As três semanas de Obama e os 100 dias de RooseveltNOVA YORK- Pobre Barack Obama. Em parte, devido a dramáticas circunstâncias históricas e em parte por obra do seu marketing político, o presidente americano vive na sombra de gigantescos antecessores no cargo. Abraham Lincoln, cujo bicentenário de nascimento será celebrado agora no próximo dia 12 (ao lado de Charles Darwin), é uma referência obrigatória. Existe uma linha ligando o emancipador dos escravos ao primeiro presidente negro.
Nesta galeria histórica, o outro grande referencial é Franklin Roosevelt, em particular nestes primeiros 100 dias de governo, de urgência para implantar medidas que impeçam a degringolada total da economia.
Ler sobre Franklin Delano Roosevelt, FDR para íntimos e não íntimos, hoje é tarefa obrigatória. Jornalistas se tornaram especialistas nos 100 primeiros dias do seu governo em 1933 (com suas medidas espetaculares para debelar a crise econômica, algumas bem-sucedidas, outras equivocadas) e papagaios para repetir que a única coisa que devemos temer é o próprio medo.
Tantos paralelos dão medo. Pobre Obama. Com apenas três semanas no cargo, é esta carga histórica de comparações com o maior presidente americano no século 20, aquele que enfrentou a pólio, a Grande Depressão e impérios do mal realmente da pesada. O professor da Universidade do Texas, H.W. Brands, escreveu uma biografia fascinante para mostrar como FDR não correspondeu às expectativas, devido ao contraste entre sua origem aristocrática e as reformas que ele empreendeu. O título é "Traitor to his Class: The Privileged Life and Radical Presidency of Franklin Delano Roosevelt" (Doubleday)
Nascido em 1882 no Vale do Hudson, em Nova York, FDR era "quatrocentão" e primo distante de Theodore Roosevelt (outro radical na Casa Branca) e casou com Eleanor, sobrinha do ex-presidente. Aos 25 anos, FDR já tinha um plano para chegar à presidência: deputado estadual em Nova York, subsecretário da Marinha, governador de Nova York e finalmente Washington. Foi a trajetória do primo Teddy.
FDR chegou lá por um caminho acidentado, pois contraiu pólio em 1921, aos 39 anos. Brands escreve que, quando foi viver na miserável área rural de Warm Springs, na sulista Geórgia, em busca de águas medicinais, FDR adquiriu uma sensibilidade pela vida dos menos privilegiados e a determinação titânica que o preparou para enfrentar inimigos diabólicos como a Grande Depressão e Hitler.
FDR reconheceu que, no final das contas, a Grande Depressão foi derrotada pela Grande Guerra, mas foram com os programas do New Deal que ele traiu sua classe. Brands vai direto ao ponto: "Os ricos nos dias de Roosevelt o culparam por vendê-los às massas. Seus herdeiros responsabilizaram o New Deal pelo crescimento do governo desde então. Mas os dois grupos não consideram a alternativa: não o laissez-faire, mas o fascismo americano. Roosevelt traiu sua classe, mas resgatou o país e provou ser o melhor amigo que os ricos já tiveram."
Mas os mais pobres não podem se queixar. O New Deal estabeleceu as fundações do Welfare State nos EUA. FDR criou programas sociais, como a aposentadoria, considerados invioláveis. Nem os presidentes mais conservadores ousaram tocar nas vacas sagradas. A guinada filosófica nos anos 30 foi histórica, radical e profunda. FDR mudou o país ao mudar a percepção sobre o governo. A economia, particularmente em dias ingratos, deixou de ser problema privado. O Estado passou a ter responsabilidade para oferecer proteção social aos bancos, aos correntistas e aos não correntistas.
E aqui é possível traçar alguns paralelos entre FDR e o que espera Obama, embora 76 anos mais tarde não haja ansiedade por um radicalismo desesperado e exista a constatação de que conquistas conservadoras da era Reagan, de estímulo ao espírito empreendedor americano, não devam ser ceifadas.
No seu livro abrangente, Brands destaca que FDR também reorientou o pensamento americano sobre o mundo lá fora. Ele preparou o país para a luta contra o nazismo ao derrotar o isolacionismo (o ataque japonês em Pearl Harbor ajudou bastante) - segurança nacional exigia engajamento nos acontecimentos internacionais.
Brands arremata que, na sua grandeza, FDR tinha uma grande fraqueza; aparentemente acreditar que poderia viver para sempre, ou pelo menos até o final da 2ª Guerra Mundial. Ele morreu em 12 de abril de 1945, em Warm Springs. Não há dúvida que FDR era um gênio político. Portanto, se continuarem as comparações nestas primeiras semanas de governo, Barack Obama vai trair as expectativas.
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