G20 anuncia US$ 1,1 trilhão contra a recessão e algemas no sistema financeiro globalPacote ajuda, mas não resolve a crise. É o máximo que um grupo heterogêneo de países poderia fazerA grande síntese do encontro dos líderes das maiores economias do mundo em Londres foi como coração de mãe: abrigou todos os pleitos que dividiam os governantes e pôs na mesa dinheiro grosso, US$ 1,1 trilhão, para “restaurar o crédito, o crescimento e os empregos na economia mundial”, segundo o comunicado oficial. Nada ficou fora.
O consenso contemplou mais canga nos bancos, fundos de
hedge, as agências de classificação de risco e os paraísos fiscais, o pleito do francês Nicolas Sarkozy e da alemã Ângela Merkel. Mas também o compromisso de reforçar o funding do FMI e Banco Mundial – um meio termo ao ativismo fiscal defendido pelo presidente dos EUA, Barack Obama, e pelos primeiros-ministros da Inglaterra, Gordon Brown, e do Japão, Taro Aso. A proposta desagradava França e Alemanha.
O esforço para transparecer unidade onde há enormes diferenças, que não foram superadas - permanecem como um dado oculto da nova “harmonia global”, tipo casamento mantido por conveniência -, foi a tônica da declaração final em inglês, com sete páginas e 3.057 palavras. Nela houve espaço até para uma manifestação de princípio cara aos ativistas antiglobalização que encheram as redondezas do encontro em Londres com protestos violentos: a promessa de que a recuperação será “sustentável, verde e inclusiva”.
No fim, num sinal de segurança e descontração diante da crise dos líderes do G20, o grupo dos 20 países que formam a nova governança global, o presidente dos EUA, Barack Obama, fez graça com o colega brasileiro. Na fila dos cumprimentos, ao lado do primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, Obama soltou, dirigindo-se ao presidente Lula: “Adoro este cara, o político mais popular da terra. É porque ele é boa pinta”. Agora é que Lula vai ficar in-su-por-tá-vel.
Mas não só ele. Sarkozy bateu pé, disse que abandonaria a cúpula, se não fossem tomadas medidas fortes para policiar os mercados, a fim de prevenir futuras crises, e dar um chega pra lá nos paraísos fiscais. Nada disso é relevante para a solução da crise. Mas ele e Merkel viram a oportunidade de dar um basta às perdas fiscais dos dinheiros desviados para países que fizeram do sigilo bancário um grande negócio, como Suíça e Luxemburgo. Foram atendidos.
O diabo nos detalhes Em troca, desistiram da pedra no sapato de Obama: a idéia de uma governança supranacional dos sistemas bancários soberanos. Criou-se um Conselho de Estabilidade Financeira, FSB da sigla em inglês, substituindo o Fórum já existente, mas com maior abrangência sobre as operações financeiras globais, operando em sintonia com o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Não se falou do BIS, o consórcio de bancos centrais baseado em Basiléia, Suíça, que define os padrões de risco do sistema bancário. Muitas questões ficaram em aberto.
Há previsão de regramento forte dos bônus pagos aos executivos de bancos para desencorajar a tomada de riscos excessivos, mas não se aclarou como conciliar tal ação com as regras bancárias nacionais.
O dinheiro anticrise Tais temas renderão assunto na mídia, mostrando os governos duros com os banqueiros e especuladores. Em toda parte há revolta contra os resgates bilionários de bancos, enquanto cresce o desemprego.
Contra a crise, porém, só o que conta são os pacotes fiscais - e eles foram reservados ao FMI, Banco Mundial e agências regionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento, destinatários do aporte de US$ 1,1 trilhão vindos de contribuições dos EUA, Japão e países europeus. A China promete aderir, desde que seja ampliada sua influência nestas instituições, a condição também do Brasil.
O grosso do dinheiro, cerca de US$ 750 bilhões, fluirá pelo FMI em apoio a países encalacrados em suas contas externas, como os do Leste Europeu, e os mais pobres, excluídos das operações normais de mercado. O financiamento do comércio exterior terá outros US$ 250 bilhões, canalizados através dos bancos multilaterais. Não se especificou como a banca repassará tais recursos aos exportadores.
G20 fez o que podia O pacote do G20 está longe de sepultar a recessão tão logo comece a ser operado. Não é o “ponto de inflexão” da crise, como declarou Obama. É o máximo que um grupo heterogêneo de países poderia fazer - e neste sentido superou a expectativa.
Já a superação da crise é função das políticas nacionais de cada país e de um acordo que EUA e China terão de encontrar sozinhos, pois são ao mesmo tempo causa e solução de boa parte da crise. O G20 fez o que podia.
Mas a crise continua Não é desprezível o consenso alcançado, que poderá desdobrar-se à frente com a retomada da chamada Rodada Doha, que persegue a queda do protecionismo que constrange o comércio entre países. A nota do G20 não omitiu esse compromisso.
Cúpulas como a de Londres tornam o mundo mais seguro. Mas tirar a economia do atoleiro exige mais, começando por um diagnóstico consensual sobre o que a provocou – o primeiro passo para a solução do problema. Esse consenso não há.
Com bancos insolventes e o desbalanceamento entre os EUA deficitários e sustentados pelos superávits de alguns poucos, sobretudo China, Japão e Alemanha, a crise não acaba. E, se amainar, ressurgirá adiante muito pior.
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Cúpula foi para ganhar tempo. Agora a batata está com Obama e os aliados e rivais dos EUADéficit americano vai a 12% do PIB este ano, um buraco que a China sinaliza não querer mais financiarA cúpula dos chefes de governo dos países que representam 85% da economia global agrupados no novo diretório do mundo, o Grupo dos 20, G20, avançou mais do que até os analistas otimistas esperavam e foi menos do que se ufanou o anfitrião do encontro, em Londres, o primeiro-ministro inglês Gordon Brown: o nascimento de uma “nova ordem econômica mundial”. O presidente Lula também se impressionou com os resultados, assim como Barack Obama, estreante no fórum.
Um mergulho nas decisões do G20, porém, tanto avaliza o otimismo como a desconfiança. A geopolítica do mundo pode mudar depois da cúpula, mas não por causa dela. Ela já vinha mudando no vácuo da perda de prestígio dos EUA devido à desastrosa política externa do governo Bush. A débâcle econômica só fez acentuar o isolamento.
Quanto disso é definitivo não se sabe. Os ressentimentos entre os antigos aliados dos EUA na Europa são enormes, sequelas da decisão unilateral de Bush de invadir o Iraque e arrastar os europeus, sob a capa das Nações Unidas (ONU), ao Afeganistão. Com a China, maior financiador dos déficits dos EUA, juntamente com Japão e Alemanha, a relação é de suspeição permanente. A contraface da crise está ai – nas relações políticas desdenhadas pelos EUA da era Bush.
Obama veio a Londres como escala de um circuito pela Europa mais amplo que a pauta do G20, tratando o momento como crítico para as questões não só econômicas, mas políticas e militares. Sua missão é avaliar o estrago e reconstruir alianças. Tão importantes quanto as decisões do G20 foram seus encontros à margem da cúpula com os presidentes da China, Hu Jiabao, e da Rússia, Dmitri Medvedev.
A análise desses minuetos de Obama sugere que é com eles que se orquestra a solução de fundo contra a recessão global, e cada vez mais com pinta de depressão. A cúpula do G20, nesta perspectiva, foi o meio-caminho para ganhar tempo, aliviar as conseqüências da crise para as economias mais fracas e dar uma satisfação ao mundo.
Com a China, estabeleceu o que é chamado de G2, o grupo bilateral efetivamente capaz de ordenar os desbalanceamentos econômicos no mundo e organizar a saída da crise. Ele aceitou convite para ir a Pequim no segundo semestre e combinou um encontro técnico antes do final do ano para evoluir a relação econômica.
Também concordou em ir a Moscou. A expectativa é que desanuviem as suspeitas russas e se avance um acordo de redução do arsenal nuclear até dezembro.
As razões de Obama Na raiz desses encontros as razões políticas vêm à frente. Obama espera colaboração da diplomacia chinesa e russa para encaminhar conflitos espinhosos aos EUA: Irã, Coréia do Norte, Oriente Médio. Mas o pano de fundo é econômico.
O orçamento militar é, isolado, o maior item de gastos fiscais dos EUA. Se não for reduzido, diante do que foi gasto e ainda se gastará para sanear a banca e retomar as engrenagens da economia, o Tesouro dos EUA dependerá cada vez mais da China e outros países superavitários, alguns hostis, como os produtores de petróleo, para fechar a conta.
Na linha do tiro Nenhum deles está satisfeito com isso e temem o colapso do dólar. Vem daí as demandas da China e Rússia por uma moeda alternativa ao dólar. Por ora são só idéias. Ninguém batalhou por elas na reunião do G20. Mas o aviso está dado.
A resposta de Obama passa por algo complicado: enfrentar o lobby militar e buscar apoio no Congresso para rever o orçamento do setor para 2010. Uma distensão nas zonas de conflito facilita a tarefa. E também o expõe à linha de tiro...
Missão é solitária O que se cobra dos EUA é um plano crível sobre o que farão com as suas finanças. Devido ao que o país já sacou contra a crise e mais vai sacar, excluindo as injeções de liquidez do Federal Reserve, o déficit fiscal saltou de 2,9% do PIB em 2007 para 6,4% em 2008. E este ano está estimado em 12% - o buraco que os chineses sinalizam não querer mais financiar.
As reservas de divisas da China passam de US$ 2 trilhões, dos quais, segundo o economista Brad Setzer, do Council on Foreign Relations, dois terços estão aplicados nos EUA.
O tempo para Obama é curto. De Londres foi a Estrasburgo, França, para a cúpula de 28 membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte - a oportunidade para se aproximar da Europa, em especial da Alemanha, motor da União Européia e relutante em compartilhar com os EUA os ônus da política externa e da retomada global.
Obama vai ter de suar a camisa. E pior é que ele está sozinho, não há outro nessa missão.
Caminhos da Europa Se Obama fracassar nas investidas externas, terá de contar só com a força abalada da economia americana para tirá-la da crise, o que envolve um risco enorme, pois implica inflação e o dólar afundar.
EUA e União Européia, além de velhos aliados, totalizam metade da economia global. Como eles podem interagir e cooperar, portanto, é matéria de “significância global”, diz George Friedman, analista de geoestratégia da Stratfor.
Bush, diz Friedman, demandava muito da Europa e a ouvia pouco, o que a afastou dos EUA. Obama ouvirá muito, mas quer, segundo ele, “mais assistência” aos EUA. Ou isso ou o ajuste selvagem. O G20 por si só não dá conta do enrosco.
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