos que dar é boa direção rumo ao socialismo bolivariano", afirmou o mandatário em recente entrevista concedida a um canal de TV local, ao avaliar seus dez anos na Presidência.
No entendimento do governo, a consolidação do socialismo deveria passar pela recuperação do papel do Estado na economia, em uma tentativa de inverter a doutrina liberal aplicada nas décadas anteriores, de acordo com a avaliação da historiadora Margarita López Maya, da Universidade Central da Venezuela.
"Agora estamos outra vez em um processo de centralização do Estado na regulação de todos os âmbitos da vida nacional", afirmou López Maya à BBC Brasil.
NacionalizaçõesPara recuperar o papel do Estado na economia o governo adotou como medida a re-estatização dos setores considerados estratégicos. Foram re-estatizadas as companhias de telecomunicações e de eletricidade, a Faixa Petrolífera do rio Orinoco (que em 2010 poderá ser certificada como a maior reserva petrolífera do mundo), a maior indústria siderúrgica do país e três empresas de cimento.
Para o economista Andrés Santeliz, professor da Universidade Central da Venezuela (UCV), com exceção do setor petrolífero, peça-chave da economia venezuelana, a medida não ataca o principal problema econômico do país, que a seu ver é o incremento da produção.
"Os recursos gastos nas re-estatizações seriam mais bem aproveitados se fossem aplicados em outras áreas de produção, para desenvolver infra-estruturas e moradias, por exemplo", afirmou.
Estima-se que o governo tenha investido cerca de US$ 6 bilhões em estatizações.
Diversificação da economiaHá uma década, quando Chávez assumiu o poder no país que é o quinto exportador mundial de petróleo, os principais desafios apontados pela sua equipe econômica eram tirar a Venezuela da recessão dos últimos anos e tornar a economia menos dependente do combustível. A promessa era "propiciar uma reativação econômica sobre bases sólidas e permanentes", diz o Programa Econômico de Transição 1999-2000.
A primeira tarefa o governo cumpriu. A economia se recuperou depois de enfrentar períodos de instabilidade política. O mais grave deles culminou em um fracassado golpe de Estado em 2002. Além disso, a Venezuela enfrentou uma greve do setor petrolífero entre 2002 e 2003, o que levou o país a uma recessão econômica com perda de 24% do PIB. A partir do terceiro trimestre de 2003 até o segundo trimestre de 2008, a economia Venezuela foi uma das que mais cresceram na América Latina, com uma média de 11,2%, números "sem precedentes na história" afirma o ex-diretor do Banco Central da Venezuela, Domingo Maza Zavala.
De acordo com relatório do BC divulgado ano passado, o crescimento é fruto indireto da bonança do setor petroleiro, e teria sido "estimulado pelo aumento de investimentos e o consumo" e também "pelo nível do gasto público associado à extensão dos programas sociais do governo". O gasto público que era de US$ 12 bilhões em 1998 saltou para US$ 140 bilhões em 2007, de acordo com dados da entidade financeira.
Mais dependênciaO segundo e maior desafio, porém, que é reduzir o modelo de dependência do petróleo, a partir da diversificação da economia, continua. Na opinião do economista Enzo Del Búfalo, na última década essa transição se tornou ainda mais difícil. Quando Chávez assumiu o poder, o preço do barril do petróleo era cotado em US$ 7. Com o aumento da demanda mundial e a guerra no Iraque, aliadas a políticas de ajuste da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), o preço do barril disparou, chegando a US$ 147 em julho de 2008.
"Todo esse auge petroleiro não se traduziu no mais importante para a economia que são os investimentos", afirmou o economista. "O modelo rentista petroleiro longe de ser eliminado se acentuou nesses dez anos", acrescentou.
Atualmente, 94% das exportações são de origem petroleira. Para Del Búfalo, o governo não investiu no campo produtivo e a "tendência à desindustrialização" iniciada na década de 90 teria sido incrementada neste período.
De acordo com Confederação Venezuelana de Indústrias, o setor foi o que menos cresceu na última década em relação aos demais setores como o comércio, manufaturas e financeiro, com uma queda de 44% das atividades sob a atual gestão.
Disputa políticaNa avaliação de Del Búfalo, as dificuldades em estabelecer um projeto de desenvolvimento também estão relacionadas com a disputa política entre governo e o setor privado. O divórcio entre o governo e o setor empresarial teve início na crise política de 2002-2003, quando logo depois do golpe a federação de empresários Fedecamaras implementou, aliada à direção da estatal PDVSA, um boicote que tinha como objetivo derrocar o presidente venezuelano.
Uma das conseqüências dessa disputa, na opinião de Domingo Maza Zavala, ex-diretor do BC, é que "não há coordenação entre o setor público e privado, o que há é enfrentamento e ameaças de expropriação, de confisco das empresas (por parte do governo)", afirmou Maza Zavala.
O ministro de Relações Exteriores, Nicolas Maduro, um dos homens do "núcleo duro" do governo, responsabilizou, por sua vez, a "elite empresarial" pelas dificuldades de estabelecer um plano comum de produção voltado ao desenvolvimento do país.
"Nós temos uma burguesia parasitária, ‘Miameira', dependente da visão comercial dos Estados Unidos. Ainda não temos uma burguesia nacional como existe no Brasil", afirmou Maduro à BBC Brasil.
Controle de câmbioNa avaliação do economista Mark Weisbrot, co-diretor do Centro de Pesquisas de Política Econômica (CEPR, na sigla em inglês) de Washington, um dos principais problemas da economia venezuelana é o controle de câmbio, implementado em 2003. Com o bolívar cotado a US$ 2,15, ao mesmo tempo que o governo conseguiu conter a fuga de capitais no período de instabilidade política, o controle cambial trouxe como consequência uma supervalorização da moeda, um dos fatores que na opinião de Weisbrot impedem a diversificação da economia.
"O controle de câmbio faz com que as importações sejam artificialmente mais baratas e que as exportações não petroleiras sejam muito caras, colocando os bens comerciais venezuelanos em uma situação de desvantagem tanto no mercado internacional como no mercado interno", afirmou.
"Isso dificulta a diversificação da economia e a possibilidade de romper com a dependência do petróleo, porque para isso é necessário uma taxa de câmbio mais competitiva", acrescentou.
Na prática, para o governo é mais barato importar que produzir, lógica que foi incrementada para suprir o déficit na oferta de alimentos e de outros bens e serviços ocasionados pelo aumento da demanda dos últimos anos.
Impulsionado pelo crescimento da economia, de 1998 a 2007 o consumo dos venezuelanos se incrementou em 18,7%, de acordo com o ministério de Finanças.
Crise financeiraCom o fim do boom petroleiro ocasionado pelo fim da crise financeira internacional, os especialistas afirmam que o governo terá que reajustar o orçamento, cuja base foi calculada com o preço do barril a US$60, e reduzir o gasto público. "Quando cair o gasto público, cairá a sustentação da demanda e por consequência a atividade econômica", afirma o ex-diretor do BC Maza Zavala.
Weisbrot acredita que o remédio para enfrentar a crise não é a retração do gasto, e sim mais investimentos. Para isso, o governo terá de criar um pacote de estímulos fiscais para reativar a economia. A longo prazo, o economista avalia que o governo terá de definir "uma estratégia clara de desenvolvimento" que inclua a indústria, o setor de tecnologia e a agricultura.
A desvalorização da moeda, defendida por alguns economistas, poderia ser uma receita amarga, advertem outros. Ao mesmo tempo que a medida tornaria o Bolívar mais barato e incentivaria o produção nacional, teria como conseqüência imediata o incremento da inflação, que só em 2008 registrou alta de 30%, com uma média na última década de 20,4%.
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2009/01/090129_venezuela_petroleo.shtml