Autor Tópico: Como reimaginar o socialismo?  (Lida 338 vezes)

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Offline Renato T

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Como reimaginar o socialismo?
« Online: 30 de Março de 2009, 10:57:34 »
Fonte: Agência Carta Maior
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esquerda dos EUA debate: como reimaginar o socialismo?

A revista The Nation promoveu um fórum intitulado "Reimaginando o socialismo", para debater a situação da esquerda no mundo e suas perspectivas diante da falência do neoliberalismo. A Carta Maior publica algumas das contribuições deste debate; artigos de Immanuel Wallerstein, Robert Pollin e Vijay Prashad, todos eles intelectuais e professores em universidades nos EUA. Com a eleição de Obama, a esquerda estadunidense vive um momento efervescente e promove um importante debate sobre a necessidade de reinventar o socialismo. O primeiro artigo é de Vijay Prashad, professor do Trinity College, que fala sobre como a esquerda não estava preparada para o colapso do neoliberalismo.

Vijay Prashad - The Nation

Sometimes he seems to sleep, but will not fail
In every age to rear up to defend
Each dying force of history to the end.
W.H. Auden, August 1936

Eu passei minha vida adulta inteira lutando para pôr o capitalismo de joelhos. Agora ele tropeça – e eu estou ansioso. Nos primeiros sessenta dias de 2009, 1,2 milhões de pessoas perderam seus empregos nos Estados Unidos, e os tremores dessa desordem financeira sacudiram as fundações de bilhões a mais ao redor do planeta. As coisas estão num caminho tão inglório que até o Banco Mundial teve de se liberar de suas obrigações neoliberais. Seu presidente Robert Zoellick, que já foi o capitão da globalização neoliberal na sua cabine de comando como Representante de [livre] Comércio Exterior dos EUA diz, agora, “Essa crise global precisa de uma solução global...Precisamos de investimentos em redes seguras, infraestrutura e em empresas pequenas e médias para criar empregos e impedir a agitação social e política”. O neoliberalismo está morto. Agora temos de entrar numa fase diferente: neo-keynesiana, talvez?

Eu estou ansioso. O neoliberalismo sucumbiu às suas próprias contradições. O domínio da finança, sempre uma casa vazia, finalmente se desfez. E, ainda, nós não estamos preparados. Mesmo com o levante da esquerda na América Latina, de um novo populismo vira-lata em Beirute, Bagdá, Teerã, Bangkok – os dragões da velha ordem permanecem no poder. Eles resistiram à crise econômica, mantendo sua autoridade legitimada. Eles fazem, com temeridade, essa ou aquela concessão (mesmo à idéia da nacionalização dos bancos), mas sabem muito bem que seus opositores estão irritados, ávidos, sem o tipo de fundação poderosa para lhes oprimir.

Idéias corretas nunca são suficientes; não se crê e põe em prática idéias pelo fato de elas serem corretas. Elas se tornam idéias de nosso tempo só quando são adotadas por aqueles que chegam a acreditar no nosso próprio poder, que usam-no para lutar por meio das instituições e para consolidar esse poder. Nós, representantes dos descamisados, temos pouco poder, mesmo com nossas pastas carregadas das melhores idéias.

No notável livro Monopoly Capital [O Capital Monopolista, publicado no Brasil pela Zahar], de 1996, Paul Sweezy e Pau Baran se perguntam por que a recuperação da Depressão dos anos 30 teve de esperar pela expansão maciça dos gastos do governo federal para a Segunda Guerra Mundial. O New Deal foi importante para conduzir um “salvamento” do que tinha sido quebrado pela Era de Ouro, mas era ele mesmo incapaz de ser um estímulo. Interesses poderosos se recusaram a permitir que o governo Roosevelt fizesse um movimento para aumentar o consumo e o investimento governamentais para além dos 15% do Produto Interno Bruto (era 14,5 % em 1938).

Esse teto não era uma barreira estritamente econômica, pois outras sociedades tinham condições de gastar acima desse limite sem seguir a trilha das pedrinhas amarelas da servidão. Era, antes, uma barreira política. Ensaiando esse argumento, John Bellamy Foster e Robert McChesney sustentaram recentemente que essa barreira não poderia ser quebrada “sem uma maciça, na verdade transformadora luta social, a despeito de uma administração relativamente progressista e da pior crise econômica desde a Grande Depressão...as forças que mantêm os gastos públicos domados são poderosas demais para serem afetadas por qualquer coisa, salvo um grande levante na sociedade”. Os Dragões, em outras palavras, devem ser acorrentados.

O chamamento à ação não é o bastante. Nós nos Estados Unidos temos de retrabalhar nossa cansada gramática política. Não mais messianismo, não mais a espera pelo “homem mágico” (como disse Ella Baker). Não mais pensamento alinhado, não nos exaurir mais com a ilusão de que deveríamos lutar como fragmentos e acreditar que nós “vencemos” uma fatia da fábrica social e precisamos defendê-la. Não mais confiar nos profissionais, nas organizações não-lucrativas, as fundações. Não mais reter a capacidade de trazer as pessoas comuns para um movimento extraordinário. Agora é o momento para nós estendermos nossos braços corajosamente e nos ligarmos uns aos outros através de uma perspectiva de lutas combinadas.

“Às vezes, quando você puxa algo para muito longe, ele se torna outra coisa”, explicou Fred Hampton em 1969. “Você já cozinhou algo por tanto tempo que ele se tornou outra coisa? Não é assim? É disso que estamos falando na política”. Reunir, formar, pressionar: as melhores idéias a respeito do que fazer são importantes, mas elas são insuficientes. Precisamos organizar nosso poder de tornar nossas idéias corretas.

Vijay Prashad é Professor de Estudos Internacionais e de História do Sul Asiático no Trinity College, em Hartford, Connecticut, EUA, onde ocupa a cadeira George e Martha Kellner. É autor de vários livros e reivindica orientação marxista. Autor do notório The Darker Nations: A People's History of the Third World (New Press, 2007) e co-fundador do Fórum dos Indianos de Esquerda (FOIL, na sua sigla em inglês), contribui com inúmeras publicações e sites ao redor do mundo. É também um crítico contumaz do nacionalismo cultural hindu, conhecido como Hindutva.

(*)
Às vezes ele parece dormir, mas não falhará
Em cada época, para se levantar e defender
Cada força agonizante da história ao seu fim.
W.H.Auden, 1936

Offline Renato T

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Re: Como reimaginar o socialismo?
« Resposta #1 Online: 30 de Março de 2009, 11:03:40 »
Fonte: Agência Carta Maior
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"Seja utópico: exija o que é realista"



Solidariedade, igualdade e liberdade têm sido sempre princípios fundamentais que animam a esquerda. É desde esses princípios que a esquerda construiu suas diversas perspectivas de uma verdadeira, democrática, igualitária ordem social, isto é, o único tipo de sociedade que merece ser chamada de “socialista”. Dado o colapso do neoliberalismo, a esquerda não deveria agora avançar em vista de um socialismo com carga total? O artigo é de Robert Pollin, professor de Política Econômica na Universidade de Massachussetts-Amrest.

Robert Pollin - The Nation

O capitalismo neoliberal – cujas características definidoras foram a ganância de Wall Street e a dominação dos grandes negócios sobre as políticas dos governos – está morto. Mas o que vem a seguir?

Solidariedade, igualdade e liberdade têm sido sempre princípios fundamentais que animam a esquerda. É desde esses princípios que a esquerda construiu suas diversas perspectivas de uma verdadeira, democrática, igualitária ordem social – i.e., o único tipo de sociedade que merece ser chamada de “socialista”. Dado o colapso do neoliberalismo, a esquerda não deveria agora avançar em vista de um socialismo com carga total?

Apesar de o socialismo ser desejável como uma visão de longo prazo de uma sociedade justa, é irrealista na minha opinião que ele venha a tomar forma hoje. O problema é que, neste estágio da história, nós não sabemos com o quê uma economia socialista pareceria, nem sabemos como nos mover da atual desintegração do neoliberalismo para algo aproximadamente socialista. O socialismo deveria ser visto como uma série de desafios e questões, à medida que pressionamos por uma agenda social para além da crise dos dias que correm. Esse tipo de coisa não deveria ser visto como um pacote óbvio de respostas prontas.

Isso se torna claro ao considerarmos o colapso do sistema financeiro. No curto prazo não há mais alternativas viáveis para que o governo assuma o controle dos bancos em falência. Mas a nacionalização dos bancos, por si só, nem é uma panacéia nem um avanço em direção ao socialismo. O fato de que o ex-presidente do Federal Reserve, Alan Greenspan agora apóia a nacionalização deveria ao menos refrear esse tipo de entusiasmo da esquerda. No longo prazo, um sistema financeiro nacionalizado apresenta problemas desencorajadores.

Realisticamente, um sistema como esse vai inevitavelmente fracassar e escândalos ligados ao “capitalismo amigo” - acordos privilegiados com negociantes não-financeiros. Além disso, empresas financeiras individuais, assim como todas as entidades de negócios, exigem micro-gerenciamento. O governo teria de criar um sistema de incentivos para os diretores dos bancos publicamente apropriados que iriam substituir pelo muito francamente vantajoso motivo que orienta os gerentes dos bancos privados. Se os gerentes dos bancos nacionalizados não estiverem comprometidos com a maximização dos lucros como sua performance deveria ser avaliada?

Resolver uma questão como essa exigiria anos de experimentação e ajustes finos. Nesse período, os pagadores de impostos iriam arcar com falências inevitáveis. Isso, por sua vez, poderia ser precisamente a coisa – talvez a única – que mudaria o alvo do ultraje público com o colapso do sistema financeiro de Wall Street para o interior das estruturas de governo.

Nessa conjuntura histórica é portanto preferível lutar por um novo marco regulatório do regime financeiro, com os bens dos principais bancos privados tomados como meios de promoção da estabilidade financeira e da canalização do crédito para áreas prioritárias, como as da moradia de baixo custo e economia e da economia verde.

Erguer a economia verde levanta preocupações similares. Precisamos parar com o consumo de combustíveis fósseis e interromper o aquecimento global nos próximos vinte a a trinta anos. Esse é um projeto sólido, e não será realizado se contar inteiramente com o setor público ou com o setor de organizações não-lucrativas da comunidade, ainda que valha a pena fazer assim. Antes, suas forças propulsoras principais serão os grandes incentivos governamentais aos negócios privados para lucrarem com investimentos em energia limpa, e para os mesmos interesses privados enfrentarem custos significativos ao produzir e vender combustíveis fósseis. O programa de estímulos de Obama é um grande passo inicial na direção correta, ao misturar investimentos públicos de larga escala – na casa dos 80 bilhões de dólares ao longo de dois anos – com incentivos ainda maiores a empresas privadas.

Um dos slogans mais estimulantes que emergiram do levante de 1968 na França foi “Seja Realista, Exija o Impossível”. Eu estou mais inclinado a adotar essa imagem no espelho como um guia para se movimentar em direção ao presente. Quer dizer, “Seja Utópico, Exija o que é Realista”.

Robert Pollin é economista norte-americano e professor de Política Econômica na Universidade de Massachussetts-Amrest, onde é fundador e co-diretor de seu Instituto de Pesquisa em Política Econômica

Texto publicado originalmente na The Nation, em 9 de março de 2009

Offline Renato T

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Re: Como reimaginar o socialismo?
« Resposta #2 Online: 30 de Março de 2009, 11:17:16 »
Fonte: Agência Carta Maior
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Separar questões ecônomicas da vida cultural é um erro imenso

Há muito que a esquerda tende a separar as assim chamadas questões econômicas sérias das políticas “meramente” culturais de identidade, gênero, raça e sexualidade. Esse é um erro imenso. Uma política de esquerda que abstraia questões “econômicas” da vida cultural não pode explicar ou mesmo falar a respeito de como o capitalismo realmente está vivo no dia-a-dia. Esse é um ponto que igrejas conservadoras, por exemplo, parecem entender muitíssimo melhor do que a maioria dos grupos de esquerda. A análise é de Lisa Duggan, da Universidade de Nova York.

Lisa Duggan - The Nation

A partir dessa crise do capitalismo global, algo novo emergirá: novos vocabulários, novas organizações, novas políticas. Mas a direção da mudança ainda não se sabe. Novas formas de oligarquias autoritárias, modos transformados de democracia participativa, o ressurgimento de nacionalismos xenofóbicos – tudo isso parece possível como resposta ao dramático desastre econômico. Na esquerda democrática, nós precisamos de duas coisas: em primeiro lugar, sermos carniceiros políticos, com o que quero dizer mobilização em torno do que já existe, prometendo formas de igualitarismo, pensamento cooperativo, trabalho e moradia. Em segundo, fazer as coisas acontecerem.

Assim como outros registraram neste fórum, se é para a esquerda sair desse pântano nós devemos prestar atenção à quantidade de questões cruciais e a seus desenvolvimentos: os movimentos sociais e, novidade, governos social-democratas radicais na América Latina, o pensamento coletivo e a organização coletiva no Fórum Social Mundial, os frutos da democracia direta refletidos em atividades locais, inclusive em fazendas cooperativas no interior dos EUA e aos centros alternativos de poder emergentes que podem produzir uma política econômica global multilateral e não imperial. Todos esses modelos são úteis para as práticas utópicas do pensamento e do planejamento. Eu gostaria de acrescentar à lista organizações gays, feministas e sexualmente dissidentes.

Há muito que a esquerda tende a separar as assim chamadas questões econômicas sérias das políticas “meramente” culturais de identidade, gênero, raça e sexualidade. Esse é um erro imenso. As pessoas vivem suas vidas econômicas nos espaços de intersecção de atividades íntimas e públicas – nos seus lares e vizinhanças, nos locais de trabalho e nos escritórios, no jogo, na cama ou nas ruas. Na vida cotidiana o econômico se mistura com o social e o cultural, assim como experiências de despejo e execução de hipotecas, desemprego, divórcio educação, ou de organização de movimentos sociais ocorrem no interior de uma dinâmica de transformações sociais complexas e sobrepostas.

Em tempo de crise econômica, muito do esforço de sobrevivência dá-se em economias familiares “privadas”, mediado por laços de parentesco e de estruturas empregatícias através das quais a carga de trabalho é desigualmente distribuída em termos de gênero e raça. Uma política de esquerda que abstraia questões “econômicas” da vida cultural não pode explicar ou mesmo falar a respeito de como o capitalismo realmente está vivo no dia-a-dia. Esse é um ponto que igrejas conservadoras, por exemplo, parecem entender muitíssimo melhor do que a maioria dos grupos de esquerda.

Um olhar atento para as atividades e publicações das organizações sexualmente dissidentes radicais locais pode ilustrar esse ponto. Na cidade de Nova York, por exemplo, o Projeto Audre Lorde (1) e o Queers for Economic Justice http://q4ej.org (2) e a FIERCE (Fabulous Independent Educated Radicals for Community Empowement) (3) produzem análises criativas de políticas públicas – como as da ALP a respeito das políticas de imigração e o projeto do Queers com a experiência e as políticas para os sem-teto e a crítica do FIERCE à privatização dos espaços públicos da cidade. Eles apresentam críticas econômicas amplas, mas também gastam muita energia imaginando diferente, no que concerne ao nexo da vida íntima com a pública. Como podemos viver sem um sistema binário rígido de gênero? Como podemos organizar lares e locais de trabalho para a acessibilidade universal? Como repensar a cidadania global para além do estado-nação racializado?

O modo como organizações como ALP, QEJ e FIERCE (e outras como elas ao redor do planeta) pensam, trabalham e agem oferece alternativas relevantes para todos. Começando pelas fontes históricas, inclusive o socialismo, o Pan-Africanismo, o Anarquismo, o anti-imperialismo do Terceiro Mundo, as mulheres feministas negras e a dissidência sexual, organizações como essas desenham novos modos de vida. Elas efetivamente praticam o que José Esteban Muñoz (no seu próximo livro, Cruising Utopia – Dirigindo a Utopia -, esboçada pelo filósofo marxista Ernest Bloch) chama de utopismo concreto e educado.

Se estamos para construir um novo mundo das cinzas do velho, precisamos imaginar e organizar diferentemente, das maneiras mais expansivas e inclusivas. O hábito da esquerda de ignorar os que estão nas margens sociais e culturais da política industrializada é uma pedra no meio do caminho para que algo novo aconteça, algo pelo quê valha a pena viver – para todos nós.

Lisa Duggan é professora de Análise Social e Cultural da Universidade de Nova York - NYU

Publicado originalmente na The Nation, em 17 de março de 2009

Tradução: Katarina Peixoto

NOTAS

(1) O ALP é uma organização de assim chamados “sexualmente dissidentes negros e latinos”. N.deT.

(2) O Queers pela Justiça Econômica é uma organização não-lucrativa voltada à justiça econômica com um recorte de gênero e sexualidade. N.deT.

(3) Os Radicais Fabulosos Independentes e Educados pelo Empoderamento Comunitário é um movimento de sexualmente dissidentes negros e jovens.

Offline Renato T

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Re: Como reimaginar o socialismo?
« Resposta #3 Online: 30 de Março de 2009, 11:19:37 »
Fonte: Agência Carta Maior
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Sigam o exemplo do Brasil, recomenda Immanuel Wallerstein

O MST poderia ser um bom exemplo para a esquerda estadunidense, se tivéssemos qualquer coisa comparável em termos de movimento social. Não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentar nos juntar e fazer o melhor que podemos para pressionar Obama como faz o MST, aberta, pública e pesadamente e, é claro, apoiando-o com entusiasmo quando o governo acerta. O que queremos de Obama não é transformação social. Tampouco ele pode oferecer-nos isso. Queremos medidas que venham a minimizar a dor e o sofrimento da maioria das pessoas agora. O artigo é de Immanuel Wallerstein.

Immanuel Wallerstein - The Nation

Parece haver duas ocasiões que exigem dois planos para a esquerda mundial, e em particular a estadunidense. A primeira ocasião é de curto prazo. O mundo está numa profunda depressão, que só vai piorar pelo menos no próximo ou em dois anos. O curto prazo imediato concerne ao desemprego que muita gente está enfrentando, o rebaixamento de salários e em muitos casos a perda das casas. Se os movimentos de esquerda não têm planos para esse cenário de curto prazo, eles não podem estabelecer uma conexão, em sentido algum, com a maior parte das pessoas.

A segunda ocasião é a crise estrutural do capitalismo como sistema mundial, que enfrenta, em minha opinião, sua extinção nos próximos vinte ou quarenta anos. Esse é o cenário no médio prazo. E se a esquerda não tem planos para o médio prazo, o que substituirá o capitalismo como sistema mundial será algo pior, provavelmente muito pior do que o terrível sistema que se tem vivido nos últimos cinco séculos.

As duas ocasiões exigem táticas diferentes, mas combinadas. Qual a nossa situação no curto prazo? Os Estados Unidos elegeram um presidente centrista, cujas inclinações estão um pouco à esquerda do centro. A esquerda ou a sua maior parte, votou nele por duas razões. A alternativa era pior, na verdade muito pior. Então votamos no menos mal. A segunda razão é que pensamos que a eleição de Obama poderia abrir espaço para movimentos sociais de esquerda.

O problema que a esquerda está enfrentando não é nada novo. Situações como essa acontecem como padrão. Roosevelt, em 1933, Attlee em 1945, Mitterand em 1981, Mandela em 1994, Lula em 2002 foram todos Obamas em seus momentos e lugares. E a lista poderia ser expandida infinitamente. O que faz a esquerda quando essas figuras “decepcionam”, como devem provavelmente todas fazê-lo, à medida que são todos centristas, mesmo se estão à esquerda do centro?

Em minha opinião, a única atitude sensata é aquela tomada pelo grande, poderoso e militante Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Brasil. O MST apoiou Lula em 2002 e, a despeito do não-cumprimento do que ele prometeu, eles o apoiaram na sua reeleição em 2006. E fizeram isso com plena consciência das limitações de seu governo, porque a alternativa era claramente pior. O que eles também fizeram, contudo, foi manter a pressão nos encontros com o governo, denunciando-o publicamente quando fosse merecido e se organizando contra suas falhas.

O MST poderia ser um bom exemplo para a esquerda estadunidense, se tivéssemos qualquer coisa comparável em termos de um movimento social forte. Nós não temos, mas isso não deveria nos impedir de tentar nos juntar e fazer o melhor que podemos para pressionar Obama como faz o MST, aberta, pública e pesadamente – o tempo todo e é claro apoiando-o com entusiasmo quando o governo acerta. O que nós queremos de Obama não é transformação social. Tampouco ele quer, ou pode, oferecer-nos isso. Queremos dele medidas que venham a minimizar a dor e o sofrimento da maioria das pessoas agora. Isso ele pode fazer, e é aí que a pressão sobre ele pode fazer uma diferença.

O médio prazo é bastante diferente. E aqui Obama é irrelevante, assim como o são todos os outros governos à esquerda do centro. O que está em curso é a desintegração do capitalismo como sistema mundial, não porque ele não pode garantir o bem-estar da imensa maioria (ele nunca pôde isso), mas porque ele não pode mais assegurar que os capitalistas terão uma acumulação sem fim do capital como sua razão de ser.

Chegamos a um momento em que nem capitalistas de visão, nem seus oponentes (nós) estão tentando preservar o sistema. Estamos ambos tentando estabelecer um novo sistema, mas é claro que temos idéias muito diferentes, na verdade radicalmente opostas, quanto à natureza desse novo sistema.

Porque o sistema se moveu para muito longe do equilíbrio, tornou-se caótico. Estamos assistindo a flutuações selvagens nos indicadores econômicos usuais – os preços das commodities, o valor relativo das ações, os níveis reais das taxas de câmbio, a quantidade de itens produzidos e comercializados. À medida que ninguém realmente sabe, praticamente de um dia para o outro, onde esses indicadores vão parar, ninguém pode razoavelmente planejar coisa alguma.

Numa situação dessas, ninguém sabe quais medidas serão melhores, qualquer que seja sua política. Essa própria confusão intelectual prática leva a demagogias frenéticas de todos os tipos. O sistema está se bifurcando, o que significa que em vinte ou quarenta anos haverá algum novo sistema, que criará ordem a partir do caos. Mas nós não sabemos que sistema será esse.

O que nós podemos fazer? Antes de qualquer coisa, devemos ter clareza a respeito do que se trata essa batalha. Esta é a batalha entre o espírito de Davos (por um novo sistema que não é o capitalismo, mas é apesar disso hierárquico, explorador e polarizador) e o espírito de Porto Alegre (um novo sistema que é relativamente democrático e relativamente igualitário).

Nenhum mal menor aqui. É uma coisa ou outra.

O que deve a esquerda fazer? Promover a clareza intelectual a respeito da escolha fundamental. Então, organizar-se em milhares de níveis e em milhares de maneiras para empurrar as coisas para a direção correta. A principal coisa a fazer é encorajar a "descommoditificação" de tudo o que pudermos "descommoditificar". A segundo é experimentar todos os tipos de novas estruturas que faça um sentido melhor de justiça global e sanidade ecológica. E a terceira coisa que devemos fazer é encorajar o otimismo sóbrio. A vitória está longe de ser certa. Mas é possível.

Então, para resumir: trabalhar no curto prazo para minimizar a dor, e no médio prazo para assegurar que o novo sistema que emergirá será um melhor, e não um pior. Mas fazer este trabalho sem triunfalismo, e sabendo que a luta será tremendamente difiícil.

Publicado originalmente na The Nation, em 4 de março de 2009

Tradução: Katarina Peixoto

 

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