Tópico: Quais os autores e obras futuristas que mais acertaram?

[Buckaroo Banzai]

Por "futuristas" estou me referindo a "previsão do futuro", não como vidência (Nostradamus, mãe Diná, etc) ou qualquer coisa do tipo, e nem tanto como ficção científica, mas como especulação pretensamente mais séria, menos avoada, sobre as possibilidades sobre o desenrolar da história e etc.

Conhecem sobre esse assunto?

O contrário do que eu queria saber especificamente também é interessante de se comentar, os maiores erros que pareciam mais próvaveis, algo que era praticamente unânime como perspectiva para o futuro, mas nunca aconteceu.

[Pedro Reis]

É interessante isso.

Há muito tempo eu li um livro do Hermann Khan com previsões para o ano 2000. Não me lembro muito bem do livro só sei que
a maioria das previsões eram ridículas. Havia capítulos sobre tecnologia, geopolítica, economia, etc...

Khan previu coisas como calçadas rolantes para o início do século 21 (deve ter tirado a idéia do desenho animado
dos Jetsons ), o provável fim de todas as doenças contagiosas e que o Japão deveria se converter nas primeiras
décadas do século na maior potência mundial. Estas são algumas das muitas previsões bisonhas que me lembro no
livro de Kahn.

O que faz Hermann Kahn diferente de outros autores é que ele foi o mais proeminente futurista dos anos 60 e presidia
uma fundação ( que recebia rios de dinheiro do governo americano muito interessado nestas previsões )  dedicada
a desenvolver metodologias "científicas" para a previsão do futuro.

Nos anos 60 as pessoas levavam Kahn e o seu instituto muito a sério mas hoje se alguém ler algum dos muitos livros que
ele publicou chora de rir.

Detalhe: entre os muitos possíveis e prováveis cenários geopolíticos que o Instituto de Kahn desenhou para o ano 2000
nenhum deles considerava a hipótese do colapso da União Soviética.

[Dodo]

Quando adolescente eu lia muito Julio Verne, nos livros deles foram "previstos" o fax, submarinos, bombas com imenso poder destrutivo, viagens a lua, veículos mais pesados que o ar, etc.

Arthur C. Clarke talvez tenha sido outro que acertou em algumas coisas, se não me falha a memória (corrijam-me por favor) ele previu ou calculou a órbita geoestacionária que é usada por diversos satélites.

Mas se levarmos em conta não apenas livros, mas também a TV e o cinema, acho que a série Jornada nas Estrelas inspirou muitas coisas que são comuns nos dias de hoje.

[Unknown]

Khan previu coisas como calçadas rolantes para o início do século 21

Já há algo assim em Seul, se não me engano.

[Athena]

Julio Verne.

[Buckaroo Banzai]

Embora os aspectos tecnológicos sejam até que meio interessantes, acho a parte mais fraquinha da coisa. O mais interessante para mim seria saber sobre acertos e erros sobre previsões de eventos históricos, geopolíticos e sociais, como colapso da URSS, mencionado, e esse tipo de coisa.


Umas coisas que me lembro de ouvir falar, sem lembrar os autores, são temores nacionalistas nos EUA, sobre a imigração dos chineses, que por terem mais filhos, dentro de algumas décadas (acho que se estimava pelos anos 90) seriam a maior parte dos americanos; também italianos e irlandeses inspiravam temor parecido; os alemães causavam medo similar, mas acho que mais pela influência cultural, a "alemanização" ou "germanização" dos EUA. Há um reavivamento desse tipo de previsão nos EUA com os latinos vindos principalmente da América do Sul, e tenho a impressão que com os muçulmanos em alguns países europeus.

[Herf]

Li há um bom tempo atrás alguns livros do Alvin Toffler. Ele escreveu uma trilogia com especulações, políticas e sociais, sobre o futuro próximo. Um livro foi escrito na década de 70, o outro na de 80 e o último na de 90. Um deles era A Terceira Onda e outro Powershift.

Pelo pouco que me lembro, até que era interessante, mas ele não fazia nenhuma "previsão" muito precisa, falava de um modo mais vago.

[Herf]

Outro de que me lembrei: Francis Fukuyama - Nosso futuro pós-humano.

[Pedro Reis]

A única previsão sobre o futuro que  se pode fazer com boa dose de certeza é a de que
a grande maioria das previsões irão todas falhar.

Futurologia é uma "ciência" ingrata. Ao contrário das ciências naturais onde os agentes
são os constantes fenômenos naturais, nas ciências sociais o agente é o homem, capaz de
se prevenir e antecipar consequências.

Exemplificando de maneira simplista, se eu puder prever que serei atropelado esta tarde
então certamente eu não seria mais atropelado esta tarde. Hoje seria um dia em que eu
tomaria todas as providências para não sair de casa.

Esse é o problema com a maioria dos futurólogos, eles simplesmente projetam as tendências
do presente no futuro. Como o 1984 totalitário e sombrio de George Orwell, escrito sob o
clima depressivo e pessimista do pós-guerra, ou as cidades do século 21, chuvosas onde era
sempre noite no céu enegrecido pela fumaça, do Blade Runner.

Esse era também o erro que o Herman Khan cometia. Como até a década de 60 o comunismo tinha
apenas avançado no mundo, e naquela década avançava na Ásia, em Cuba na América Latina, em
nações africanas recém-libertas do colonialismo, como Angola, então imaginava-se o comunismo
avançando ainda mais nas próximas décadas. Marx também, quando analisou as contradições do
capitalismo na sua obra, concluiu que estas eram insustentáveis e previu que este sistema
econômico seria substituído pelo socialismo.

Esta previsão, assim como outras, ignorou o óbvio, que o capitalismo seria capaz de se
reformar para enfrentar uma ameaça ideológica que antes não existia.

Por isso eu não creio particularmente em previsões catastróficas.

Toda catástrofe que pode ser prevista pode também ser evitada.

[Buckaroo Banzai]

Mas ainda assim, tem gente que acerta em algo, seria interessante entender se é só "loteria", ou se eles fazem mesmo uma análise mais precisa, menos fantasiosa. Ou mesmo através de múltiplos cenários alternativos. Um caso (possivelmente do iniciador das previsões de superação numérica de outras raças nos EUA) que me chamou a atenção de aparente sucesso, mas que pode ter sido inflado:

Some predictions made in The Rising Tide of Color were accurate, while other were not. Accurate ones — not all of which were original to Stoddard or predicated on white supremacy — include: Japan's rise as a major power, a Nippo–American war, a second war in Europe, the overthrowing of European colonial empires in Africa and Asia, the mass migration of non-white peoples to white countries, and, most interestingly, the rise of Islam as a threat to the West because of Muslim religious fanaticism (Stoddard was an Islamic scholar and published the book The New World of Islam in 1921).

http://en.wikipedia.org/wiki/Lothrop_Stoddard

[Pedro Reis]

Eu acho que algumas previsões são fáceis de serem feitas.

Algumas tendências são claras e irreversíveis.

Eu prevejo que daqui no máximo 25 anos o livro terá sido substituído pelo livro eletrônico. Prevejo que com a facilidade
de incluir conteúdo interativo nessa tecnologia, o barateamento das telecomunicações e a difusão da internet, o ensino a distância
e o auto-ensino serão ferramentas eficientes para promover a Educação em países pobres.

Isso vai acontecer, mas essa previsão não é nada demais.

Em "Ascenção e Queda do III Reich" vemos que Hitler previu a divisão do mundo em dois blocos de influência, o fim do colonialismo
e que os EUA "herdariam" o império britânico.

Mas isso também não foi nenhum prodígio. Acho que, naquela altura, Hitler não era o único imaginando isso.

Já algumas previsões de Stoddard parecem impressionantes mas será que ele acertou mesmo?

Para se ter uma idéia do quanto a sua análise era acurada a gente tem que saber não só o quanto ele acertou mas também o quanto ele errou.

Esse cara era um ideólogo do racismo, todo o discurso dele era em cima da tese ( completamente falsa! ) de que a civilização branca
e ocidental estava iminentemente ameaçada pela expansão das raças inferiores.

Na sua propaganda alarmista ele usou todo tipo de argumento para corroborar a teoria de que uma política eugenista, anti-imigração,
de segregação e de preservaçao dos valores culturais europeus era necessária para a proteção de uma civilização que ele julgava
como superior e farol da humanidade.

A idéia era a de que o fim da supremacia "branca" seria o mesmo que decadência e precisava ser combatida. Assim os impérios coloniais
estavam em perigo e os povos colonizados, bárbaros e inferiores por natureza, deveriam ser mantidos em seus lugares, caso
contrário haveria massivas ondas de imigração em direção a Europa e EUA, o que levaria ao caos social.

O Japão, industrializado desde o séc. 19, era uma ameaça e precisava ser detido. Muçulmanos também seriam fanáticos e mais
cedo ou mais tarde se lançariam contra o Ocidente.

Esse tipo de coisa...

Mas pra mim ele não acertou nada! Stoddard estava tão errado quanto é possível estar.

Veja, por exemplo, a questão das tensões entre o radicalismo islâmico e o Ocidente.

Isso tem relação - principalmente - com o conflito Árabe-Israelense e a posição historicamente pró-Israel dos EUA. Mas tem relação
também com o fato do Ocidente, há cem anos, instalar, apoiar e manter regimes ditadorais e retrógrados do Oriente Médio, que
garantem o acesso a importantes recursos mas mantém os países árabes sob teocracias do séc. XIII.

Governos democráticos e progressistas no Irã e no Iraque foram derrubados para instalar o partido Baath de Saddan e o Xá,
marionetes dos EUA. E o governo corrupto do Xá Rheza Pahalevi acabou sendo o estopim para a revolução que levou o radical
Khomeini ao poder.

A CIA também, pouca gente sabe, trabalhou bastante para promover o radicalismo islâmico, financiando madrassas (escolas religiosas)
no Paquistão e dentro de países árabes. Os fanáticos que eram formados por essas escolas se tornavam combatentes contra o regime pró-Moscou do Afeganistão e, acreditavam os americanos, ajudariam a desestabilizar a própria URSS, difundindo o fundamentalismo islâmico dentro das repúblicas de maioria muçulmana que integravam a União Soviética.

Foi assim que Bin Laden se tornou agente da CIA e depois usou o que aprendeu para fundar a Al Qaeda. Esta política acabou tb,
hoje, se refletindo no conflito da Chechênia.

Mas na Malásia o islamismo vai bem e próspero, sem radicalismos nem tensões com o ocidente.

Porque sem esses fatores não haveria hoje o que muitos querem ver como um conflito entre o islã e as democracias cristãs do
ocidente. Mas Stoddard não previu nada disso, ele nem nunca imaginou estas causas e portanto não poderia ter previsto as
consequências.

Ele era só um racista, com um discurso que tentava assustar as pessoas e faze-las acreditarem que os povos não brancos eram
maus e uma ameaça.

Acho que podemos fazer avaliações semelhantes em relação a várias outras previsões que Stoddard parece ter acertado.

Foi só coincidência, a análise por uma ótica racista dele era completamente equivocada.

[Dr. Manhattan]

Talvez seja mais interessante ver qual foi a maior furada dos futuristas.
Nao li nenhum dos supostos experts, mas julgando pelos autores de ficçao científica de até meados do século XX
(que, ao contrário do que muita gente pensa, nao estao no ramo das previsoes), dois eventos passaram em branco:
a Liberaçao Feminina e a ascençao da Internet.

Em quase todas as histórias de autores dessa época, mesmo as que se passam num futuro distante, a mulher continua
tendo apenas os papéis de mae e dona de casa e é sempre tratada de forma condescendente. Isso é verdade até para
escritores mais liberais (no sentido americano da palavra) como o Asimov. A internet praticamente ninguem previu. Uma
exceçao curiosa é o conto "A logic named Joe", de Murray Leinster, publicada em 1946 [1].

[1] http://www.baen.com/chapters/W200506/0743499107___2.htm