Autor Tópico: Relato de viagem a Coréia do Norte  (Lida 4798 vezes)

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Rhyan

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Relato de viagem a Coréia do Norte
« Online: 31 de Março de 2009, 20:46:59 »
31/03/2009
No coração das trevas - Parte 1 - O PRIMEIRO CONTATO [Artigos]
Claudio Mafra

“Sua escuridão era impenetrável. Olhava para ele como olharia alguém que se encontra no fundo de um precipício onde o sol nunca brilha” (Joseph Conrad)

O Querido Líder, Kim Jong-il, parece que ficou gravemente doente e correu pelo mundo a notícia de que poderia morrer. Para decepção dos seus magérrimos generais, que já estavam preparados para atacar suas famosas adegas e armazéns de comidas importadas, ele se recuperou, e voltou com a corda toda. Agora, está ameaçando, iniciar uma guerra se interceptarem o foguete que ele mandou passar por cima do espaço aéreo japonês. O mentiroso Querido Líder diz que está testando o lançamento de um satélite e que se alguém derrubar o foguetaço será o fim dos tempos, um novo conflito que todos os coreanos, do Norte e do Sul, temem desde o armistício firmado em 1953. Ele é um grande jogador e o mundo ocidental nunca sabe se está blefando. As maiores apostas são que sim, que ele não se atreveria a enfrentar o formidável poderio americano, e chegar ao fim de seus dias sendo exibido como um espetacular troféu de guerra. Acontece que a pequena fração de dúvida é suficiente para grandes temores. Afinal, ninguém conhece os limites de sua loucura, e mesmo com uma ação militar combinada USA-Coréia do Sul, parece que ele faria enormes estragos, matando por volta de 60 mil sul-coreanos. Kim Jong-il também acena ameaçadoramente para seus vizinhos e para os Estados Unidos, com a possibilidade de fabricar a bomba atômica. As negociações para impedir que siga avante com seu programa nuclear arrastam-se há muitos anos, da mesma maneira como acontece com o Irã. A diferença nos dois casos é que, para Kim, a bomba é apenas uma maneira de conseguir chantagear o Ocidente e conseguir dinheiro para se sustentar no poder. O “Grande General” de fato não teria o que fazer com ela.

Em 2004, resolvi viajar para a Coréia do Norte, saindo de Pequim, na China. Escrevi um artigo para o jornal O Estado de São Paulo. O que se segue é a matéria completa, sem a edição feita pelo jornal.

No país mais fechado do mundo, o último que conserva o stalinismo em seu estado puro, é terminantemente proibida a entrada de jornalistas sem expressa autorização do governo. A única agência de turismo em contato com os norte-coreanos exige que a pessoa assine uma declaração afirmando não ser da imprensa e faz uma longa advertência sobre as consequências de uma mentira. Afastada essa hipótese, e sem querer me expor, pedindo uma permissão que certamente seria negada, decidi tentar diretamente a embaixada norte-coreana, onde meu plano era o de contar uma meia verdade, dizendo ser um funcionário público aposentado querendo fazer turismo.

A tensão começa quando o soldado chinês abre o portão da embaixada. Tecnicamente eu e a minha intérprete já estamos em território da Coréia do Norte e este é um país muito perigoso. Fomos levados para uma pequena sala onde o funcionário, fumando um cigarro atrás do outro, abre um sorriso quando nos apresentamos e faz a habitual introdução que é o grande trunfo dos brasileiros em qualquer lugar do mundo: “Brasil, futebol”. Faltou a continuação, que é “Ronaldo, Rivaldo”, mas já está muito bom. A intérprete entra firme com a história do funcionário público e do turismo. Depois de alguns minutos de conversa ele se levanta e diz para voltarmos no outro dia. E assim foi durante toda a semana. Pequenas entrevistas onde a única coisa que muda é o preço da viagem, sempre subindo. Finalmente ele anuncia que eu vou poder viajar. O pacote é para quatro dias e cinco noites. Vou visitar a capital Pyongyang, as cidades de Muohyang, Kaesong, e um lugar especial, Panmunjom, na fronteira com a Coréia do Sul. Os hotéis, refeições, transporte e guias estão incluídos no preço de 860 euros. A passagem de avião Pequim-Pyongyang-Pequim custa 286 euros. No total são 1.146 euros, ou 1.433 dólares. O dólar foi oficialmente banido da Coréia do Norte, mas é o que eu tenho na mão, e ele o aceita sem qualquer hesitação. Um pouco sem graça me pergunta se eu quero que ele mesmo compre a passagem. Avisa que vai ficar mais caro. Não posso comprá-la sem sua autorização, é claro. Percebo que existe malandragem nessa história, procuro deixá-lo à vontade, e concordo com tudo. Também fico mais aliviado. Afinal não são tão durões assim. Imagino se ele não está arriscando o seu pescoço.

Na manhã seguinte, quando vou buscar os meus papéis, a intérprete me diz que não vou mais poder viajar. Será que eles descobriram alguma coisa? Não, é apenas um truque para gerar insegurança. O próprio funcionário já havia me advertido de que nada é definitivo. Eu posso ir, ou não, o programa ser mudado, ou até me despacharem de volta antes da hora. Estou tendo uma demonstração, no microcosmos, do que a comunidade internacional conhece como sendo a imprevisibilidade e truculência do comportamento norte-coreano. Mais alguns minutos de conversa e fica o dito pelo não dito – a viagem foi autorizada. Três horas antes do embarque me entregam o passaporte sem o visto, apenas com um papel carimbado, solto entre as folhas. A passagem é só de ida. Nenhum documento sobre os hotéis e sobre os guias. O funcionário da embaixada diz que é para eu não ficar preocupado. O pessoal dele vai me reconhecer por fotografia quando eu desembarcar. E a passagem de volta? Recebo outro “não se preocupe”. O engraçado nessa história é que eu tenho todos os motivos para me preocupar.

Finalmente embarco no avião russo, caindo aos pedaços, da Air Koryo. A viagem é curta, 1 hora e 40 minutos e, pela janela, a primeira visão que tenho da Coréia do Norte é a de um espaço desolador. As estradas chamam atenção pela ausência de veículos.



Após o desembarque, quando todos pegaram suas malas e foram embora, me deixando completamente sozinho no aeroporto, e já na iminência de ser interpelado por um guarda, achei que não tinha sido uma idéia muito boa haver entrado naquele avião. Eu me encontrava na delicada posição de não haver contado toda a verdade sobre a minha identidade e, no feroz regime da Coréia do Norte, o sequestro, a tortura, a morte, ou o confinamento em campos de concentração são uma rotina. Neste estado paranóico, todo estrangeiro é um potencial agente da CIA planejando assassinar o líder. O governo norte-coreano já provou várias vezes não ter a menor preocupação sobre o que pensa o resto do mundo a respeito do seu comportamento delinquente. Protestos diplomáticos e apelos de organizações internacionais são sumariamente ignorados.

CONTINUA AMANHÃ


Fonte: http://www.imil.org.br/artigos/no-coracao-das-trevas-parte-1-o-primeiro-contato/

Rhyan

  • Visitante
Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #1 Online: 01 de Abril de 2009, 17:09:10 »
01/04/2009
No coração das trevas - Parte 2 - MÁQUINA DO TEMPO [Artigos]
Claudio Mafra


Para meu alívio, chegaram os guias, um homem e uma mulher bonita, muito sorridentes, provavelmente satisfeitos por haverem cumprido sua primeira tarefa, que é a de haver me deixado nervoso. É a técnica que usam. Tudo acontece no último momento, no limite. Nosso carro é um luxuoso Nissan 4×4, e parece que os guias estão impressionados por eu ter vindo sozinho, o que tornou a viagem muito mais cara. Estou sendo tratado como um VIP. Saímos do aeroporto em direção a Pyongyang, e nesses primeiros momentos recebo instruções sobre o comportamento de um turista: não posso ir a lugar nenhum sem que pelo menos um dos dois esteja comigo; só posso fotografar estando fora do carro e com a permissão deles; não posso me dirigir a ninguém na rua. As primeiras perguntas que me fazem, por mais comuns que sejam, sempre causam desconforto, porque estes não são guias comuns. Tenho que ser cauteloso com o que digo.
 
Enquanto vamos conversando, a caminho do hotel, os guias recebem o meu apoio incondicional para tudo que digam a respeito de assuntos políticos. Longe de mim cometer a insensatez de discordar. Eles não perdem tempo e expõem a tese que seria martelada incansavelmente durante toda minha viagem: a Coreia do Norte é uma democracia governada pelos trabalhadores, um país pacífico, que o imperialismo americano quer destruir. O ponto central de suas vidas é a espera da inevitável guerra onde derrotarão os Estados Unidos e o governo fantoche da Coreia do Sul, conseguindo desta maneira a reunificação das duas Coreias sob um governo comunista. Sentem-se ultrajados com o país dividido. Em tudo o que dizem conseguem colocar um parêntesis onde tecem louvores a Kim Il-sung, o Grande Líder, e antigo ditador, e ao seu filho Kim Jong-il, o Querido Lider, e atual ditador. É uma ladainha interminável e, nesses primeiros momentos, se não se prestar muita atenção fica-se perdido entre os dois nomes e tantos elogios qualificativos, tornando-se difícil descobrir de qual dos dois eles estão falando.

Kim Il-sung foi o introdutor do comunismo na Coreia do Norte e ficou no poder desde 1948 até sua morte, em 1994. Quando Stalin caiu em desgraça na União Soviética, em 1956, sendo denunciado como criminoso, e suas estátuas foram destruídas em todo o mundo comunista, o ditador norte-coreano se recusou a aceitar os novos padrões ditados pelo governo soviético. O país continuou sua trajetória stalinista até os dias de hoje, transformando-se em um raríssimo anacronismo, fascinante para os scholars tal qual seria uma ilha de dinossauros para paleontólogos. Eu acredito que em pouco tempo este regime vai desaparecer, portanto não posso perder essa oportunidade única. É extraordinário poder voltar até os tempos da Rússia de Stalin, simplesmente pegando um avião, ao invés de uma máquina do tempo.

Além de ser O Grande Líder, Kim Il-sung também é conhecido como “O Sol Vermelho dos Povos Oprimidos”, “O Sempre Vitorioso Brilhante Comandante”, “O Sol da Humanidade”, “O Sol da Nação”. Depois de sua morte tornou-se “O Eterno Presidente”. Seu aniversário, em 15 de abril, é o dia de Natal da Coreia do Norte. Nos bottons, obrigatoriamente usados por todos os norte-coreanos que entram em contato com estrangeiros, é a sua cara que aparece, ao invés da bandeira nacional. A “Canção do General Kim Il-sung” é mais importante do que o hino nacional. Parece que esse personagem de realismo fantástico, embora morto, continua a gozar de boa saúde, porque ele assina os vistos norte-coreanos, isto é, seu nome está abaixo da linha onde alguém faz alguns rabiscos. Seu nome também está em muitos outros documentos, porque Kim Il-sung ainda é oficialmente o chefe de Estado da Coreia do Norte. Impossível esquecê-lo. Um homem que podia controlar o tempo, fazendo o sol brilhar, ou as chuvas chegarem. O governo da Coreia do Norte é também uma religião.

Kim Jong-iL, o Querido Líder, está vivíssimo e, ao contrário do pai, que preferia se manter na obscuridade para o mundo exterior, tornou-se figurinha fácil no noticiário da televisão em virtude do programa nuclear norte-coreano. Ele também pode ser chamado de “O Grande General”, (muito usado pela minha guia), ou “Querido General”, “Centro do Partido”, “Respeitado Líder”, “Supremo Comandante”, “Pai do Povo”, “Extraordinário Estrategista Militar”, “Líder de Aço”, “Pai da Nação”, “Líder do Povo”, “Nosso Pai”, “Nosso General”, “Líder do Século Vinte e Um”, “Sol do Século Vinte e Um”, “Glorioso Sol do Século Vinte e Um”, e mais alguns outros nomes modestos. Para quem acha bizarro é bom lembrar que Stalin, reverenciado por famosos intelectuais de esquerda no Ocidente, também era chamado de “Farol da Humanidade”, “Pai”, “Paizinho”, “Professor”, “Grande Líder do Povo Soviético”, “Herdeiro da Causa de Lênin”, “Criador da Constituição de Stalin”, “Transformador da Natureza”, “Grande Timoneiro”, “Grande Estrategista da Revolução”, “Gênio da Humanidade”, o “Maior Gênio de Todos os Tempos e Povos”.
 
Quando o nosso carro passa ao lado de um grande arco do triunfo pergunto se posso fotografar. Claro que posso. É justamente o que esperam que eu faça. Belas fotos de tudo que tenha aparência de prosperidade. Enquanto caminho, procurando pelos melhores ângulos, não posso deixar de reparar que os guias se mantêm muito alertas, olhando para todos os lados. Eles me dizem, com razão, que o arco é ainda maior do que o de Paris, e que foi construído no lugar onde o Grande Líder fez o seu discurso quando a Coreia se libertou do domínio japonês, depois da Segunda Guerra Mundial.
 
Pyongyang é uma cidade bonita, com grandes praças, jardins, e alguns edifícios, que no conjunto dão uma forte impressão de monumentalidade. Essa arquitetura de imensos espaços tem a função de ser um palco para as paradas militares e demonstrações artísticas em homenagem a Kim Il-sung, e a Kim Jong-il. Exatamente como eu havia percebido pela janela do avião, são poucos os carros circulando, não existe nenhum comércio e o silêncio é perturbador. Ninguém fala em voz alta, mas, longe de ser educação, é medo.
 
Fico hospedado no Hotel Yanggakdo, o melhor de Pyongyang, que ostenta a cotação bastante generosa de ser um cinco estrelas. Os dois guias começam a se revezar, e apenas o rapaz me leva para jantar. (Vou chamá-lo de Kong, e a moça de Hona.) A escuridão nas ruas é completa. Se na capital é assim, é fácil imaginar o interior do país. Feéricamente iluminada está a imensa torre com sua tocha vermelha, símbolo da eternidade do Partido Comunista, construída em 1982, deliberadamente um metro maior do que o Monumento a Washington, e com 22 mil blocos de granito branco, cada um para o número de dias que o Grande Líder vivera até aquela data. Acho que é o momento certo para ensaiar uma conversa inocente sobre fontes de energia, e menciono a perigosa palavra nuclear. Kong não responde, ficou mudo, ainda não é hora para essas liberdades, e ele espera que eu entenda as regras do jogo e não faça nada que possa comprometê-lo. Após um breve constrangimento, o assunto já é a excelência do restaurante para onde estamos indo. O lugar é bem modesto, fuma-se muito, e as pessoas em outras mesas só olham para mim no momento em que entramos. Esta seria a única vez em que eu comeria em público. Durante toda a viagem eu ficaria sozinho em alguma sala, sendo servido com grande deferência e o elegante ritual que só se encontra no oriente. Neste momento outras pessoas também estão em nossa mesa, e se divertem me ensinando como pescar o ovo frito que consegue boiar em cima de alguma coisa que não consegui identificar. Provavelmente também eram guias, já que os norte-coreanos comuns são proibidos de se dirigirem aos estrangeiros.

No outro dia, no café da manhã, depois de me cumprimentar, Hona pergunta por que eu havia me levantado três vezes durante a noite. A esta crua declaração de que sou vigiado dentro do meu quarto, respondi, com uma naturalidade estudada, que sinto sede de noite. Não deixei de ficar com um pouco de vergonha porque teriam visto a minha mala abarrotada de biscoitos, maçãs, toddynhos, latas de atum, sardinhas, e cigarros ocidentais. Tudo isto por conta da recomendação da agência de turismo de Pequim, que por experiência sabe que muitos turistas rejeitam a comida norte-coreana. Os cigarros são para dar aos soldados na fronteira, em outra etapa da viagem.
 
Saímos do hotel e vamos para o belo parque Chilgol, onde está a réplica da choupana onde supostamente nasceu o Grande Líder. Um bando de escolares escuta suas professoras, visivelmente nervosas com a proximidade dos guias. Neste país todo mundo vigia todo mundo. Em seguida, caminhando para a Praça Kim Il-sung, eu posso ver ao longe uma menina que vem descendo a rua sozinha, e quando se aproxima é notável como está bem vestida. Chamaria atenção em qualquer lugar do mundo. Quando paramos para que eu a fotografasse, ela faz uma profunda reverência, graciosa, curiosamente séria. Depois segue seu caminho, no mesmo ritmo. Surpreso, pergunto para a guia o que ela estaria fazendo ali, tão pequena, sem ninguém ao lado. Recebo uma resposta sem sentido. Mais tarde, com a experiência que fui adquirindo, eu saberia que provavelmente foi plantada no meu caminho. É assim que funciona.
 
O Grande Líder construiu estátuas dele mesmo em todos os lugares da Coreia. A maior delas está em Pyongyang. São vinte metros de altura, feita de bronze e pintada de ouro. Cheguei perto do monstrengo e depositei flores. Afastei-me andando de costas, parei, curvei a cabeça em sinal de respeito, e, quase que militarmente, me virei, caminhando em direção à Hona, que me recebeu com um enorme sorriso. Eu sou o turista sonho dos guias. Dali mesmo, da praça Kim Il-sung, eu posso ver a Universidade Kim Il-sung e o Estádio Kim Il-sung. Nada de usar os nomes de Marx, Lênin ou Stalin. Vai tudo mesmo para o Sol Vermelho do Povo Oprimido.

Andando pelas margens do Daedong, o bonito rio que divide Pyongyang, fotografo alguns pescadores. Nenhum deles olha para mim. É o medo de cometer algum erro, que provavelmente nem sabem qual seria. Quando vejo uma velhinha andando em farrapos, a imagem do desamparo, não resisto à tentação e tiro a foto, fingindo não ouvir o grito de NO! dado por Kong, distante uns cinquenta metros. Ele grita outra vez, e eu faço um sinal de que não havia ouvido. Disfarço e vou em frente, fotografando outras coisas. Quando, afinal, nos encontramos, vejo que está sendo advertido por um homem saído do nada. Nem consigo ver o rosto do novo personagem e ele já foi embora. O guia está muito sério. Eu vou ter que lhe entregar o filme. Fico nervoso, não sei se o episódio vai terminar desta maneira tão simples, e além do mais ele já está no bolso, misturado com outros. Kong me diz que se a foto não estiver naquele que eu escolhi para lhe entregar vão me confiscar todos eles. O quê? Só isso? Até que está barato. Pensei que fossem me despachar para Pequim, ou ser interrogado. De tarde fico sabendo que dei sorte e acharam a foto da velhinha.
 
Agora vão me mostrar duas estações do metrô de Pyongyang que seriam verdadeiras obras de arte. As escadas rolantes não param de nos levar cada vez mais para o fundo da terra, fico impressionado, e o guia confirma, orgulhoso, que o metrô é também um abrigo nuclear com 100 metros de profundidade. Quando finalmente chegamos, eu posso ver que as estações são uma tentativa canhestra de repetir aquelas que foram construídas por Stalin, em Moscou, famosas pela beleza. Aqui é tudo feio, de mau gosto, kitsch. O Presidente Eterno não poderia faltar na decoração, e lá está ele, feito de pastilhas coloridas, caminhando junto com seu povo eufórico com tanta felicidade.



O erro desse programa foi entrarmos em um vagão para irmos de uma estação para outra. Pude ver as pessoas, amontoadas, encolhidas, muito magras, as roupas escuras, os rostos com expressão de medo, os olhos voltados para o chão. Os zumbis norte-coreanos. Fico chocado com a cena e espantado com a insensibilidade de Kong. Ele continua rindo e conversando comigo, não se dando conta de que era exatamente a imagem que não poderia ser mostrada.
 
No imenso Palácio para Estudantes e Crianças de Pyongyang, sou levado para ver meninas que estudam música, ballet, acrobacia, bordado. Todas com um sorriso tão ensaiado que vai se tornando alguma coisa insuportável, na medida em que as portas das salas de aula vão sendo abertas. Mas, o que é perversidade, e eu custei um pouco a perceber, é que as suas faces não expressam simplesmente uma gentileza forçada para o visitante que chega. Isso é comum, nós conhecemos. O que acontece é que as meninas fingem que não me viram entrar. Os sorrisos significam que elas estão em permanente estado de graça e nem percebem quando a porta é aberta e alguém começa a rodopiar pela sala, com uma câmera enorme. Não há como evitar o sentimento de vergonha por estar sendo instrumento de uma farsa, desta vez envolvendo as pobres crianças.

No auditório assistimos a um espetáculo com a fina flor dos estudantes. Até que é bom, mas os onipresentes, Grande Líder e Querido Líder, não param de mostrar suas caras em slides projetados no fundo e dos lados do palco. A guia me explica que as canções são apologias sobre o Grande Líder e aproveita para perguntar se estou percebendo como as crianças estão alegres. Claro que estou. Todas elas estão com a famosa felicidade dos que vivem no paraíso norte-coreano.
 
Na platéia, um grupo chama a atenção. São dezenas de meninos, entre seus dez e 13 anos de idade, uniformizados, cabeças raspadas, maneiras arrogantes, expressão debochada. Olham para mim de alto a baixo, com a maior segurança. São os pequenos guerreiros, cadetes da escola militar. A elite da elite. Em toda a viagem foi o momento de maior orgulho de minha guia. Ela aponta para os garotos e me diz que os americanos e os sul-coreanos têm medo deles. Concordo, desta vez com toda sinceridade. O exército norte-coreano é o quinto do mundo. Mais de um milhão de soldados estão em pé de guerra, e mais de seis milhões podem ser convocados imediatamente. O serviço militar obrigatório é de dez anos para o homem e de sete anos para a mulher. O regime gasta mais de cinco bilhões de dólares por ano na sua defesa, incríveis 32% do PIB. Um pequeno país de 23 milhões de habitantes que é o mais militarizado do mundo.

Agora vamos para Myohyang, região de montanhas. O jipe desliza veloz pela estrada, sempre deserta. À medida que vamos subindo, cresce o humor dentro do carro e Kong inicia uma sessão de piadas. Logo elas se tornam pesadas, e depois da tradução até o chofer está rindo. Nesse momento a moça diz que eu sou muito inteligente para ser um turista. Finjo que não prestei atenção, continuo brincando, mas não gostei nada. O que ela quis dizer com isso? Que os turistas são burros, ou que eu não sou turista? Desde o início da viagem essa fanática está tentando me pegar em alguma contradição. Que os dois são diferentes, eu não tenho dúvida. Ela é muito mais aplicada no seu papel de espiã. O rapaz me parece mais seguro, e houve um dia em que simplesmente me contou que estava tranquilo porque eu havia sido investigado. Ótimo.


 
Chegamos ao templo budista Pohyon, onde querem me mostrar que existe liberdade de religião. Lá está o monge de plantão fingindo que é feliz. É patético vê-lo juntando as mãos enquanto se curva para mim. Neste lugar, o enredo é mal elaborado, não engana ninguém, e eu acho que não é à toa que, nas coisas mais ridículas, Kong caia fora e deixe a tarefa para Hona. Depois de também cumprir o meu papel, começo a fotografar os belos jardins do templo, mas a minha Querida Guia resolve me dizer que tudo o que estou vendo foi bombardeado pelos americanos na guerra da Coréia, em 1951. Faz um pequeno discurso sobre a maldade do inimigo e a coragem dos norte-coreanos. A mocinha é realmente beligerante.

A próxima etapa é uma visita ao Palácio da Exibição da Amizade Internacional. Desta vez sou recebido por uma mulher linda, vestida com um luxuoso traje típico norte-coreano. É uma pena que esteja desperdiçada aqui, neste fim do mundo. Deixo de olhar para ela e quase caio de costas quando se abre uma porta e vejo nada mais, nada menos, do que o Querido Líder! Sim, lá está ele, altíssimo, sentado em um trono, do mesmo jeito que um faraó, uma estátua enorme, todo o ambiente decorado em rosa-choque, azul-bebê, e outras cores berrantes em papel crepom vermelho. Um delírio kitsch. O grotesco absoluto. A loucura total. É um choque difícil de ser controlado. Em qualquer lugar do mundo saberiam que é espanto, e não admiração, mas aqui, eu só vejo orgulho nos olhos das duas mulheres que me observam. Isto é muito mais do que qualquer coisa que Stalin, O Farol da Humanidade, possa ter imaginado, porque embora tenha criado o “culto da personalidade”, ele tinha senso do ridículo, e não fez os russos pensarem que era um deus. Se eu fosse escolher só uma coisa para dizer o que é a Coreia do Norte, seria esta sala. Fico imaginando o comportamento dos verdadeiros turistas que passam por este teste de autocontrole. Fingindo respeito pelo lugar, apenas sussurro para elas que estou muito impressionado. Outra porta se abre, e desta vez é o Grande Líder, de pé, cercado de flores, um céu muito azul por cima de sua cabeça, uma paisagem bucólica, uma estátua de cera feita pelos chineses. É muito menor do que a outra, perde longe para seu filho, o “Grande General”, e por não ser mais surpresa não tem graça.

O Palácio da Exibição Internacional da Amizade foi construído para mostrar aos presentes que o Grande Líder e o Querido Líder ganharam de outros países. São longos corredores só de tapetes, quadros, jóias, vasos, esculturas, e peças típicas de cada lugar. Começo vendo os do Grande Líder. Com exceção dos que vieram da China e Rússia, é difícil encontrar alguma coisa que tenha a qualidade que se espera para que sejam oferecidas a um chefe de estado. Na verdade é um monte de quinquilharias empilhadas nas vitrines, e parece que ninguém levou a sério esse negócio de presentear ditadores malucos escondidos em um país que pertence a outra galáxia. Provavelmente a maioria dessas coisas jamais veio de lugar algum, muitos nomes de países estão escritos de maneira errada e o mais provável é que tenham sido fabricados na Coréia mesmo. Enquanto vamos andando, a guia me diz que de seis em seis meses todos os presentes são trocados, e se eu ficasse um minuto admirando cada um, iria levar um ano e meio para terminar. É uma ótima desculpa para acelerar o passo e acabar logo com isso. Infelizmente me esqueci de perguntar pelo presente brasileiro. Será que existe alguma estátua do Pelé, perdida no meio da bagunça?

Em outra ala do palácio estão os presentes do “Líder do Século Vinte e Um”. A mesma coisa, só que a qualidade baixou ainda mais. Para bajular e conseguir favores é possível ver tanto um feiíssimo carro de luxo, oferecido pela Hyunday, quanto um inacreditável micro-ondas! A visita aos presentes terminou, e com notável ingenuidade a moça me pergunta se eu conheço outro lugar com coisas tão lindas. Meio sem jeito digo que, talvez, o Vaticano. Afinal, não posso ficar concordando com tudo. Antes de qualquer outro comentário, a luz se apaga. A escuridão é absoluta, porque não existem janelas. Fico paralisado, elas trocam algumas palavras e de repente sinto o levíssimo toque das suas mãos nas minhas, e assim vão me levando, bem devagar, com enorme delicadeza, até a saída. Um comportamento tão feminino só mesmo no Oriente.

Entro no carro e vou logo dizendo o quanto a mulher era bonita. A guia pergunta, um pouquinho depressa demais, um pouquinho alto demais, porque eu não disse isto para ela, já que era assim tão maravilhosa. Uma pequena cena de ciúmes no coração das trevas.

 

AMANHÃ, A ÚLTIMA PARTE


Fonte: http://www.imil.org.br/artigos/no-coracao-das-trevas-parte-2-maquina-do-tempo/

Offline Unknown

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #2 Online: 01 de Abril de 2009, 18:53:28 »
Interessante. Pena que o texto faz menções a muitos lugares mas apresenta poucas fotos. Pelo menos, já há sites que apresentam fotos de vários desses lugares. Alguns exemplos:

http://www.pyongyang-metro.com/metrophotos.html
http://www.travel-earth.com/dprk/
http://www.theodora.com/wfb/photos/korea_north/

Não há como negar: em todo canto há uma imagem de Kim Il-Sung

"That's what you like to do
To treat a man like a pig
And when I'm dead and gone
It's an award I've won"
(Russian Roulette - Accept)

Rhyan

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #3 Online: 02 de Abril de 2009, 15:19:18 »
02/04/2009
No coração das trevas - Parte 3 - MAGROS PRISIONEIROS PERPÉTUOS [Artigos]
Claudio Mafra


Deixamos Moyang e vamos em direção à cidade de Kaesong, que está na fronteira com a Coreia do Sul. Uma viagem agradável, por uma autoestrada excelente e… deserta. Os guias estão cada vez mais descontraídos, sem ter ninguém para vigiá-los. O rapaz já esteve na Alemanha. Fico surpreso. Será que não percebeu a diferença do mundo exterior? Faço uma ou outra pergunta que não pareçam comparações desvantajosas para a Coreia, mas ele jamais irá se expor em frente à moça. E quem garante que o chofer não fala inglês? No entanto, com o tempo, já no fim da minha viagem, percebi que os guias também não têm a idéia geral do que seja a Coreia do Norte. Sabem que não é o que me estão contando, sabem que estão escondendo muita coisa, mas não chegaram ao conjunto. Jamais acreditariam que eles próprios são parte de uma mentira de proporções astronômicas. Os norte-coreanos há décadas estão submetidos a uma inacreditável lavagem cerebral que faz com que acreditem que suas vidas estão para todo o sempre ligadas aos Queridos Demônios. Tudo é impossível sem eles. São obrigados a ter o retrato dos dois, pendurados na parede de suas casas. Passam toda sua existência ouvindo hinos de louvores a Kim Il-sung, hinos que os acompanham nas ruas, nas estações de trem, no trabalho, e quando vão dormir. Estudam os seus sábios pensamentos, aprendem que Ele os amou, que Ele é a própria Coreia do Norte, onde as pessoas serão ainda mais felizes, apesar de já estarem no “paraíso dos trabalhadores”, que Ele construiu.

Por viverem ferreamente enclausurados em suas fronteiras, os norte-coreanos não têm a mínima ideia do que seja o mundo exterior. Pensam que Kim Il-sung, quando estava vivo, era o homem mais famoso do mundo. Desconhecem qualquer personalidade ocidental, e jamais acreditariam que um americano pisou na lua. Também não sabem o que está acontecendo em seu próprio país, já que são impedidos de viajar de um lado para o outro. Não têm ídolos comuns como estrelas de cinema, cantores, personalidades de TV, atletas, músicos, escritores, políticos. Nos filmes da TV não aparecem os nomes dos atores, diretores, nenhum crédito.  Mas, uma coisa todos os norte-coreanos sabem, e têm medo: o gulag.  O serviço secreto da Coreia do Sul estimou que em 1999 havia duzentos mil prisioneiros nos 10 terríveis campos de concentração espalhados por remotas regiões do país.

A vida é a sobrevivência do dia a dia. Estima-se que, em 1998, três milhões de pessoas morreram de fome. Uma criança norte-coreana de sete anos de idade é vinte centímetros menor e dez quilos mais magra do que seu correspondente na Coreia do Sul. Já foi dito que o Querido Líder é o único gordo da Coreia do Norte. Centenas de milhares de norte-coreanos correndo o risco de prisão, ou mesmo de perder suas vidas, tentam atravessar a fronteira com a China. Infelizmente, para eles, as autoridades chinesas prezam mais suas boas relações com o governo da Coreia do Norte do que suas obrigações com a Convenção das Nações Unidas para Refugiados e entregam os fugitivos à polícia norte-coreana, o que representa condená-los a um longo encarceramento. Se houver uma segunda tentativa, a punição é a prisão perpétua ou a execução, que é estendida para os que tentarem o asilo político, entrarem em contato com sul-coreanos, com missionários estrangeiros, com agentes de ajuda humanitária, com jornalistas, ou tiverem relações sexuais com estrangeiros.

Os dias de minha viagem se passaram como se eu estivesse em outro mundo, alguma coisa irreal. É horrível ver as pessoas andando devagar pelas ruas, cabisbaixas, tão magras, silenciosas, a tristeza visível em seus poucos gestos. Não é somente uma população de escravos, mas de mortos vivos. Em seus cérebros esvaziados de qualquer motivação, a existência está ligada para todo o sempre aos dois Kim, os arquitetos dessa maldade infernal.

Em Kaesong, uma cidade sombria, vejo o túmulo do rei Kongmin e outros sítios arqueológicos sem nenhum interesse, mas a 8km de distância está realmente um lugar muito importante, Panmunjom, onde, em 1953, o armistício – não a paz – foi assinado entre as duas Coreias. Todas as casas de madeira que serviram para as conferências entre americanos e sul-coreanos, de um lado, e chineses e norte-coreanos, do outro, estão dentro da Coreia do Norte, e posso visitá-las, sentar-me nas cadeiras históricas, e divertir-me com o grande número de turistas chineses, que me requisitam todo o tempo para tirar fotos em que apertamos as mãos, cada um de um lado da mesa, eu fazendo o papel dos americanos, já que sou o único ocidental.

Com a advertência para ficarmos sempre juntos, fomos levados para ver a “terra de ninguém”, ou DMZ (Zona Desmilitarizada): uma estreita faixa de uns trinta metros, que separa as duas Coreias. Aqui, neste lugar carregado de eletricidade e ódio, os soldados dos dois países montam guarda, andando em alguns quadrados de cores diferentes, tão perto uns dos outros que, se estendessem os braços, poderiam se tocar. Os coreanos do norte com seus uniformes cor cáqui, modelos da década de cinquenta, figuras esqueléticas, um pouco de miséria em seus rostos, e os sul-coreanos completamente americanizados, de capacetes e óculos ray-ban. Existe um enorme cuidado para que não se quebre o delicado equilíbrio entre eles. Os soldados são substituídos a pequenos intervalos, para que não se cansem e cometam algum erro. Caminhando com os olhos no visor da câmera, sem querer coloquei um pé na faixa branca, início da “terra de ninguém” do lado norte-coreano. Foi uma gritaria pânica, onde se uniram guias, soldados, turistas. Comecei a pedir tantas desculpas que só faltei me dirigir também aos coreanos do sul, agitadíssimos, olhando para nós, sem saber o que acontecera. O soldado guia, a quem estavam destinados os cigarros que eu trouxera, e que esqueci no hotel, veio para o meu lado e disse que algum tempo atrás um inglês também se distraíra e quase havia entrado na Coreia do Sul, sendo fuzilado antes disso. Sim senhor, muita amabilidade sua me avisar.



De volta ao centro de Pyongyang, a intimidade com os guias alcança o seu nível mais alto. Eu sempre quis fotografar a guardinha de trânsito, muito bem fardada em azul, usando um bastãozinho com tanta energia que até parece que existe tráfego. Agora, quando passamos outra vez pelo mesmo lugar, o rapaz manda o chofer parar o carro e, bem malicioso, diz que posso descer e tirar minhas fotos. Respondo que não me interessa, porque de uma hora para outra pode sair alguém de trás do poste e me confiscar o filme. Os dois explodem em gargalhadas.



Agora virou galhofa, e por isso mesmo um pouco mais tarde, eu me vejo conversando sobre o que não devo. Estou sozinho com Hona, e ela quer saber o que as pessoas do lado de fora pensam sobre seu país. A mocinha parece tão frágil que eu tenho um ataque de meia sinceridade e vou respondendo que os norte-coreanos estão muito isolados, que infelizmente o comunismo acabou em quase todo o mundo, falo no Vietnam, China, Rússia, e digo que a reunificação da maneira que imaginam é difícil. Ela vai ouvindo e concordando com a cabeça. Para minha sorte foi chamada por alguém, e sai por um instante, tempo suficiente para que eu me dê conta da bobagem que estava fazendo. Quando ela volta, já sou outro, e começo com um lengalenga propositadamente confuso, e não adianta forçar nada porque só falta eu perguntar onde está a estátua mais próxima do Grande Líder, acometido que sou de um irresistível desejo de colocar mais flores aos seus pés.

Sou levado para ver o “USS Pueblo”, que foi trazido do porto de Wonsan para o rio Daedong, em Pyongyang. Este é um grande troféu de guerra. O Pueblo era um navio espião americano que foi aprendido pelos norte-coreanos em 1968, provavelmente em águas internacionais. O capitão do barco, após a ameaça de que todos os 83 membros da tripulação seriam mortos, a partir do mais moço, até chegar a ele próprio, assinou uma confissão dizendo que estava espionando os norte-coreanos. Foi um episódio que provocou uma grande crise internacional durante a Guerra Fria, e provocou um enorme desgaste na imagem dos Estados Unidos.

Sou apresentado ao marinheiro que primeiro colocou os pés no navio, após uma rápida batalha. Agora ele é o “capitão” do Pueblo e, todo elétrico, mostra os buracos feitos pelas balas de metralhadoras e canhões dos navios norte-coreanos. Enquanto vamos andando pelos corredores apertados, subindo e descendo escadas, o herói começa a me contar muitas histórias, onde exalta a coragem dos seus antigos companheiros e ri da covardia dos americanos. O clímax é quando ele mesmo deu um chute no traseiro do capitão Bucher que tentava se esconder debaixo de uma mesa. Aprovo tudo que está me dizendo, mas a cena é mesmo de comédia pastelão misturada com uma infantilidade sinistra, porque além do absurdo do capitão tentando fugir, a mesa é ridiculamente pequena. Olho em volta, mas o guia já se mandou. Ele é muito esperto. Definitivamente não quer se envergonhar na minha frente. Preferiu me esperar do lado de fora do navio para os seus comentários políticos. Kong me diz que os russos fizeram enorme pressão para que a tripulação do Pueblo fosse logo libertada, e que o embaixador soviético em Pyongyang chegou a ameaçar o governo do Grande Líder com retaliações econômicas e políticas. Mesmo assim, Ele não cedeu; impossível imaginar que Ele fizesse isso. Os russos poderiam ficar com medo dos Estados Unidos, mas jamais a Coreia do Norte. Aponta para o Pueblo, que é a prova incontestável do que diz: emoldurada em uma das salas do navio está a cópia da humilhante confissão do capitão Bucher. (O pobre Bucher, quando chegou aos Estados Unidos, foi muito mal recebido e forçado a se aposentar).

Peço para ser fotografado apertando a mão do folclórico capitão, que está satisfeitíssimo por ter saído da chatice de ficar naquele navio o dia inteiro, sem ninguém para contar as suas histórias extraordinárias.

Já está chegando a hora do meu embarque e nada de aparecer o ticket da Air Koryo.

O guia me diz que está fazendo um grande esforço, parece que o avião está lotado, mas ele tem um amigo que talvez possa resolver o problema. Bem, essa história eu já conheço. Afinal o amigo conseguiu a passagem, mas infelizmente teve muitas despesas e ela… ficou mais cara. Novamente fico impressionado. Um regime de ferro, e as pessoas se arriscam de qualquer maneira.

No aeroporto os guias estão satisfeitos. Parece que realmente gostaram de mim, e além do mais, dei uma gorjeta alta para os dois. Muitos abraços e beijos. Perto estão alguns militares e um deles chama a atenção pelo monte de estrelas que tem no ombro. Pergunto se é um general. O rapaz responde baixinho que não pode falar sobre isto. Tomo a sinceridade da declaração como uma prova de amizade, novas despedidas e vou para a sala de espera do aeroporto, onde encontro um brasileiro, funcionário da FAO, que veio para um programa de ajuda à Coreia. Está muito desanimado porque, devido ao atraso norte-coreano, a tecnologia que trouxe não pode ser aplicada. Trocamos impressões da viagem, e ele me conta que, passeando em Pyongyang, ficou muito distante do guia, o que lhe valeu uma reprimenda surpreendente: “Se o senhor for sequestrado a culpa não é minha”. Mas que hospício mais barra pesada!


Fonte: http://www.imil.org.br/artigos/no-coracao-das-trevas-parte-3-magros-prisioneiros-perpetuos/

Offline Fabi

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #4 Online: 02 de Abril de 2009, 19:26:48 »
 
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mocinha parece tão frágil que eu tenho um ataque de meia sinceridade e vou respondendo que os norte-coreanos estão muito isolados, que infelizmente o comunismo acabou em quase todo o mundo...
Infelizmente? ::)
Eu diria felizmente... mas ainda pipoca na mente de alguns desavisados que nem sabem o que é comunismo, e o que fez com a ex-URSS...
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Offline Diego

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #5 Online: 03 de Abril de 2009, 08:34:06 »
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mocinha parece tão frágil que eu tenho um ataque de meia sinceridade e vou respondendo que os norte-coreanos estão muito isolados, que infelizmente o comunismo acabou em quase todo o mundo...
Infelizmente? ::)
Eu diria felizmente... mas ainda pipoca na mente de alguns desavisados que nem sabem o que é comunismo, e o que fez com a ex-URSS...

Se eu tivesse na situação dele tb falaria infelizmente, além de rezar pros Kim toda a noite :P :D

Offline Stéfano

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #6 Online: 03 de Abril de 2009, 12:11:20 »
Só um minuto, já voltou, vou vomitar...
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Offline Diego

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #7 Online: 03 de Abril de 2009, 12:24:14 »
Eu achei o relato muito bom!
Imagino que deve ser exatamente como texto descreve.

Durante o texto me recordei constantemente do livro "1984". Impressionante como Orwell pegou bem o espírito do culto a personalidade do Stalin (e copiado pelo Kim Il-sung) assim como o estado lida com as pessoas.

Deve ser terrível viver em um lugar onde uma simples troca de palavras ou gentilezas pode gerar uma repreensão tão severa por parte do estado.

Offline Stéfano

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #8 Online: 03 de Abril de 2009, 12:43:05 »
Qual a saída ? Esperar que o "Líder do Século XXI" morra e que o generais lutem pelo poder, afundando o país a ponto de que ele não possa mais se defender dos vizinhos, com a morte de milhões no processo ?
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Offline Diego

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #9 Online: 03 de Abril de 2009, 13:12:12 »
Bom, eu no lugar do Kim Jong-il ja estaria trabalhando num sucessor ou num processo de sucessão.

Seguindo o exemplo da URSS, após a morte de Stalin teve uma disputa interna e então Khrushchov venceu.

Porém não acredito que exista algo desse tipo e sequer exista alguém que esteva habilitado assumir o poder do "Líder do Século XXI".

O futuro é bem incerto. só espero que não desencadeie uma guerra civil, pq com a proporção de militares e armamentos que eles têm a coisa pode ficar bem feia.

Offline Unknown

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #10 Online: 03 de Abril de 2009, 19:35:57 »
Para Kim Jong-il um processo de reaproximação com o Ocidente seria interessante. Por isso que houve o primeiro encontro com o presidente a Coreia do Sul, Kim Dae Jung, em 2000, e a partir daí ele começou a dar sinais de que poderia afrouxar um pouco o regime. Só que ele também precisa se equilibrar entre as pressões dos generais e membros do partido, de maneira que não pode demonstrar fraqueza ou submissão ante nenhum discurso estrangeiro. Por isso, quando a Coreia do Sul resolveu endurecer mais a conversa após a mudança de presidente, e o mesmo se deu com Japão e EUA, ele voltou a endurecer o regime e o tom das conversas com outras nações. Com isso, não é de se esperar que as coisas na Coreia do Norte mudem tão cedo.
A sua sucessão é um problema complicado. Há algum tempo ele estava com baixa popularidade, coisa que ele resolveu aumentando o efetivo do exército (famílias de militares possuem alguns benefícios extras), por isso que o exército é tao grande. Com sua popularidade alta novamente, espera-se que seu sucessor seja algum aliado político, já que o fato de algum dos seus filhos conseguir ser sucessor é controverso.

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Reportagem sobre Coréia do Norte
« Resposta #11 Online: 24 de Abril de 2010, 14:40:37 »
O país mais fechado (e estranho) do mundo
A reportagem de VEJA entrou na Coreia do Norte, onde não há celular nem internet, crianças de 5 anos recitam juras de vingança contra os Estados Unidos e é proibido dobrar jornais que trazem a foto do líder Kim Jong-Il

Thaís Oyama, de Pyongyang


"O PRESIDENTE ETERNO"
Em Pyongyang, norte-coreanos reverenciam a estátua de Kim Il-sung, pai do ditador Kim Jong-Il e o único morto a presidir um país

O presidente da Coreia do Norte não aparece em público há mais de quinze anos. Mesmo assim, os 23 milhões de habitantes do país enxergam seu rosto da hora em que acordam até a hora em que vão dormir. A imagem de Kim Il-sung, o "eterno presidente", pai do atual ditador Kim Jong-Il, está nos prédios, nos vagões de trem, nas estações de metrô e no broche que 100% da população de Pyongyang, a capital da Coreia do Norte, carrega "voluntariamente" no peito. "Embora tenha falecido em 1994, o nosso presidente continua vivo em nosso coração", diz a guia que recebe a reportagem de VEJA no aeroporto de Pyongyang. Ter um presidente morto é só uma das extravagâncias que fazem da Coreia do Norte uma aberração planetária. O regime mais isolado do mundo sobreviveu à morte de seu fundador, à derrocada do comunismo e a uma gestão catastrófica que matou de fome quase 3 milhões de pessoas no fim dos anos 90. Hoje, seria apenas um fóssil grotesco não fosse o fato de seu líder estar sentado sobre a bomba atômica. Esta repórter visitou o país de Kim Jong-Il na condição de turista (a entrada de jornalistas só é permitida mediante autorização do governo, que nunca a concede), levada por uma agência de viagens chinesa juntamente com um grupo de dezenove estrangeiros. Os seis dias passados lá mostraram que, mais do que um picadeiro para as bizarrices de Kim Jong-Il, a Coreia do Norte é uma sociedade oprimida pela fome e controlada pelo medo – e isso nem mesmo a onipresente propaganda do regime consegue esconder.

A viagem aérea de Pequim a Pyong-yang leva uma hora e meia e é feita num Tupolev russo. A parte mais desconfortável é ter de equilibrar sobre as pernas uma edição do Pyongyang Times, distribuída aos passageiros, sem amassá-la nem deixá-la cair no chão. Não se trata de mania. Ainda na China e, novamente, antes do embarque, os organizadores da excursão alertaram os turistas para que não dobrassem jornais que estampassem a foto de Kim Jong-Il (caso da edição lida no avião e, pelo que se viu mais tarde, de todas as outras já rodadas no país), sob pena de "ofender gravemente" os norte-coreanos. A lista de atitudes proibidas incluía ainda falar com a população nas ruas, tirar fotografias sem permissão e perguntar aos guias nativos sobre questões como a saúde de Kim Jong-Il ou a existência de campos de concentração no país. Na chegada ao aeroporto de Pyongyang, o grupo foi obrigado a entregar os celulares e a submeter toda a bagagem a uma revista cuidadosa, destinada a evitar o ingresso de material ideologicamente suspeito. O que seria ideologicamente suspeito? Basicamente tudo. Os norte-coreanos não podem ler livros, jornais e revistas estrangeiros e, à exceção de uma reduzidíssima elite, não têm acesso à internet, celular nem a rádio ou canais de TV que não sejam os oficiais.


O QUE SE MOSTRA E O QUE SE ESCONDE
No espetáculo exibido aos turistas, meninos e meninas de menos de 6 anos de idade cantam músicas de louvor ao regime e juram vingança contra o "imperialismo americano". À direita, criança pede esmola em parque de diversões: essa a propaganda não mostra

Da janela do ônibus que leva o grupo ao hotel, a paisagem que se avista é de romance do inglês George Orwell, autor da distopia 1984: imensos pôsteres de propaganda comunista decoram as avenidas, hordas de soldados marcham nas ruas – parte das tropas entoa uma música que será ouvida à exaustão nos próximos dias, a Canção do General Kim Il-sung – e carros equipados com alto-falantes conclamam a população para o trabalho. A guia explica que o país está no penúltimo mês da "Campanha dos 150 Dias": a primeira etapa do esforço nacional destinado a fazer a Coreia do Norte crescer 20% até 2012, data em que o país celebrará os 100 anos do nascimento de Kim Il-sung. As outras atrações do percurso são a Universidade Kim Il-sung, o Estádio Kim Il-sung e a Praça Kim Il-sung, de onde é possível avistar, ao longe, a próxima parada: uma imensa estátua de bronze de Kim Il-sung, em cujos pés os recém-chegados são convidados a depositar flores. Onde quer que se olhe, lá está a imagem do presidente eterno em várias versões: sentado, com o olhar voltado para o futuro; caminhando, de mãos dadas com criancinhas; de peito empinado, entre um soldado, um camponês e alguém que carrega um livro (bingo, é o intelectual).

E onde está Kim Jong-Il, o filho?

Não demora para o visitante entender que o tirano norte-coreano, de cabelos espetados como os do cantor Chico César, é, entre os Kims, o menor. O "Querido Líder", como é chamado no país, é pouco mais do que o representante de seu pai na terra. O culto a Kim Il-sung – cujo nome não é jamais pronunciado sem um dos epítetos costumeiros: "Grande Líder", "Sol da Humanidade" ou "Inigualável Patriota" – deve-se principalmente ao fato de que, sob o seu reinado, a Coreia do Norte viveu os seus melhores dias, graças à mesada da então União Soviética. Até 1965, o PIB do país era três vezes o da Coreia do Sul e cada grão que brotava do solo era apresentado como um presente ofertado ao povo por Kim Il-sung. Quando cessou a ajuda dos camaradas russos e a grande fome do fim dos anos 90 devastou a Coreia do Norte, obrigando as embaixadas da vizinha China a instalar cercas de arame farpado para impedir que multidões de refugiados famintos pulassem os muros em busca de comida e asilo, o Grande Líder já desfrutava a paz dos mortos. Sobrou para o filho a ruína em que se transformou o país depois de décadas de isolamento e gestão calamitosa. O Chico César coreano não é exatamente um gênio da política e administração – sua opção preferencial é pelo investimento em armas nucleares. Resultado: hoje, o PIB da Coreia do Norte equivale a 3,1% do da Coreia do Sul (Veja o Quadro).


FANTASIA E REALIDADE
O outdoor com a maquete de um edifício inexistente ilustra a Pyongyang que a Coreia do Norte gostaria de ter; o bonde decrépito dos anos 70 revela a falta de infraestrutura da capital do país

A foto de Kim Jong-Il, ao lado da do pai, aparece pela primeira vez no hotel em que a reportagem se hospedou. O Yanggakdo, no centro de Pyongyang, tem 1 000 quartos e 47 andares. No fim da década de 80, quando a sua construção teve início, a inimiga Coreia do Sul havia começado a erguer em Cingapura o que seria um dos hotéis mais altos da Ásia. O Yanggakdo e o Ryugyong, esse último jamais terminado, vieram para mostrar que os norte-coreanos também eram capazes de fazer edifícios altos. Ainda que vazios. Na última semana do mês passado, dos 1.000 quartos, apenas quarenta estavam ocupados. No Yanggakdo, os telefonemas são monitorados, os fax recebidos são lidos antes de ser entregues ao hóspede e os cartões-postais enviados de lá podem ou não chegar ao destino, dependendo do seu conteúdo, conforme aviso dado pela agência de turismo chinesa. Antes de irem para os quartos, os turistas têm de entregar seu passaporte à guia norte-coreana, que ficará com ele até o fim da viagem.

Do alto do 38o andar, a visão que se tem de Pyongyang é a de uma bela cidade cercada de colinas. O Rio Taedong, margeado por árvores e parques, corre ao longo de boa parte da região central, o que faz com que, além de imaculadamente limpa, a cidade pareça fresca e verde. Pyongyang foi inteiramente reconstruída depois da Guerra da Coreia (1950-1953). Tem avenidas largas, monumentos grandiosos e nenhuma casa térrea, só prédios – monótonos, compactos, soviéticos. Nas avenidas centrais, as mulheres se vestem basicamente do mesmo jeito: saia azul e blusa branca, sempre com salto alto. Olhá-las caminhando nas calçadas provoca uma imediata sensação de estranhamento no recém-chegado – parece que falta alguma coisa na paisagem. E falta mesmo: além da ausência de lojas, os carros em circulação em Pyongyang são tão poucos que, entre a passagem de um e outro, seria possível comer um prato inteiro de kimchi – a apimentada conserva de acelga que é a base das refeições na Coreia do Norte. Mas nada supera o espanto causado pela visão das guardas de trânsito da capital. Postadas em pedestais instalados nos cruzamentos, elas mantêm uma frenética atividade de sinalização com a cabeça e os braços mesmo quando as ruas estão desertas – e elas sempre estão desertas. A explicação da guia para o comportamento é a seguinte: como, por muito tempo, os Estados Unidos impediram a Coreia do Norte de desenvolver seu programa de energia nuclear, o país passou a sofrer de um déficit crônico de eletricidade. Assim, as controladoras de tráfego atuam como semáforos humanos, já que o uso de similares eletrônicos seria um desperdício. E por que elas têm de gesticular sem parar mesmo quando não há um único carro na rua? A guia não sabe responder. Diz-se na Coreia do Norte que o Querido Líder em pessoa (também conhecido como "Inteligente Líder" ou "Respeitado Líder") é quem escolhe as belas guardas – dissimulados símbolos sexuais e heroínas de muitos dos filmes produzidos lá (Sentinela do Cruzamento, por exemplo, fala sobre "a dedicação ao trabalho e o terno amor das guardas pelo povo e também sobre a verdadeira supremacia do socialismo do nosso país", diz o texto que resume o enredo).

ELES ESTÃO DE OLHO EM VOCÊ
Passageiros norte-coreanos em vagão de trem com retratos de Kim Il-sung e Kim Jong-Il: pai e filho estão também nas estações de metrô, prédios e avenidas de Pyongyang

Já se disse que a Coreia do Norte é um lugar em que ninguém sorri. Um país cuja economia se encontra há quase quinze anos em estado de flagelo de fato não oferece motivos para riso. A cambaleante produção agrícola – que, mês sim, mês não, leva à interrupção do fornecimento das cotas de comida à população – e a fome crônica que já dura doze anos deixaram marcas visíveis nos norte-coreanos. Não nas moças que desfilam de salto alto pelas avenidas, mas nos passageiros que é possível espreitar no interior dos bondes decrépitos, fabricados na Checoslováquia dos anos 70, e nos camponeses, magros e encovados, que se veem na beira das estradas. Por causa da subnutrição, 64 anos depois da separação das Coreias, os comunistas do norte são, em média, 7 centímetros mais baixos do que os capitalistas do sul. A diferença fica clara na visita que o grupo faz à Zona Desmilitarizada, na cidade de Kaedong. A área é guardada por soldados norte e sul-coreanos, que chegam a ficar separados por apenas 50 centímetros de distância, a largura da faixa de concreto que delimita aquela fronteira entre as duas Coreias. Diante dos bem nutridos militares do sul – de ombros largos, capacetes, botas reluzentes e óculos escuros – é que se percebe quão esquálidos e pequenos são os famélicos soldados do norte, com seus uniformes rotos que dão a impressão de pertencer a seus irmãos mais velhos. Mas a aparente melancolia dos norte-coreanos não vem apenas do seu estômago vazio ou do justificado medo que eles têm de pisar fora da linha – e ir parar num dos seis campos de concentração do país, que abrigam estimados 150.000 prisioneiros políticos (veja ao lado o depoimento de uma ex-prisioneira de um campo de concentração norte-coreano). Há outro detalhe que ajuda a entender a aparente morbidez da população. A Coreia do Norte vive na escuridão – e não somente no sentido metafórico. Embora a cidade de Pyongyang, cartão de visita do país, seja poupada dos cortes diários de luz que atingem o resto do território, também lá o fornecimento de energia é precário. Pouco iluminados, museus, estações de metrô e vagões de trem ganham uma atmosfera lúgubre. Some-se a isso o hábito de as pessoas baixarem os olhos quando veem turistas (a curiosidade em relação ao mundo exterior é malvista pelo regime) e entende-se o motivo pelo qual todo norte-coreano parece profundamente infeliz aos olhos de um estrangeiro.

Na distopia totalitária de Kim Jong-Il, a população é dividida em três castas: a dos "leais", que compreende de 20% a 30% da população; a dos "neutros", em que se encaixam em torno de 60% dos norte-coreanos; e a dos "reacionários", ou "hostis" – que totaliza 10% ou 20% da população. É com base nessa classificação, com 56 subdivisões, que o governo define se uma pessoa pode ou não cursar a universidade, a quantidade de ração que vai receber e a ocupação que terá ao longo da vida. A família da guia da excursão, como a maioria das famílias autorizadas a morar na capital, pertence à casta privilegiada. A jovem estudou inglês e russo numa das melhores universidades de Pyongyang e já viajou para a China – prerrogativa rara, já que mesmo os moradores da capital têm de ter autorização para se deslocar de uma cidade para outra. Aos 29 anos de idade, bonita e inteligente, ela é uma autêntica representante da elite norte-coreana. Indagada se o fato de dois homens cami-nharem de mãos dadas nas ruas (como se vê vez ou outra em Pyongyang) significa que são homossexuais, ela, demonstrando genuíno espanto, negou. Depois, achando graça no desconhecimento da visitante, explicou: "No nosso país não há gays nem lésbicas".


FRONTEIRA
Os galpões azuis delimitam as duas Coreias. Postados entre eles, os magros soldados do norte

No penúltimo dia da excursão, a guia perguntou à repórter, que ela supunha ser uma turista, o que se falava no Brasil sobre a Coreia do Norte. Ouviu em resposta que as últimas notícias giravam em torno da realização de nova bateria de testes nucleares com mísseis de longo alcance e da suposta doença de Kim Jong-Il. Diante disso, a guia balançou tristemente a cabeça: "Não são mísseis, são satélites. E o nosso líder não está doente: goza de perfeita saúde. Vocês não deveriam acreditar em tudo o que dizem os Estados Unidos". Como reza a cartilha dos regimes totalitários, a Coreia do Norte elegeu seu Inimigo Número Um e faz dele uma presença tão constante no imaginário popular quanto o rosto do Inigualável Patriota nas ruas. O ódio ao inimigo não aparece apenas no Museu da Vitoriosa Guerra da Liberação da Pátria, onde uma soldada-guia exibe com orgulho pilhas de botas de combatentes americanos mortos na Guerra da Coreia. No parque de diversões que o grupo visitou, a versão norte-coreana do tiro ao alvo era um painel com a pintura de três soldados americanos em chamas. A brincadeira, da qual participavam adultos e crianças, consistia em acertar pedras nos buracos cavados na altura do peito de cada um. Em outro programa da excursão, os turistas foram convidados a assistir a um show em que crianças de 5 a 6 anos de idade cantavam, dançavam e tocavam instrumentos com perfeição. Os números incluíam um minicantor que, maquiado, levantava o punho enquanto jurava vingança contra "os imperialistas americanos" e uma minicantora e dançarina que descrevia entre bailados a felicidade que sentia pelo fato de os pais terem cumprido sua cota na Campanha dos 150 Dias e contribuído, assim, para o engrandecimento da pátria socialista. Para se apresentarem aos turistas, as crianças treinaram três horas diárias durante um ano e meio, informaram as professoras.

Segundo o hiperativo serviço de inteligência da Coreia do Sul, Kim Jong-Il está gravemente doente. Sua pouco revolucionária pança – abastecida por sushis e sopa de barbatana de tubarão, suas iguarias preferidas, conforme entregou ao mundo um de seus ex-chefs – hoje parece tão murcha quanto seu outrora eriçado topete. Se a informação for verdadeira, a Coreia do Norte terá em breve uma chance de sair da escuridão. A morte de Kim Jong-Il pode começar a pôr fim ao totalitarismo mais eficiente do mundo. O desconhecido Kim Jong-un, filho caçula de Kim Jong-Il, não seria capaz de manter, acreditam especialistas, o regime e seus dois principais pilares: o culto à personalidade dos Kims e o isolamento do país.


BELAS E INÚTEIS
Escolhidas pessoalmente por Kim Jong-Il, segundo se diz, as controladoras de trânsito mantêm sua coreografia mesmo quando as ruas estão vazias, o que é frequente em Pyongyang

Esse isolamento já começa a apresentar fendas. Indício disso seriam recentes movimentos de Kim Jong-Il – como a libertação das jornalistas americanas capturadas em março, com a intercessão do ex-presidente Bill Clinton, e a autorização para a entrada de turistas sul-coreanos em território nacional, dada na semana passada. Outro sinal seria o surgimento de uma classe de comerciantes no país. Estima-se que já existam na Coreia do Norte mais de 300 pequenos e grandes mercados de produtos contrabandeados – roupas, alimentos e mercadorias provenientes da China. O governo faz vista grossa para o negócio, já que parte do lucro acaba revertendo para ele em forma de suborno. "Assim como aconteceu na antiga União Soviética, o aparecimento de uma elite econômica, paralela à elite política, sinaliza o enfraquecimento do regime", acredita o professor sul-coreano Ji-sue Lee, da Universidade Myongji, em Seul.

Ao fim da excursão, a volta do grupo para a China é feita de trem. Na fronteira, soldados do Exército do Povo Coreano entram nos vagões para uma revista que dura quase quatro horas. Todos os passageiros têm suas malas e câmeras fotográficas vasculhadas. Soldados olham foto por foto e, sem cerimônia, apagam as imagens que não lhes agradam – em geral, cenas de pobreza em Pyongyang. Uma das soldadas para, maravilhada, diante de uma turista obesa, sentada em uma das cabines. Gesticula e chama um colega, que fita a mulher com igual admiração. Os dois sorriem para ela e balançam afirmativamente a cabeça, como que a cumprimentando pela boa fortuna – no país em que tantos perecem de fome, ser gordo é ser feliz.


BILL E KIM
Bill Clinton posa ao lado de Kim Jong-Il pouco antes da libertação das jornalistas americanas. O líder norte-coreano estaria gravemente doente

Pouco antes de embarcar no trem, esta repórter havia procurado a guia para relatar-lhe um "problema". Contou-lhe que, cumprindo a determinação recebida, havia levado com cuidado para o hotel a edição do Pyongyang Times com a foto de Kim Jong-Il. Que, durante os seis dias da excursão, manteve o jornal perfeitamente esticado sobre a penteadeira. Que, no momento de fazer as malas, achou por bem não levar o jornal e, assim... A guia acompanhou o relato arregalando progressivamente os olhos amendoados, a ponto de virarem uma perfeita circunferência. Ao final, quando soube que o jornal havia sido deixado intacto sobre a penteadeira do quarto, suspirou aliviada: "Pensei que você o tivesse jogado no lixo". Esta repórter achou graça na reação da jovem, mas o que havia visto nos seus olhos segundos antes era algo próximo do terror. A Coreia do Norte pode ser um circo, mas, para os participantes compulsórios desse espetáculo, ele está longe de ser divertido.


UM DESERTO DE CONCRETO
Com o traje que é quase um uniforme das norte-coreanas, blusa branca e saia azul, mulher conversa com amiga em meio a uma avenida vazia em Pyongyang

"Fiquei dois meses num campo de concentração"


"Resolvi fugir da Coreia do Norte depois de ver minha neta de 6 anos morrer de fome, em 1998. Fui presa nas duas primeiras tentativas. Da segunda vez, fui mandada para Chongjin (campo de concentração no norte do país), onde fiquei por dois meses. Tive sorte de sobreviver. A comida que eles dão aos prisioneiros não serve nem para os porcos: é uma mistura de água com cascas de grãos mofadas ou podres. Os guardas são treinados para nos tratar como insetos. Vi-os chutar com suas botinas a barriga de uma jovem grávida capturada na China. Gritavam que ela carregava o filho de um chinês no ventre. O bebê nasceu e eles o deixaram chorando num canto até que morresse. Escapei porque adoeci gravemente e meu irmão subornou guardas para que dissessem que eu havia morrido. Moro em Seul há oito anos. Na Coreia do Norte, eles dizem que a sociedade daqui é doente e decadente e que lá é o paraíso dos trabalhadores. Como eles podem enganar as pessoas assim?"

Jong Bok Soon, de 63 anos

"Há os que fogem e depois voltam.
Acho que essas pessoas são loucas"



"Eu era criança e estava visitando a fábrica em que meu pai trabalhava. Peguei um graveto e escrevi no chão de areia: ‘Kim Il-sung’. O chefe do meu pai viu e ficou furioso: ‘Como você escreve o nome do Grande Líder no chão?’. Tive medo e comecei a esfregar os pés na areia para desmanchar o que havia escrito. Isso o deixou ainda mais furioso: eu não devia estar usando os meus pés para apagar aquele nome. Lembro do meu pai se ajoelhando diante do chefe e implorando para que não me denunciasse. Consegui fugir de lá há sete anos. Sei de pessoas que escapam da Coreia do Norte e voltam, dizendo-se decepcionadas. Isso acontece porque a imagem que elas têm da Coreia do Sul é aquela que veem nas novelas contrabandeadas, em que todos são ricos. Quando chegam, percebem que é preciso encontrar emprego, um lugar para morar e, aí, resolvem voltar. Eu acho que essas pessoas são loucas."

Oh Sun Hwan (nome fictício), de 32 anos

"Não tinha nenhum sonho, não vim
atrás de liberdade. Fugi para sobreviver"



"Em 1999, eu, minha mãe e meu irmão fugimos para a China. Minha mãe se casou com um chinês e nós moramos com ele por três anos, até que vizinhos nos denunciaram, a polícia apareceu no meio da noite e fomos mandados de volta para a Coreia do Norte. Pouco depois, conseguimos fugir novamente e chegar a Seul. Não tinha nenhum sonho, não vim em busca de liberdade – só queria sobreviver. Entre 1997 e 1998, minha avó, meu avô e meu pai morreram de fome. Atualmente, estudo psicologia na Universidade Sogang. No começo, eu me sentia incomodada ao ouvir colegas se referirem de maneira desrespeitosa a Kim Il-sung e a Kim Jong-Il. Também ficava confusa quando diziam que muita coisa do que eu havia aprendido lá não era verdade. Hoje, não tenho mais tanto respeito por Kim Jong-Il. Mas continuo admirando Kim Il-sung. Ele é como se fosse o nosso pai."

Keum Ju (nome fictício), de 24 anos

"Passei trinta anos sequestrado na Coreia do Norte


"Eu cresci na Coreia do Sul e sobrevivi a duas guerras: lutei na da Coreia e na do Vietnã, ao lado dos americanos. Quando voltei do Vietnã, em 1975, no meu primeiro dia de trabalho num barco pesqueiro, fui sequestrado por norte-coreanos com outros 32 homens. Fiquei trinta anos naquele país. Eles usam os sequestrados para fazer propaganda do regime: somos apresentados como se tivéssemos deixado a Coreia do Sul voluntariamente. Em 2005, meus irmãos conseguiram subornar um traficante para me trazer de volta. O traficante disse que traria também minha família – eu constituí uma na Coreia do Norte –, mas nunca cumpriu a promessa. Soube depois que, por causa de minha fuga, minha mulher e meus filhos foram mandados para um campo de concentração. Nunca mais tive notícias deles."

Goh Myong Seop, de 65 anos

Offline Felius

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Re: Reportagem sobre Coréia do Norte
« Resposta #12 Online: 24 de Abril de 2010, 19:08:39 »
Alguns documentários sobre a situação da Coreia do norte


"The patient refused an autopsy."

Offline Gordon Nerd

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #13 Online: 27 de Abril de 2010, 21:41:37 »
cara do ceu que topico é esse esta de muito parabens topico legal pra caramba parabens mesmo  :D :D :D :D :D
Se A é o sucesso, então A é igual a X mais Y mais Z. O trabalho é X; Y é o lazer; e Z é manter a boca fechada.

Os homens inteligentes não podem ser bons maridos, pela simples razão de que não se casam.

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Re: Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #14 Online: 20 de Maio de 2010, 18:12:39 »
Aproveitando a desculpa da Copa, a Globo enviou o Marcelo Madureira à Coreia do Norte para mostrar o país. As piadas são previsíveis, mas vale pelas cenas.

<a href="http://video.globo.com/Portal/videos/cda/player/player.swf?midiaId=1264544" target="_blank" class="new_win">http://video.globo.com/Portal/videos/cda/player/player.swf?midiaId=1264544</a>

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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #15 Online: 01 de Novembro de 2011, 04:17:54 »
Já que esse tópico é onde mais se falou sobre a situação econômica da Coreia do Norte...

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Último país comunista ortodoxo, Coreia do Norte ensaia passos tímidos à reforma econômica


Kim Jong-um, o vice-premier da China (centro) e Kim Jong-il, em Pyongyang

Imagine um país que desconhece a modernidade e a globalização. Onde reina o silêncio. Onde não se veem carros nas ruas. Onde as pessoas caminham em fila indiana porque formar grupos é considerado crime. Onde o ar que se respira é puro porque não existe poluição. E onde a escassez de energia, de bens de consumo e da maior parte das tecnologias que hoje fazem parte do cotidiano no resto do mundo o transformou num país de opereta, num palco colorido onde atuam 23 milhões de pessoas crentes que vivem no paraíso. Este país existe e se chama Coreia do Norte.

Pyongyang, a capital, é a enganosa vitrine do paraíso artificial e imaginário criado pelo ex-líder guerrilheiro comunista Kim Il-sung ao fim da Segunda Guerra, em 1945. Por trás de um certo ar de modernidade - prédios altos, claros, bem alinhados, de fachada impecável, jardins bem cuidados - esconde-se a verdadeira natureza do país. Nos edifícios não há elevador, os cortes de água e luz são frequentes. Para cozinhar ou tomar banho, os moradores sobem vários andares a pé carregando latas d'água. Por isso, a população recorre aos banhos públicos, cuja frequência média é de um por semana para os homens e dois para as mulheres. Uma guia oficial explica que, quando não pode lavar o cabelo todo, lava apenas a franja.

- É o que mais aparece - desculpa-se.

Manter as aparências, aliás, não é só um jeitinho dos norte-coreanos de levar a vida em circunstâncias de privações - a ajuda internacional, para dar apenas um exemplo, fornece comida a seis milhões de pessoas (25% da população), e uma em cada três crianças é desnutrida. O maior adepto dessa estratégia é o governo comunista de Kim Jong-il, o Querido Líder, filho do fundador do país. Quando as autoridades organizam um evento importante, se delegações estrangeiras forem convidadas, Pyongyang - normalmente uma cidade-fantasma, deserta, melancólica e fria - muda. Agora em outubro, na Sétima Feira Industrial de Outono de Pyongyang, as ruas foram decoradas, as lojas foram abastecidas para dar a impressão de prosperidade, e as pessoas feias e os deficientes físicos, exilados em aldeias próximas para que os visitantes tivessem a impressão de que no "paraíso dos trabalhadores" todo mundo é bonito e saudável.

Pequenas mudanças para manter controle

Mas Kim Jong-il sabe que num mundo pós-Guerra Fria, onde o comunismo virou peça de museu e a tecnologia avança a passos impressionantes, o isolamento a que seu país se autoimpôs - e que foi reforçado por embargos internacionais em reação ao programa nuclear bélico norte-coreano - a médio ou longo prazo pode significar o fim da Coreia do Norte, numa reunificação comandada pela rica Coreia do Sul. Talvez por isso o regime esteja dando os primeiros passos rumo a uma tímida liberalização da economia, sob o incentivo da vizinha e aliada China, que há três décadas já começou a seguir esse caminho e hoje é a locomotiva do crescimento mundial.

O desafio é gigantesco. Na Sétima Feira Industrial de Outono, o objetivo era atrair empresários e investidores para uma economia claudicante. A produção agrícola entrou em colapso nos dois últimos anos por causa das enchentes que destruíram as colheitas. A recessão econômica é também causada pela escassez de fontes de energia, o que provoca apagões permanentes em todo o território norte-coreano, inclusive na capital. Sem eletricidade, não é possível explorar as principais riquezas do país: os minérios e o carvão. A agricultura também sofre com a falta de energia, e num passeio no campo salta aos olhos a inexistência de máquinas agrícolas, mesmo rudimentares - todo o trabalho é feito à mão.

Para tentar livrar-se do círculo vicioso de miséria e subdesenvolvimento - reforçado por gastos militares astronômicos que engolem parte substancial dos recursos do país, dono do quarto maior Exército do planeta - a Coreia do Norte conta sobretudo com a China. Pequim fornece energia, alimentos, financia obras de infraestrutura, como uma autoestrada que atravessa todo o território norte-coreano para o escoamento das exportações chinesas à Coreia do Sul. Os chineses obtiveram também concessões portuárias e exploram as minas.

- Os dirigentes da Coreia do Norte acabaram seguindo os conselhos de Pequim e admitem agora que o caminho é a transição de um sistema estatal para uma economia de mercado - aponta um diplomata em Pyongyang. - A pressão da China resultou numa mudança gradual, mas indiscutível.

Um sinal da incipiente transição a uma economia de mercado - provavelmente nos moldes do capitalismo de Estado chinês - é o surgimento de mercados livres, onde os norte-coreanos podem fazer negócios, vender a produção de suas hortas e pomares e até juntar algum dinheiro. Porém, o regime teme que o ritmo da transição econômica seja muito rápido e não quer abrir mão do controle da economia. Assim, os mercados livres só abrem dois dias por semana, e somente pessoas com mais de 50 anos têm direito ao status de comerciantes.

Outro sinal são os restaurantes e bares de livre entrada na capital, os primeiros automóveis particulares que já começam a ser vistos nas ruas e a autorização de fazer negócios ou de abrir lojas. Com isso, ocorreu a formação de uma classe média, até então inexistente. Na capital, meio milhão de celulares são indícios de lentos avanços. Além disso, preços e salários não são mais decididos pelo Estado, a economia foi "monetarizada" com o desaparecimento dos cupons de racionamento e a substituição pelo won, a moeda local, pouco utilizada pela população até serem feitas as reformas econômicas iniciadas em 2003 e relançadas em 2008. A eliminação dos cupons transformou radicalmente a vida dos norte-coreanos, dando-lhes certa independência do Estados em seus gastos pessoais.

- Se não fosse o embargo internacional, eu viria abrir um negócio aqui - confidenciou um empresário suíço em sua primeira visita a Pyongyang.

E não é apenas na estrutura da economia que o Querido Líder ensaia novas abordagens. A Coreia do Norte ambiciona também tornar-se um polo de desenvolvimento das tecnologias de ponta do Nordeste da Ásia. Segundo Leonid Petrov, especialista em assuntos norte-coreanos na Universidade de Sydney, na Austrália, Kim Jong-il compreendeu que o futuro da região em geral e de seu país em particular seria "o desenvolvimento acelerado das hightechs, apesar dos riscos que comporta uma abertura do país ao fluxo global de informações".

Mas que ninguém se engane: o ditador não tem a intenção de afrouxar as rédeas do poder, diz Petrov. Para o especialista, a ideia não é abrir o setor hightech à população, cujo controle político e ideológico é fundamental para a permanência da ditadura.

- O objetivo é ambicioso, mas restrito, pois o que se quer é modernizar e informatizar equipamentos do Exército.

Com esse objetivo, foi criado o Korea Computer Center, num investimento de US$ 530 milhões, além de dois outros polos hightech: o Pyongyang Informatics Center e o Daedong River Electronic, ambos fabricantes de peças de computador, cuja exportação através da China rende importantes divisas para o país.

Ninguém se atreve a prever onde vai dar esse flerte com a modernidade. Para o regime, perder o controle do fluxo das informações poderia ser o início do fim de um sistema baseado no isolamento e na ignorância sobre o que acontece no resto do mundo. A informação livre poderia ser o primeiro golpe na monolítica estrutura de poder da Querida Família.

http://oglobo.globo.com/mundo/mat/2011/10/29/ultimo-pais-comunista-ortodoxo-coreia-do-norte-ensaia-passos-timidos-reforma-economica-925699359.asp

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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #16 Online: 01 de Novembro de 2011, 08:58:27 »
Eu acho que não existe um país mais caricato do que a Coréia do Norte.

Ei. Espere. Talvez exista sim.

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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #17 Online: 01 de Novembro de 2011, 09:15:30 »
Tarda a hora da Coréia do Norte cair. Essas medidas são péssimas, pois podem prolongar a vida desse regime por mais algumas décadas.
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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #18 Online: 01 de Novembro de 2011, 14:04:36 »
Fantástico o relato. Essa parte que destaco é hilária.

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Quando ela volta, já sou outro, e começo com um lengalenga propositadamente confuso, e não adianta forçar nada porque só falta eu perguntar onde está a estátua mais próxima do Grande Líder, acometido que sou de um irresistível desejo de colocar mais flores aos seus pés.

 :histeria:

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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #19 Online: 15 de Abril de 2016, 20:41:29 »
Saiu uma reportagem com vídeo sobre a censura na Coreia do Norte, mas não consegui colocar o vídeo aqui, então vai só o link:

Documentário mostra como funciona a censura no regime mais fechado do mundo

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Re:Relato de viagem a Coréia do Norte
« Resposta #20 Online: 25 de Abril de 2016, 18:57:50 »
De novo não consegui incluir o vídeo, então vai só o link
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O horror que é viver na Coreia do Norte

Jovem refugiada conta em lágrimas atrocidades inimagináveis

Uma jovem norte coreana de 21 anos, Park Yeon-mi, fugiu do seu país depois de ver amigos e familiares serem assassinados. Agora tornou-se numa ativista que utiliza o poder das redes sociais para contar ao mundo o terror que se vive na Coreia do Norte. Veja o discurso comovente que Park Yeon-mi faz neste vídeo – em inglês mas com legendas em espanhol – da fundação ‘One Young World’.

http://www.cmjornal.xl.pt/multimedia/videos/detalhe/jovem_conta_o_terror_que_e_viver_na_coreia_do_norte.html

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