Ou Brasil se assume como potência regional ou integração regional só trará cizânia e prejuízoDiplomacia lulista testa a quadratura do círculo ao se envolver com interesses que não são os do paísBrasil não é Alemanha ou França, pilares do acordo de integração econômica na Europa, nem o real reúne os atributos que fizeram do marco alemão a grande âncora do euro. Mas a crise externa abriu a oportunidade de acelerar a aderência entre as economias da América do Sul, e o governo Lula quer aproveitá-la à margem do dólar.
A iniciativa de adiantar a integração antes que a recessão global consolide o protecionismo endêmico entre os vizinhos é do governo brasileiro. A questão é o que fazer sem implicar ônus à sociedade brasileira e temor de imperialismo a países em fase de reafirmação nacional e dependentes da exportação de commodities ou com base industrial estreita, como Chile, a mais bem sucedida da região, ou sucateada, caso da Argentina, o maior parceiro do Brasil.
De certa forma, os exercícios da diplomacia lulista se assemelham à quadratura do círculo. Como as soluções não são apenas técnicas, mas também políticas, sempre há o risco, na falta de um projeto de poder externo de longo prazo com razoável consenso entre as forças da sociedade, que a diplomacia acabe capturada por interesses que não são os do país. E, sim, de ideologias inspiradas por uma noção vaga de solidariedade pan-americana, ou “bolivariana”, a expressão do venezuelano Hugo Chávez para cunhar a esquerda nacionalista.
Já houve precedentes. O governo Lula contrariou a Petrobras, que queria agir para preservar seus interesses lesados pelo presidente Evo Morales, ao expropriar de modo unilateral investimentos feitos na Bolívia. Tratou-o como ato soberano do vizinho, o que era, mas não precisava topar um acordo de indenização danoso à sociedade e garantir a continuidade dos investimentos da Petrobras na Bolívia, sem nenhuma condicionalidade. Quem ganhou com isso? Ninguém.
Todos perderam – o Brasil, que arcou o prejuízo, e a Bolívia, que se privou da seriedade de seus compromissos contratuais. Abriu-se um vácuo de respeito aos contratos e instâncias arbitrais. É o que fez o presidente do Equador, Rafael Corrêa, enxotar a empreiteira Odebrecht do país, recusando arbitragem independente – um recurso ao qual a empresa foi sutilmente desaconselhada a recorrer.
Morales indicou o caminho promissor devido ao temor do governo Lula em defender os direitos soberanos do país. Agora o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, faz carga. Ele quer reabrir o tratado de Itaipu, e o governo dá corda. Receia desagradar o vizinho.
Quem precisa de quemTais atitudes vêm num crescente e podem causar maiores danos para o país, conforme seja formatado o projeto idealizado para fomentar o comércio regional em reais e que os circuitos da tal “diplomacia solidária” tentam desvirtuar para a troca ou “swap” de moedas sem garantias prudenciais.
Brasil exportaria em reais e importaria em bolivianos, pesos argentinos, ou vice-versa. Tais moedas, extra a relação cambial, não têm nenhuma liquidez nem a segurança do real.
O Brasil é potência regional - um dado objetivo que não pode ser sublimado. Atribuir ao país vocação imperialista é coisa de gente mal-intencionada, no fundo querendo tirar vantagem intimidando as políticas nacionais.
Não precisa ser dito, mas a verdade é que os vizinhos precisam mais do ativismo do Brasil que o contrário.
Benemerência opacaLula acredita que o Brasil tem obrigação de ajudar os países mais fracos. Faz sentido. EUA, Alemanha, França também adotam programas de ajuda humanitária ao mundo pobre. Só que tudo é às claras.
A ajuda externa é debatida no Parlamento e lançada no orçamento de receitas e despesas do país. A benemerência é política de Estado, não de um governo e de seu partido. Não há no Brasil essa transparência.
Âncora da integraçãoA política externa é como um feudo do Executivo, com o presidente de turno não se avexando em perdoar dívida externa antes que haja a aprovação pelo Senado, como Lula fez em várias ocasiões, e FHC também fizera, subtraindo autonomia do legislador, já que a recusa de um ato desses criaria um contencioso com o país beneficiado.
A questão do “swap” de moedas pensada originalmente atende melhor aos interesses nacionais e dos vizinhos. O BNDES financia a venda de bens e serviços brasileiros em reais. O Banco Central do Brasil faz acordo de troca de reais pela moeda do vizinho, dando liquidez ao intercâmbio. E a moeda acumulada pelo BC paga as importações do parceiro. A âncora cambial, porém, é o real, sem favorecimentos.
Vitrine de soluçõesDuas diretrizes pragmáticas marcam a integração na União Européia - e também o embrião de convergência econômica na Ásia.
O primeiro é que a economia dominante induz o ajuste das políticas econômicas das demais. É a “integração por gravidade”. Alemanha exerceu esse papel na Europa.
O segundo é financiamento, sobretudo para fechar o
gap de infraestrutura. Só o Brasil é capaz desse protagonismo na região. Sem artificialismo, culpa e solidariedade clubista.
O
swap de moedas, por exemplo, tem de se limitar à capacidade de pagamento do parceiro e à existência de banco central autônomo e a marcos legais que protejam o financiador, condições encontradas no Chile, Uruguai e Colômbia. Eles seriam vitrine para os demais.
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