Autor Tópico: A Hora do Vampiro - S. King - retrato de uma realidade? (contém spoiler)  (Lida 725 vezes)

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Offline Nyx

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Cap 6, Livro 2 :


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Roy McDougall parou na entrada do seu trailer às oito e meia, acelerou o motor do seu velho Ford duas vezes e depois o desligou. O tubo do exaustor pifara, os faróis pisca-pisca não funcionavam e a inspeção seria no mês seguinte. Que beleza de carro. Que beleza de vida. O menino berrava dentro do trailer e Sandy gritava com ele. Que beleza de casamento.
Ele saiu do carro e tropeçou numa das lajes que comprara havia meses para o projeto, sempre adiado, de fazer uma passarela ligando o trailer à calçada.
— Merda — ele murmurou, lançando um olhar terrível para a laje e esfregando a canela.
Roy estava bêbado. Saíra do trabalho às três e desde então se pusera a beber no Dell’s com Hank Peters e Buddy Mayberry. Hank andava abonado e parecia disposto a beber todo o dinheiro extra, seja de onde viesse. Sabia o que Sandy achava de seus amigos. Ela que se danasse. Negar a um homem umas cervejinhas no sábado e domingo, depois de ele trabalhar a semana toda como um escravo na máquina de desatar fibras, e ainda fazendo hora extra no fim de semana? Quem era ela para reclamar? Passava o dia sem fazer nada além de limpar a casa, conversar com o carteiro e ver se o menino não entrava no forno. E nem cuidava bem dele ultimamente. Outro dia mesmo deixara-o cair da mesa de trocar.
O que você estava fazendo?
Eu estava segurando ele, Roy. É que ele não pára quieto,
Não pára quieto. Sei.
Ele andou até a porta, ainda bufando. A pancada na perna doía. Não que Sandy fosse se importar. E o que ela fazia enquanto ele suava feito um porco para aquele capataz cretino? Lia revistas de fofocas comendo bombons de cereja ou assistia a novelas comendo bombons de cereja ou tagare­lava com as amigas ao telefone comendo bombons de cereja. Estava ficando com espinhas não só na cara, mas na bunda. Logo não daria para saber qual era qual.
Ele abriu a porta e entrou.
A cena o atingiu com violência, apagando o fogo da cerveja como um balde de água fria: o bebê gritava, nu, sangue escorrendo pelo nariz; Sandy o segurava, a blusa manchada de sangue, olhando para o marido com o rosto contraído de surpresa e medo; a fralda no chão.
Randy, com marcas escuras em torno dos olhos, estendia as mãos como numa súplica.
— O que está acontecendo aqui? — Roy perguntou lentamente.
— Nada, Roy. Ele só...
— Você bateu nele — disse Roy, com voz monótona. — Ele não parava quieto para você pôr a fralda e você bateu nele.
— Não — ela disse rapidamente. — Ele rolou e bateu o nariz, só isso. Só isso.
— Eu devia arrancar seu couro — disse ele.
— Roy, ele só bateu o nariz...
Ele deixou cair os ombros.
— O que tem para comer?
— Hambúrgueres. Mas queimaram — disse ela com petulância, tirando a ponta da blusa de dentro dos jeans para limpar o nariz de Randy. Roy viu a baleia que ela estava virando. Nunca recuperara o corpo depois da gravidez. Nem tentara.
— Faça ele calar a boca.
— Ele não está...
— Faça ele calar a boca!— gritou Roy, e Randy, que na verdade já parara de chorar e fungava, voltou a gritar com força.
— Vou buscar a mamadeira — disse Sandy, levantando.
— E traga meu jantar. — Ele começou a tirar a jaqueta de brim. — Santo Deus, que bagunça que está este lugar. O que você faz o dia todo, fica tocando siririca?
— Roy! — exclamou ela, em tom ofendido. Depois deu um risinho. Sua louca explosão’ de raiva porque o bebê não parava quieto para que ela prendesse as fraldas começou a se tornar distante, nebulosa. Como se tivesse acontecido numa das novelas da TV.
— Traga meu jantar e depois arrume essa porcaria de lugar.
— Está bem, está bem... — Ela tirou uma mamadeira da geladeira e colocou Randy no chiqueirinho. Ele começou a sugar o leite com apatia, os olhos indo da mãe para o pai em círculos sem saída.
— Roy?
— Hum. Fale.
— Acabou.
— O quê?
— Você sabe. Você quer? Hoje?
— Claro — disse ele. — Claro. — E pensou de novo: Que beleza de vida. Que beleza de vida.
« Última modificação: 21 de Abril de 2009, 20:51:59 por Lela »

Offline Kmile

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Re: A Hora do Vampiro - S. King - retrato de uma realidade? (contém spoiler)
« Resposta #1 Online: 21 de Abril de 2009, 21:14:25 »
Eu sou suspeita para falar de Sk, pois sou fã dele demais. Mesmo no meio de toda a ficção que ele escreve, certas vezes descreve o comportamento humano com exatidão, mesmo nas situações bizarras que estão inseridas. Alguém já leu o conto dele "The Misty"? 
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Mark Twain

Offline Dodo

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Re: A Hora do Vampiro - S. King - retrato de uma realidade? (contém spoiler)
« Resposta #2 Online: 21 de Abril de 2009, 21:53:32 »
Eu sou suspeita para falar de Sk, pois sou fã dele demais. Mesmo no meio de toda a ficção que ele escreve, certas vezes descreve o comportamento humano com exatidão, mesmo nas situações bizarras que estão inseridas. Alguém já leu o conto dele "The Misty"? 

Eu li o conto original e assisti também a adaptação dirigida pelo Frank Darabont.

Os dois são excelentes.
Você é único, assim como todos os outros.
Alfred E. Newman

Offline Kmile

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Re: A Hora do Vampiro - S. King - retrato de uma realidade? (contém spoiler)
« Resposta #3 Online: 21 de Abril de 2009, 22:31:13 »
Excelente também a mostra das reações humanas frente a uma catástrofe e como se formam grupos e tal. Quando a coisa vai apertando, muitos se bandeiam para o lado da maluca religiosa aquela....
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Mark Twain

Offline Penny Lane

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Re: A Hora do Vampiro - S. King - retrato de uma realidade? (contém spoiler)
« Resposta #4 Online: 21 de Abril de 2009, 22:52:37 »
É um trecho seco, seco e triste, porque é comum infelizmente em muitas casas (mais do que se pensa). A família deixa de ser família e por pouco não se tornam todos estranhos entre si.
Pungente Lela.
::)

 

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