PIB capotou pela quebra da financeirização dos EUA, não por razões apenas internas ao BrasilPós-crise vai gerar outra “normalidade”, com menor acesso a dívidas pelas empresas nos EUA, Europa e ÁsiaOs economistas e críticos diversos com olhos arregalados diante da quebra do padrão de crescimento da economia depois de setembro, e o governo a assegurar que o pior já passou, desdenham a questão central: a economia ficou menor, aqui e no mundo, e levará tempo para se recuperar, com muito menos facilidade para novas dívidas.
O Produto Interno Bruto (PIB) do país, no entanto, não encolheu, dramaticamente, no final de 2008 por razões de política econômica interna, como juros altos e baixa taxa de investimento produtivo.
Se o Banco Central tivesse desidratado a Selic há mais tempo e a Fazenda aliviado os impostos sobre a produção, a retração do PIB poderia ter sido minimizada, mas dificilmente evitada. Além disso, tais mazelas vêm de longe e os seus efeitos negativos vinham sendo reduzidos, embora atrasados pelo abandono das reformas econômicas.
O que bateu forte na economia, levando-a a capotar, foi algo bem mais profundo: a percepção de que o estouro da bolha dos imóveis nos EUA furou uma bolha bem maior, a da “economia FIRE”, acrônimo em inglês de finanças, seguros e imóveis, dominante desde os anos 80, trazendo a reboque a “economia da produção”. Esta é a crise.
É nestes termos que se põe a vantagem relativa do país sobre os demais. Por motivos estruturais – gasto público alto e crescente, implicando carga tributária disfuncional e contribuindo a tornar escasso e caro o crédito privado, e por ai vai – o processo de financeirização da economia real estava em estágio inicial, além de a banca ser mais capitalizada e com endividamento muito menor.
Nos EUA, ao contrário, a dívida total saltou de 160% do PIB em 1980 para 357% ao fim do primeiro semestre de 2008, dos quais 85% de responsabilidade de empresas e pessoas. Essa relação alarmante aqui nunca existiu: é da ordem de 40% do PIB, sem incluir a dívida pública. A Ásia vinha pela mesma senda. A valorização dos ativos financeiros sobre o PIB da região foi de 250% em 2003 para 370%.
A perda da riqueza financeira por isso, segundo estudo do Asian Development Bank, chegou a US$ 9,6 trilhões em 2008, equivalendo a mais de um ano do PIB asiático. Por comparação, na América Latina, segundo o mesmo estudo, as perdas chegaram a US$ 2,1 trilhões, 57% do PIB.
Frutos da prudênciaA relação dívida sobre patrimônio da banca nos EUA dava múltiplos acima de 30 vezes. No Brasil é menos de 10. Na Europa, o múltiplo do inglês Barclays e do alemão Deutsche passava de 50 a 60 vezes.
Antes da crise, cada US$ 1 de produção requeria 25 centavos de novas dívidas ao ano nos EUA, fora as já contratadas e roladas. Já no Brasil mais da metade do investimento privado é sustentado pelo lucro reinvestido. Em alguns setores, o autoinvestimento passa de 70%. Do investimento em obras do PAC, porém, quase tudo é dívida.
Outra “normalidade”Ignorar estas diferenças e assumir que a crise de fora afundou a economia brasileira no buraco, do qual só sairá quando o mundo se reerguer, os EUA sacudirem a poeira, não é justo, além de expor a crítica a duas situações: ignorância do crítico ou má fé.
À luz da magnitude da quebra da economia FIRE urdida nos países ricos, com EUA de protagonista, a reação à grande retração do PIB brasileiro no fim do ano passado sugere destempero. Mas não significa também que a atividade econômica esteja pronta para voltar à animação de antes da crise.
O pós-crise vai gerar outra “normalidade”, que se define pelo menor recurso a dívidas no processo produtivo nos EUA, Europa e Ásia. Mas desse mal o Brasil nunca padeceu, ao contrário.
Como a crise acabaráA quebra do padrão FIRE de crescimento arrastou a economia real, porque a embrulhava pela lógica financeira. Ela barrou seu acesso a todas as formas de crédito para operações normais, nos EUA e no mundo, e não só às que inflavam os preços dos ativos financeiros.
O comércio entre países também despencou porque apoiado boa parte pelos mesmos ativos de dívida emitidos pelos bancos. O refluxo é maior que em outras crises, além disso, porque até fluxos de caixa de empresas e receita fiscal de países foram securitizadas, dando uma defasagem entre os gastos incorridos e novas entradas, por sua vez abatidas pela recessão.
O ativismo fiscal dos governos não vai repor essas perdas, porque já está esgarçado e, ir muito além do que os Tesouros fizeram, criará outros problemas. A crise refluirá quando a relação dívida sobre ativos achar níveis sustentáveis, que só se saberá pela prática.
E o Brasil? Está melhor, mas tem de entender o que ocorreu e virá.
O que falta explicarSe a economia mundial desabou pelo peso do endividamento nos EUA e Europa, além da algazarra da banca, que os chefes de governo do G-20, o grupo das maiores economias do mundo, querem encabrestar na reunião marcada para 2 de abril em Londres, duas coisas saltam à vista.
A 1ª é que as dívidas tornadas impagáveis deveriam ser pagas, roladas ou chutadas para o alto – o oposto do que tem feito os governos ao resgatar bancos quebrados e soltar o gasto público, instando a sociedade a voltar a dever.
A 2ª é que o maior controle sobre a banca expurgará os múltiplos do crédito com os quais um largo naco da riqueza real (pontes, fábricas, empregos) era financiado.
Os gênios da Economia ainda não explicaram essa contradição.
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