01/04/2009
No coração das trevas - Parte 2 - MÁQUINA DO TEMPO [Artigos]
Claudio Mafra
Para meu alívio, chegaram os guias, um homem e uma mulher bonita, muito sorridentes, provavelmente satisfeitos por haverem cumprido sua primeira tarefa, que é a de haver me deixado nervoso. É a técnica que usam. Tudo acontece no último momento, no limite. Nosso carro é um luxuoso Nissan 4×4, e parece que os guias estão impressionados por eu ter vindo sozinho, o que tornou a viagem muito mais cara. Estou sendo tratado como um VIP. Saímos do aeroporto em direção a Pyongyang, e nesses primeiros momentos recebo instruções sobre o comportamento de um turista: não posso ir a lugar nenhum sem que pelo menos um dos dois esteja comigo; só posso fotografar estando fora do carro e com a permissão deles; não posso me dirigir a ninguém na rua. As primeiras perguntas que me fazem, por mais comuns que sejam, sempre causam desconforto, porque estes não são guias comuns. Tenho que ser cauteloso com o que digo.
Enquanto vamos conversando, a caminho do hotel, os guias recebem o meu apoio incondicional para tudo que digam a respeito de assuntos políticos. Longe de mim cometer a insensatez de discordar. Eles não perdem tempo e expõem a tese que seria martelada incansavelmente durante toda minha viagem: a Coreia do Norte é uma democracia governada pelos trabalhadores, um país pacífico, que o imperialismo americano quer destruir. O ponto central de suas vidas é a espera da inevitável guerra onde derrotarão os Estados Unidos e o governo fantoche da Coreia do Sul, conseguindo desta maneira a reunificação das duas Coreias sob um governo comunista. Sentem-se ultrajados com o país dividido. Em tudo o que dizem conseguem colocar um parêntesis onde tecem louvores a Kim Il-sung, o Grande Líder, e antigo ditador, e ao seu filho Kim Jong-il, o Querido Lider, e atual ditador. É uma ladainha interminável e, nesses primeiros momentos, se não se prestar muita atenção fica-se perdido entre os dois nomes e tantos elogios qualificativos, tornando-se difícil descobrir de qual dos dois eles estão falando.
Kim Il-sung foi o introdutor do comunismo na Coreia do Norte e ficou no poder desde 1948 até sua morte, em 1994. Quando Stalin caiu em desgraça na União Soviética, em 1956, sendo denunciado como criminoso, e suas estátuas foram destruídas em todo o mundo comunista, o ditador norte-coreano se recusou a aceitar os novos padrões ditados pelo governo soviético. O país continuou sua trajetória stalinista até os dias de hoje, transformando-se em um raríssimo anacronismo, fascinante para os scholars tal qual seria uma ilha de dinossauros para paleontólogos. Eu acredito que em pouco tempo este regime vai desaparecer, portanto não posso perder essa oportunidade única. É extraordinário poder voltar até os tempos da Rússia de Stalin, simplesmente pegando um avião, ao invés de uma máquina do tempo.
Além de ser O Grande Líder, Kim Il-sung também é conhecido como “O Sol Vermelho dos Povos Oprimidos”, “O Sempre Vitorioso Brilhante Comandante”, “O Sol da Humanidade”, “O Sol da Nação”. Depois de sua morte tornou-se “O Eterno Presidente”. Seu aniversário, em 15 de abril, é o dia de Natal da Coreia do Norte. Nos bottons, obrigatoriamente usados por todos os norte-coreanos que entram em contato com estrangeiros, é a sua cara que aparece, ao invés da bandeira nacional. A “Canção do General Kim Il-sung” é mais importante do que o hino nacional. Parece que esse personagem de realismo fantástico, embora morto, continua a gozar de boa saúde, porque ele assina os vistos norte-coreanos, isto é, seu nome está abaixo da linha onde alguém faz alguns rabiscos. Seu nome também está em muitos outros documentos, porque Kim Il-sung ainda é oficialmente o chefe de Estado da Coreia do Norte. Impossível esquecê-lo. Um homem que podia controlar o tempo, fazendo o sol brilhar, ou as chuvas chegarem. O governo da Coreia do Norte é também uma religião.
Kim Jong-iL, o Querido Líder, está vivíssimo e, ao contrário do pai, que preferia se manter na obscuridade para o mundo exterior, tornou-se figurinha fácil no noticiário da televisão em virtude do programa nuclear norte-coreano. Ele também pode ser chamado de “O Grande General”, (muito usado pela minha guia), ou “Querido General”, “Centro do Partido”, “Respeitado Líder”, “Supremo Comandante”, “Pai do Povo”, “Extraordinário Estrategista Militar”, “Líder de Aço”, “Pai da Nação”, “Líder do Povo”, “Nosso Pai”, “Nosso General”, “Líder do Século Vinte e Um”, “Sol do Século Vinte e Um”, “Glorioso Sol do Século Vinte e Um”, e mais alguns outros nomes modestos. Para quem acha bizarro é bom lembrar que Stalin, reverenciado por famosos intelectuais de esquerda no Ocidente, também era chamado de “Farol da Humanidade”, “Pai”, “Paizinho”, “Professor”, “Grande Líder do Povo Soviético”, “Herdeiro da Causa de Lênin”, “Criador da Constituição de Stalin”, “Transformador da Natureza”, “Grande Timoneiro”, “Grande Estrategista da Revolução”, “Gênio da Humanidade”, o “Maior Gênio de Todos os Tempos e Povos”.
Quando o nosso carro passa ao lado de um grande arco do triunfo pergunto se posso fotografar. Claro que posso. É justamente o que esperam que eu faça. Belas fotos de tudo que tenha aparência de prosperidade. Enquanto caminho, procurando pelos melhores ângulos, não posso deixar de reparar que os guias se mantêm muito alertas, olhando para todos os lados. Eles me dizem, com razão, que o arco é ainda maior do que o de Paris, e que foi construído no lugar onde o Grande Líder fez o seu discurso quando a Coreia se libertou do domínio japonês, depois da Segunda Guerra Mundial.
Pyongyang é uma cidade bonita, com grandes praças, jardins, e alguns edifícios, que no conjunto dão uma forte impressão de monumentalidade. Essa arquitetura de imensos espaços tem a função de ser um palco para as paradas militares e demonstrações artísticas em homenagem a Kim Il-sung, e a Kim Jong-il. Exatamente como eu havia percebido pela janela do avião, são poucos os carros circulando, não existe nenhum comércio e o silêncio é perturbador. Ninguém fala em voz alta, mas, longe de ser educação, é medo.
Fico hospedado no Hotel Yanggakdo, o melhor de Pyongyang, que ostenta a cotação bastante generosa de ser um cinco estrelas. Os dois guias começam a se revezar, e apenas o rapaz me leva para jantar. (Vou chamá-lo de Kong, e a moça de Hona.) A escuridão nas ruas é completa. Se na capital é assim, é fácil imaginar o interior do país. Feéricamente iluminada está a imensa torre com sua tocha vermelha, símbolo da eternidade do Partido Comunista, construída em 1982, deliberadamente um metro maior do que o Monumento a Washington, e com 22 mil blocos de granito branco, cada um para o número de dias que o Grande Líder vivera até aquela data. Acho que é o momento certo para ensaiar uma conversa inocente sobre fontes de energia, e menciono a perigosa palavra nuclear. Kong não responde, ficou mudo, ainda não é hora para essas liberdades, e ele espera que eu entenda as regras do jogo e não faça nada que possa comprometê-lo. Após um breve constrangimento, o assunto já é a excelência do restaurante para onde estamos indo. O lugar é bem modesto, fuma-se muito, e as pessoas em outras mesas só olham para mim no momento em que entramos. Esta seria a única vez em que eu comeria em público. Durante toda a viagem eu ficaria sozinho em alguma sala, sendo servido com grande deferência e o elegante ritual que só se encontra no oriente. Neste momento outras pessoas também estão em nossa mesa, e se divertem me ensinando como pescar o ovo frito que consegue boiar em cima de alguma coisa que não consegui identificar. Provavelmente também eram guias, já que os norte-coreanos comuns são proibidos de se dirigirem aos estrangeiros.
No outro dia, no café da manhã, depois de me cumprimentar, Hona pergunta por que eu havia me levantado três vezes durante a noite. A esta crua declaração de que sou vigiado dentro do meu quarto, respondi, com uma naturalidade estudada, que sinto sede de noite. Não deixei de ficar com um pouco de vergonha porque teriam visto a minha mala abarrotada de biscoitos, maçãs, toddynhos, latas de atum, sardinhas, e cigarros ocidentais. Tudo isto por conta da recomendação da agência de turismo de Pequim, que por experiência sabe que muitos turistas rejeitam a comida norte-coreana. Os cigarros são para dar aos soldados na fronteira, em outra etapa da viagem.
Saímos do hotel e vamos para o belo parque Chilgol, onde está a réplica da choupana onde supostamente nasceu o Grande Líder. Um bando de escolares escuta suas professoras, visivelmente nervosas com a proximidade dos guias. Neste país todo mundo vigia todo mundo. Em seguida, caminhando para a Praça Kim Il-sung, eu posso ver ao longe uma menina que vem descendo a rua sozinha, e quando se aproxima é notável como está bem vestida. Chamaria atenção em qualquer lugar do mundo. Quando paramos para que eu a fotografasse, ela faz uma profunda reverência, graciosa, curiosamente séria. Depois segue seu caminho, no mesmo ritmo. Surpreso, pergunto para a guia o que ela estaria fazendo ali, tão pequena, sem ninguém ao lado. Recebo uma resposta sem sentido. Mais tarde, com a experiência que fui adquirindo, eu saberia que provavelmente foi plantada no meu caminho. É assim que funciona.
O Grande Líder construiu estátuas dele mesmo em todos os lugares da Coreia. A maior delas está em Pyongyang. São vinte metros de altura, feita de bronze e pintada de ouro. Cheguei perto do monstrengo e depositei flores. Afastei-me andando de costas, parei, curvei a cabeça em sinal de respeito, e, quase que militarmente, me virei, caminhando em direção à Hona, que me recebeu com um enorme sorriso. Eu sou o turista sonho dos guias. Dali mesmo, da praça Kim Il-sung, eu posso ver a Universidade Kim Il-sung e o Estádio Kim Il-sung. Nada de usar os nomes de Marx, Lênin ou Stalin. Vai tudo mesmo para o Sol Vermelho do Povo Oprimido.
Andando pelas margens do Daedong, o bonito rio que divide Pyongyang, fotografo alguns pescadores. Nenhum deles olha para mim. É o medo de cometer algum erro, que provavelmente nem sabem qual seria. Quando vejo uma velhinha andando em farrapos, a imagem do desamparo, não resisto à tentação e tiro a foto, fingindo não ouvir o grito de NO! dado por Kong, distante uns cinquenta metros. Ele grita outra vez, e eu faço um sinal de que não havia ouvido. Disfarço e vou em frente, fotografando outras coisas. Quando, afinal, nos encontramos, vejo que está sendo advertido por um homem saído do nada. Nem consigo ver o rosto do novo personagem e ele já foi embora. O guia está muito sério. Eu vou ter que lhe entregar o filme. Fico nervoso, não sei se o episódio vai terminar desta maneira tão simples, e além do mais ele já está no bolso, misturado com outros. Kong me diz que se a foto não estiver naquele que eu escolhi para lhe entregar vão me confiscar todos eles. O quê? Só isso? Até que está barato. Pensei que fossem me despachar para Pequim, ou ser interrogado. De tarde fico sabendo que dei sorte e acharam a foto da velhinha.
Agora vão me mostrar duas estações do metrô de Pyongyang que seriam verdadeiras obras de arte. As escadas rolantes não param de nos levar cada vez mais para o fundo da terra, fico impressionado, e o guia confirma, orgulhoso, que o metrô é também um abrigo nuclear com 100 metros de profundidade. Quando finalmente chegamos, eu posso ver que as estações são uma tentativa canhestra de repetir aquelas que foram construídas por Stalin, em Moscou, famosas pela beleza. Aqui é tudo feio, de mau gosto, kitsch. O Presidente Eterno não poderia faltar na decoração, e lá está ele, feito de pastilhas coloridas, caminhando junto com seu povo eufórico com tanta felicidade.
O erro desse programa foi entrarmos em um vagão para irmos de uma estação para outra. Pude ver as pessoas, amontoadas, encolhidas, muito magras, as roupas escuras, os rostos com expressão de medo, os olhos voltados para o chão. Os zumbis norte-coreanos. Fico chocado com a cena e espantado com a insensibilidade de Kong. Ele continua rindo e conversando comigo, não se dando conta de que era exatamente a imagem que não poderia ser mostrada.
No imenso Palácio para Estudantes e Crianças de Pyongyang, sou levado para ver meninas que estudam música, ballet, acrobacia, bordado. Todas com um sorriso tão ensaiado que vai se tornando alguma coisa insuportável, na medida em que as portas das salas de aula vão sendo abertas. Mas, o que é perversidade, e eu custei um pouco a perceber, é que as suas faces não expressam simplesmente uma gentileza forçada para o visitante que chega. Isso é comum, nós conhecemos. O que acontece é que as meninas fingem que não me viram entrar. Os sorrisos significam que elas estão em permanente estado de graça e nem percebem quando a porta é aberta e alguém começa a rodopiar pela sala, com uma câmera enorme. Não há como evitar o sentimento de vergonha por estar sendo instrumento de uma farsa, desta vez envolvendo as pobres crianças.
No auditório assistimos a um espetáculo com a fina flor dos estudantes. Até que é bom, mas os onipresentes, Grande Líder e Querido Líder, não param de mostrar suas caras em slides projetados no fundo e dos lados do palco. A guia me explica que as canções são apologias sobre o Grande Líder e aproveita para perguntar se estou percebendo como as crianças estão alegres. Claro que estou. Todas elas estão com a famosa felicidade dos que vivem no paraíso norte-coreano.
Na platéia, um grupo chama a atenção. São dezenas de meninos, entre seus dez e 13 anos de idade, uniformizados, cabeças raspadas, maneiras arrogantes, expressão debochada. Olham para mim de alto a baixo, com a maior segurança. São os pequenos guerreiros, cadetes da escola militar. A elite da elite. Em toda a viagem foi o momento de maior orgulho de minha guia. Ela aponta para os garotos e me diz que os americanos e os sul-coreanos têm medo deles. Concordo, desta vez com toda sinceridade. O exército norte-coreano é o quinto do mundo. Mais de um milhão de soldados estão em pé de guerra, e mais de seis milhões podem ser convocados imediatamente. O serviço militar obrigatório é de dez anos para o homem e de sete anos para a mulher. O regime gasta mais de cinco bilhões de dólares por ano na sua defesa, incríveis 32% do PIB. Um pequeno país de 23 milhões de habitantes que é o mais militarizado do mundo.
Agora vamos para Myohyang, região de montanhas. O jipe desliza veloz pela estrada, sempre deserta. À medida que vamos subindo, cresce o humor dentro do carro e Kong inicia uma sessão de piadas. Logo elas se tornam pesadas, e depois da tradução até o chofer está rindo. Nesse momento a moça diz que eu sou muito inteligente para ser um turista. Finjo que não prestei atenção, continuo brincando, mas não gostei nada. O que ela quis dizer com isso? Que os turistas são burros, ou que eu não sou turista? Desde o início da viagem essa fanática está tentando me pegar em alguma contradição. Que os dois são diferentes, eu não tenho dúvida. Ela é muito mais aplicada no seu papel de espiã. O rapaz me parece mais seguro, e houve um dia em que simplesmente me contou que estava tranquilo porque eu havia sido investigado. Ótimo.
Chegamos ao templo budista Pohyon, onde querem me mostrar que existe liberdade de religião. Lá está o monge de plantão fingindo que é feliz. É patético vê-lo juntando as mãos enquanto se curva para mim. Neste lugar, o enredo é mal elaborado, não engana ninguém, e eu acho que não é à toa que, nas coisas mais ridículas, Kong caia fora e deixe a tarefa para Hona. Depois de também cumprir o meu papel, começo a fotografar os belos jardins do templo, mas a minha Querida Guia resolve me dizer que tudo o que estou vendo foi bombardeado pelos americanos na guerra da Coréia, em 1951. Faz um pequeno discurso sobre a maldade do inimigo e a coragem dos norte-coreanos. A mocinha é realmente beligerante.
A próxima etapa é uma visita ao Palácio da Exibição da Amizade Internacional. Desta vez sou recebido por uma mulher linda, vestida com um luxuoso traje típico norte-coreano. É uma pena que esteja desperdiçada aqui, neste fim do mundo. Deixo de olhar para ela e quase caio de costas quando se abre uma porta e vejo nada mais, nada menos, do que o Querido Líder! Sim, lá está ele, altíssimo, sentado em um trono, do mesmo jeito que um faraó, uma estátua enorme, todo o ambiente decorado em rosa-choque, azul-bebê, e outras cores berrantes em papel crepom vermelho. Um delírio kitsch. O grotesco absoluto. A loucura total. É um choque difícil de ser controlado. Em qualquer lugar do mundo saberiam que é espanto, e não admiração, mas aqui, eu só vejo orgulho nos olhos das duas mulheres que me observam. Isto é muito mais do que qualquer coisa que Stalin, O Farol da Humanidade, possa ter imaginado, porque embora tenha criado o “culto da personalidade”, ele tinha senso do ridículo, e não fez os russos pensarem que era um deus. Se eu fosse escolher só uma coisa para dizer o que é a Coreia do Norte, seria esta sala. Fico imaginando o comportamento dos verdadeiros turistas que passam por este teste de autocontrole. Fingindo respeito pelo lugar, apenas sussurro para elas que estou muito impressionado. Outra porta se abre, e desta vez é o Grande Líder, de pé, cercado de flores, um céu muito azul por cima de sua cabeça, uma paisagem bucólica, uma estátua de cera feita pelos chineses. É muito menor do que a outra, perde longe para seu filho, o “Grande General”, e por não ser mais surpresa não tem graça.
O Palácio da Exibição Internacional da Amizade foi construído para mostrar aos presentes que o Grande Líder e o Querido Líder ganharam de outros países. São longos corredores só de tapetes, quadros, jóias, vasos, esculturas, e peças típicas de cada lugar. Começo vendo os do Grande Líder. Com exceção dos que vieram da China e Rússia, é difícil encontrar alguma coisa que tenha a qualidade que se espera para que sejam oferecidas a um chefe de estado. Na verdade é um monte de quinquilharias empilhadas nas vitrines, e parece que ninguém levou a sério esse negócio de presentear ditadores malucos escondidos em um país que pertence a outra galáxia. Provavelmente a maioria dessas coisas jamais veio de lugar algum, muitos nomes de países estão escritos de maneira errada e o mais provável é que tenham sido fabricados na Coréia mesmo. Enquanto vamos andando, a guia me diz que de seis em seis meses todos os presentes são trocados, e se eu ficasse um minuto admirando cada um, iria levar um ano e meio para terminar. É uma ótima desculpa para acelerar o passo e acabar logo com isso. Infelizmente me esqueci de perguntar pelo presente brasileiro. Será que existe alguma estátua do Pelé, perdida no meio da bagunça?
Em outra ala do palácio estão os presentes do “Líder do Século Vinte e Um”. A mesma coisa, só que a qualidade baixou ainda mais. Para bajular e conseguir favores é possível ver tanto um feiíssimo carro de luxo, oferecido pela Hyunday, quanto um inacreditável micro-ondas! A visita aos presentes terminou, e com notável ingenuidade a moça me pergunta se eu conheço outro lugar com coisas tão lindas. Meio sem jeito digo que, talvez, o Vaticano. Afinal, não posso ficar concordando com tudo. Antes de qualquer outro comentário, a luz se apaga. A escuridão é absoluta, porque não existem janelas. Fico paralisado, elas trocam algumas palavras e de repente sinto o levíssimo toque das suas mãos nas minhas, e assim vão me levando, bem devagar, com enorme delicadeza, até a saída. Um comportamento tão feminino só mesmo no Oriente.
Entro no carro e vou logo dizendo o quanto a mulher era bonita. A guia pergunta, um pouquinho depressa demais, um pouquinho alto demais, porque eu não disse isto para ela, já que era assim tão maravilhosa. Uma pequena cena de ciúmes no coração das trevas.
AMANHÃ, A ÚLTIMA PARTE
Fonte:
http://www.imil.org.br/artigos/no-coracao-das-trevas-parte-2-maquina-do-tempo/