Kissinger alerta que China não quer mais domínio do dólar, “um favor” aos EUA, segundo KrugmanLongo mergulho do dólar incomoda muita gente no mundo, e ainda mais pelo sentimento de impotênciaO longo mergulho do dólar desde março, seu último ponto máximo em relação às principais moedas transacionadas no mundo, como o euro e o iene, e também o real brasileiro e o renminbi chinês, incomoda muita gente, e incomoda ainda mais pelo sentimento de impotência.
A autorização arrancada pelo ministro Guido Mantega ao presidente Lula para contrariar o Banco Central e tributar com o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) as entradas de capitais direcionadas para ações e títulos de renda fixa à alíquota de 2%, equivalente a um Imposto de Renda de 25% (com a Selic a 8,75%), é como uma rolha tapando o furo na represa. O dólar vaza, e vai continuar vazando.
E se o governo cogitar coisas mais punks, tipo a centralização do câmbio, corre o risco de chamar uma crise que não é do Brasil, mas dos principais países, que só bufam, à véspera de sua sucessão.
É preciso atentar para o significado do compromisso dos EUA com o dólar forte, expresso por todos os secretários do Tesouro desde a primeira onda de desvalorização cambial no final dos anos 80, uma liturgia mantida pelo atual, Timothy Geithner. É para acreditar?
Como expressão de valor, tal compromisso equivale ao do dólar. Os EUA sempre jogaram o dólar para baixo quando precisaram. Ao bancar o compromisso, contudo, desafiam quem confronte a hegemonia de sua moeda como meio de pagamento global. É uma declaração de guerra.
O ambiente externo tende a isso, guerra cambial, com o governo de Barack Obama cada vez mais indicando que buscará o renascimento da economia americana pelas exportações, tecnologias alternativas ao petróleo e também, sem admitir, uma “pequena” inflação corretiva.
É o que mais apavora os países financiadores das imprudências dos EUA, vulgo déficits fiscais e comerciais acumulados desde os anos 70, e disparados pelo governo Bush a partir de 2001 com o corte de impostos e guerras.
China, Índia, Rússia, Brasil, os BRIC, além de Arábia Saudita, Alemanha e Japão, detentores das maiores reservas em títulos do Tesouro dos EUA, seriam os grandes perdedores.
Desapontamento chinêsO governo chinês, com US$ 2,2 trilhões de reservas (comparadas a pouco mais de US$ 232 bilhões do Brasil), dá sinais de ansiedade. De volta de Pequim, Henry Kissinger, o ex-secretário de Estado do governo Richard Nixon, manifestou em entrevista ao jornal francês Le Fígaro o sentimento chinês. Ele é respeitado e ouvido na China.
Com a autoridade de quem negociou com Mao Tse-tung a reabertura de relações diplomáticas dos EUA com a China, Kissinger disse que “a violência da crise e a irresponsabilidade dos grandes bancos desapontaram profundamente os chineses”.
“Eles nos tomavam antes da crise como pessoas sérias”, acrescentou. “Confiaram em nosso modelo e desejaram até mesmo imitá-lo.” Isso, diz, acabou de vez.
“Nada será como antes”A economia mundial, o real brasileiro dentro dela, depende dessa interação entre EUA e China. Kissinger está cético. Os líderes da China, segundo ele, gerenciaram a crise nos últimos dozes meses em cooperação com Washington, e continuarão a fazê-lo.
“Mas nada será como antes”, disse. “Está claro que os chineses não querem mais a dominação do dólar sobre a economia mundial. Eles ainda não têm a solução real, sabem que não depende só deles. Mas eles são um povo paciente, acostumado a aceitar desafios de longo prazo. Vão agir, como sempre, só muito gradualmente.”
Na verdade, os chineses não têm saída.
A contradição de LulaDas reservas chinesas, segundo o Standard Chartered Bank, muito próximo do governo chinês, dois terços, US$ 1,44 trilhão, estão aplicados em títulos dos EUA, sobretudo de dívida do Tesouro. O governo Obama deseja o renminbi valorizado para cortar o déficit bilateral entre EUA e China, exportando mais e importando menos.
Foi o que Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve, disse num tom polido em depoimento ao Senado - e “traduzido” com ironia pelo economista Paul Krugman em seu blog como sendo: “Ei, China, pare de acumular dólares! É tempo de valorizar sua moeda!”.
Se Krugman estiver certo, os juros de curto prazo nos EUA, na faixa de 0,25%, deveriam estar abaixo de 5% ou menos. Vai-se a isso com inflação.
E se a China reagir, desfazendo-se dos treasuries americanos? A resposta de Krugman: “Estariam nos fazendo um favor. Tim Geithner e Ben Bernanke deveriam enviar a eles um bilhete simpático dizendo thank-you”. E dane-se o euro, o iene, o real etc.
O real vale hoje mais que o dólar. Os EUA querem depreciá-lo, o governo Lula faz de tudo para valorizá-lo. Há muita contradição nessa guerra cambial.
Exportando desempregoOs EUA parecem preparar-se para exportar desemprego, como antes da crise exportavam inflação. Krugman é Nobel de Economia não por acaso. Ele matou a charada: deflação de ativos financeiros também chega à moeda.
As reservas em dólares valem menos do que supõem as relações cambiais correntes. As compras de dólares no Brasil ou na China são tentativas desesperadas para amenizar a desvalorização da riqueza.
Com baixa poupança nacional, gasto público crescente e déficit fiscal, o Brasil logo terá de optar entre mais consumo ou mais investimento, ambos na raiz da alta popularidade de Lula, ou um pouco de cada coisa. As duas coisas bombando, isso não dá.
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