Minha contribuição:
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I - Introdução
Epicuro nasceu por volta de 341 a.C em Samos, morou em Atenas, Cólofon e Lâmpsaco, e veio a falecer em Atenas, por volta de 270 a.C, quando tinha setenta e dois anos de idade. Epicuro também foi escritor, sendo autor de mais de trezentos volumes sem citações de outros autores. Escreveu Da Natureza, em trinta e sete livros, mas apenas as suas três cartas ficaram para nós como legado. A primeira dirigida a Heródoto tratando da física; a segunda dirigida a Pítocles, tratando da meteorologia e da astronomia e aterceira dirigida a Meneceu, tratando das concepções sobre a vida humana, que é de nosso interesse nesse trabalho em que vamos analisar sua ética como fatos relacionados com a escolha e rejeição. Os epicuristas chamam esta ética de "ciência do que deve ser escolhido e rejeitado, e também dos modos de vida e do fim supremo" (GOMES, 2003, p 151).
A carta a meneceu tem como ponto basilar a abordagem da ética que ensina a viver de forma que a felicidade deve ser almejada através da busca do prazer, com vista a alcançar a saúde do espírito. Para ele a vida deve ser vivida de forma intensa, mas não de forma irresponsável. Para se ter uma vida feliz é necessário refletir sobre as grandes questões que afligem o homem, a saber, a morte, o medo, o sofrimento, etc... O princípio de toda escolha ou rejeição, na ética epicurista, é o prazer e a dor. A ética grega, nesta época, tinha como objetivo a busca do bem do indivíduo e a sabedoria e serenidade eram pré-requisitos para o sucesso da empreitada. Quando o cidadão grego se afasta da participação política, devidas às novas condições impostas ao mundo grego, o indivíduo busca o conhecimento, não para a preparação da atividade política e sim para o aprimoramento interior do homem. A partir daí a filosofia busca estabelecer normas universais para a conduta humana. O problema ético torna-se, então, o centro da especulação das correntes filosóficas.
II - A ética
O ponto básico da carta a Meneceu, sem dúvida, é abordar a ética de um ponto de vista da felicidade, isto é, de como agir para se alcançar a "saúde do espírito". De início Epicuro exorta Meneceu sobre a necessidade de Filosofar, mesmo sendo velho, pois a Filosofia não é privilégio apenas dos jovens e sim "útil tanto ao jovem quanto ao velho", pois o jovem envelhecerá sem sentir o medo das coisas que virão e o velho sentir-se rejuvenescer pelas recordações das coisas que já passaram.
Para GOMES Epicuro está dizendo o seguinte:
"Assim sendo, é bom entender a importância da filosofia. Quem a entende chama-se sábio e é o ser capaz de saber a importância do Viver." (GOMES, 2003,p 153)
Mas qual são as características fundamentais da ética epicurista como está sendo exposta na carta? Ora, podemos refletir que o objetivo ético da busca do prazer pela ausência da dor (aponía) e a falta de pertubações da alma (ataraxía) se apóia sobre a consciência que o homem adquire mediante uma rigorosa reflexão teórica sobre esse temas. A ética epicurista não ensina apenas a buscar o prazer, mas também a evitá-lo quando for necessário.
III - A divindade
Epicuro começa a descrever os ensinamentos, ou, elementos fundamentais para se ter uma vida feliz e saudável. Para ele os deuses existem e nós temos o conhecimento acerca deles, porém a imagem que a maioria das pessoas faz dele é equivocada e atribui o conceito de ímpio não àqueles que o negam mas, aos que fazem um juízo falso dos deuses. É necessário considerar a divindade como um ente imortal e bem aventurado e não são os causadores dos malefícios aos maus e benefícios aos bons. Para Epicuro os deuses não interferem em nada na realidade humana:
"... já a imagem que deles faz a maioria das pessoas, essa não existe: as pessoas não costumam preservar a noção que têm dos deuses. Ímpio não é quem rejeita os deuses em que a maioria crê, mas sim quem atribui aos deuses os falsos juízos dessa maioria. Com efeito, os juízos do povo a respeito dos deuses não se baseiam em noções inatas, mas em opiniões falsas. Daí a crença de que eles causam os maiores malefícios aos maus e os benefícios aos bons." (EPICURO, 2002, p 23)
Epicuro venera os deuses, não para receber auxílio, mas porque eles encarnam o ideal estético grego da vida, e é necessário imitá-los, sendo na veneração que os homens o imitam e tentam viver como os deuses.
IV- A morte
Epicuro passa a abordar um tema muito importante e misterioso para toda a humanidade, a saber, a morte. Toda a Filosofia de Epicuro está baseada nas sensações, isto é, só o que podemos sentir, o prazer ou a dor e aí o Filosofo é chamado de Hedonista, quer dizer, uma doutrina:
"... filosófica que considera o prazer como único bem possível, portanto como fundamento da vida moral. Essa doutrina foi sustentada poruma das escolas socráticas, a Cirenaica, fundada por Aristipo; foi retomada por Epicuro, segundo o qual ‘o prazer é o princípio e o fim da vida feliz’" (DIÓG. L., X, 129; Abbagnano, 2000, p 497)
O filósofo exorta Meneceu de que a morte para nós não é nada, pois "...todo o bem e todo o mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações." (EPICURO, 2002, p 27). Para Epicuro o valor da vida é que se tem de dar ênfase. A vida, embora curta, tem que ser bem vivida e justifica de que nada adianta viver muito, se não viver bem. Epicuro salienta a importância da qualidade em detrimento da quantidade. Ser sábio é entender que a vida não é um fardo e a morte não é um mal.
" A morte é um fato pelo qual a razão mostra, se os átomos se dissolvem, somos mortais. Pensar a imortalidade seria um sonho. Interessa é ter uma vida com mais qualidade, sem precisar, para isso, de mais quantidade. Para Epicuro, o homem poderia ter uma vaidade semelhante aos deuses, mesmo sendo mortal”. ( GOMES, 2003, p 154).
Epicuro trabalha também na morte a questão de que alguns a desejam para dar fim aos males da vida; enquanto outros fogem dela como se ela fosse o maior de todos os males. No Fausto, Goethe coloca em Margarida, a amante infanticida de Fausto, a vontade de morrer depois que ela é presa por ter matado seu filho e sua mãe. Mesmo ela tendo a porta aberta da sua cela e Fausto chamando-a para a liberdade, ela retém seu instinto e não aceita, preferindo a execução:
"Fausto: Podes! só o queiras! vês aberta a porta!
Margarida: Não devo; para mim a esperança está morta.
Por que fugir? se estão mesmo a espreitar-me.
Tão triste é esmolar na indigência,
E, ainda mais, doendo a consciência!
É tão triste vaguear entre estranhos, errante.
E hão de agarrar-me, não obstante! " (Goethe, 2004, p 515).
Essa visão de morte de Epicuro, nos mostra que o Filosofo não espera nada após a morte: não existe vida após morte, não existe imortalidade. Só possuímos uma vida e é nessa única vida que temos a obrigação de vivê-la da melhor forma e a melhor forma, para Epicuro, é a busca da felicidade. A sua ética é voltada para ensinar a viver suportando ou evitando a dor, o medo e o sofrimento e a maneira mais eficaz é procurando o prazer, que não é mais que a ausência de dor. Não devemos nos preocupar com a morte, pois, certamente ela virá, mas enquanto não chegar, nós existimos e quando ela vier, não existiremos mais.
"Então, o mais terrível de todos os males, a morte, não significa nada para nós, justamente porque, quando estamos vivos, é a morte que não está presente; ao contrário, quando a morte está presente, nós é que não estamos." (EPICURO, 2002, p 29).
Na questão do suicida, Epicuro o chama de tolo e questiona o porquê de se viver tão depressa e achar que a morte é a resolução de todos os problemas da vida. Ora, mas se acha que a morte é um desejo "... por que não se vai dessa vida? Pois é livre para fazê-lo, se for esse realmente seu desejo..." (Epicuro, 2002, p 33)
V - O Futuro
A sorte, o acaso, ou a fortuna, que era representada pela deusa Tyche, da sorte e da esperança e que possuía um templo em Roma chamado de templo de Fortuna Virilis, era, de uma forma ou de outra, criticada por Epicuro, pois ele acha que não deveríamos esperar esse tipo de auxílio. A espera desse auxílio nos faz ficar ansiosos e esperançosos e quando não acontece nos desesperamos e consequentemente sofremos. Essa espera é uma espera do futuro que talvez chegue e talvez nunca chegue. Epicuro afirma que : "... o futuro não é nem totalmente nosso, nem totalmente não-nosso, para não sermos obrigados a esperá-lo como se estivesse por vir com toda a certeza, nem nos desesperarmos como se não estivesse por vir jamais." (EPICURO, 2002, p 33)
VI - Os Desejos
Epicuro fala para Meneceu na Carta sobre a Felicidade sobre dois tipos de desejos, a saber, os que são naturais (physikaí) e os que são inúteis (kenaí). Os naturais são os desejos humanos que são próprios à natureza, isto é, physis, que são os desejos de comer, beber, dormir que nos fazem afastar da dor, do desprazer. Os desejos inúteis ou vazios, são os que resultam de opiniões falsas a cerca dos desejos, por exemplo, o desejo de poder (política). Da vida política os homens esperam poder, fama e riqueza, que são desejos não-naturais nem necessários, portanto, desejos inúteis (kenaí). Para Epicuro são desejos vazios e enganosos em que o homem ao obtê-lo não satisfaz o próprio desejo e, ao contrário, já projeta mais e mais e sofre desesperadamente a espera da satisfação. Schopenhauer esclarece o desejo com muita clareza quando diz:
"Todo querer (desejo) tem de nascer de uma necessidade; toda necessidade, entretanto, é uma carência sentida, a qual é forçosamente um sofrimento (...) a satisfação, no entanto é breve e módica: com ela crescem as exigências (...) a satisfação última de um desejo é, nela mesma, apenas aparente: nada nos torna efetivamente contentes, pois, assim que um desejo é satisfeito, um novo ocupa o seu lugar." (Schopenhauer, 2001,p 90).
Schopenhauer está falando precisamente desses desejos que Epicuro nomeia como inúteis e vãos, pois não satisfazem o homem, isto é, nada o torna efetivamente contente, nada o tornará feliz.
Os desejos que são responsáveis pela nossa felicidade, segundo Epicuro, são os desejos naturais, pois trazem bem-estar ao nosso corpo e bem-estar para a própria vida. Mas antes de tudo é necessário ter o conhecimento desses desejos, isto é, para podermos escolher alguns e recusar outros, é necessário saber o que nos trará prazer e os que nos trará dor, pois, para Epicuro, o prazer é o início e o fim de uma vida feliz. O Filósofo afirma que só sentimos necessidade do prazer, quando não o estamos possuindo e carecemos dele, por que, de outra maneira, não haveria necessidade. Podemos afirmar que o prazer é um bem para o homem, porque permite a esse homem escolher ou recusá-lo, pois Epicuro quando fala de prazer, não está se referindo a qualquer prazer:
" O prazer que gera efeito desagradável, não é compensado; todavia precisamos lembrar que nem toda dor deve ser evitada. A dor pode vir a trazer benefício." (GOMES, 2003, p 156)
Epicuro afirma que o prazer é o bem primeiro e inato, porém, nem por isso podemos escolher qualquer prazer, pois, o prazer pode também trazer efeitos desagradáveis. Para Epicuro, os prazeres precisam ser bem aproveitados e analisados de forma qualitativa e nunca quantitativa. O prazer não é conseguido pelo seu excesso, nem pelo requinte, mas é alcançado pelo supressão de uma necessidade surgida e que é satisfeita de forma mais simples possível. Aqui, Epicuro nos dá uma grande aula de ética. Nossa sociedade utilitarista e consumista, procura desesperadamente a satisfação de desejos cada vez mais complexos e inalcanssáveis. Desejos criados para o consumo desenfreado em que as pessoas fazem de tudo para satisfazê-los, achando que são desejos naturais.
Para Epicuro, o mais prazeroso não é o caro, porque, o prazer não é conseguido pelo excesso, nem pelo requinte, mas pela supressão de uma necessidade que pode ser sanada de forma simples e com pouco custo. Podemos entender então, prazer como ausência dos sofrimentos do corpo e da alma. Para se ter uma vida feliz, Epicura dá sua receita simples, a saber, que o verdadeiro prazer é o prazer calmo, isto é, o ideal da vida está numa serenidade permanente, feita de uma sociedade constante, que não é perturbada nem pelo sofrimento, nem pelo desejo. Mas é o corpo que se inquieta primeiro e necessita ser acalmado. Epicuro sabe disso é diz que os prazeres do corpo não proporcionam essa felicidade, porque são misturados de febre e inquietação, por isso:
"O verdadeiro prazer se goza antes no prazer do espírito, mais profundo, mais completo que o prazer do corpo, porque o corpo se limita à sensação presente, enquanto que o espírito se reporta ao passado e espera o porvir." (GOMES, 2003, p 157)
O Filósofo exorta Meneceu fazendo uma pergunta em relação ao sábio e ao mesmo tempo respondendo-a a dizer que não pode existir alguém mais feliz que o sábio, pois, ele tem um juízo reverente acerca dos deuses; não se preocupa com a morte; que compreende a finalidade da natureza; sabe que o bem supremo está nas coisas mais simples e fáceis de se conseguir; que o mal ou dura pouco, ou só nos causa leves sofrimentos; que o destino não tem poder sobre a vida humana e que a nossa vontade é livre. Esse é uma síntese do homem sábio e feliz para Epicuro.
VII - Conclusão
A ética é um campo da filosofia que se volta, através do estudo, para os problemas práticos do homem que sempre se preocupou com questões relativas à morte, à solidão, à angústia, ao medo, etc... Na carta sobre a felicidade podemos constatar uma ética que busca ensinar a evitar a dor, o medo, o sofrimento que sempre aflige o homem. A abordagem de Epicuro sobre a moral é sobre a forma que o homem deve tomar para agir e encarar a vida, quando se procura a felicidade. Essa busca destingue Epicuro dos outros filósofos , porque, para ele qualquer pessoa, independentemente da sua idade, pode buscar a felicidade, quando se dedica a filosofia. A contribuição maior de Epicuro é a sua ética que nos ensina a cuidar de nosso corpo e de nossa mente, sempre como um bem que ajuda a construir uma sociedade mais feliz e fundada na amizade, porque, a amizade desempenha um papel fundamental na felicidade e corresponde a um desejo que não é nem natural nem necessário. A amizade é uma forma de amor que não desperta paixões carnais e que satisfaz o espírito de forma plena.
Para ser feliz é necessário ser sábio e para ser sábio é imprescendível ser feliz, porque, sem isso a vida seria mais difícil de ser aturada. Para Epicuro, temos que passar por essa vida o mais agradavelmente possível, sendo a busca do prazer o bem primitivo e inato.
Referências
GOMES, Táuria Oliveira. A Ética de Epicuro: um Estudo da Carta a Meneceu. Revista Print by UFSJ, jul. 2003.
ABBAGNANO, Nicolai. Dicionário de Filosofia. 4 ed. São Paulo,Martins Fontes, 2000)
GOETHE, Johann W. Von. Fausto uma tragédia. Trad. Jenny K. Segall. Ed 34, São Paulo, 2004.
SCHOPENHAUER, Arthur. Metafísica do belo. Trad. Jair Barbosa, São Paulo, Ed. UNESP, 2003.