África do Sul vota no teste mais duro para o CNAOs sul-africanos foram às urnas nesta quarta-feira numa eleição que representa o maior desafio para o partido Congresso Nacional Africano (CNA), partido de Nelson Mandela, desde o fim do apartheid e que pode enfraquecer seu domínio no Parlamento.
O CNA deve conquistar o governo pela quarta vez consecutiva desde a eleição de Mandela, em 1994, derrotando a minoria branca. Jacob Zuma, líder do partido, deve ser consagrado como presidente, semanas depois de conseguir arquivar por razões técnicas uma acusação de corrupção.
"Acho que as pessoas darão ao CNA um mandato maior para tentar superar alguns dos desafios do governo. Lembrem-se que Roma não foi feita em um dia", disse o eleitor Alex Saziwa, um empresário de 72 anos que votava em Langa, subúrbio da Cidade do Cabo.
Mas o partido corre o risco de perder espaço no Parlamento, enquanto a oposição espera aproveitar a frustração do eleitorado com a corrupção, a pobreza e a criminalidade. O CNA precisaria conquistar dois terços do total de deputados para ter a possibilidade de emendar a Constituição e afirmar ainda mais o seu poder.
Filas se formaram já durante a madrugada nas seções eleitorais de todo o país, o mais rico e influente do continente.
Ao votar em sua aldeia zulu de Nkandla, Zuma,de 67 anos, ex-ativista que ficou preso com Mandela, mostrava-se confiante: "Quando eu cresci, sabia que esse dia chegaria."
O histórico do CNA na luta contra o
apartheid faz o partido ser o preferido por milhões de eleitores negros. Analistas acreditam que a agrupação terá entre 60-66 por cento dos votos. Em 2004, obteve quase 70 por cento.
"O CNA tem uma propensão ligeiramente maior de perder a maioria de dois terços do que de mantê-la," disse a consultoria Control Risks, para a qual essas probabilidades são de 55% contra 40%.
Um mau resultado do CNA agradaria a investidores, que temem que Zuma ceda às políticas de aliados esquerdistas, o que o eventual futuro presidente nega.
Crise econômicaDepois e uma fase de prosperidade -- que críticos dizem não ter se refletido no bem-estar dos pobres --, a África do Sul ruma para sua primeira recessão em 17 anos, pois minas e fábricas foram muito afetadas pela crise global.
"Nossa economia não se tornará ideológica, continuará racional", disse o ministro das Finanças, Trevor Manuel, cotado para permanecer no cargo, a um jornal italiano.
Mas, fora dos reluzentes shopping centers frequentados pela classe média negra que surgiu nos últimos anos, a frustração com a falta de mudanças é visível.
A oposicionista Aliança Democrática, sob a liderança da branca Helen Zille, espera ampliar sua presença no Parlamento e faz uma campanha voltada para o combate à corrupção, sob o slogan "Parem Zuma".
"Nos primeiros anos da nossa liberdade a maioria das pessoas tendia a votar no CNA, agora já não é mais tão direto", disse o arcebispo e Nobel da Paz Desmond Tutu, crítico de Zuma. "As pessoas estão fazendo perguntas, o que é bom. Quer dizer, isso é que é democracia."
Mandela votaO primeiro presidente negro da África do Sul, Nelson Mandela, de 90 anos, votou nesta quarta-feira na quarta eleição geral organizada no país desde o fim do apartheid em 1994.
Mandela entrou no local de votação com a ajuda de um político local e foi recebido com gritos e aplausos pela multidão. Ele respondeu com acenos antes de depositar a cédula na urna.
O Prêmio Nobel da Paz apareceu publicamente no domingo para apoiar o partido governamental Congresso Nacional Africano (ANC) em um comício ao lado do polêmico líder do partido, Jacob Zuma, o favorito para ser o próximo presidente. Zuma, 67 anos, também votou durante a manhã.
Os primeiros resultados da eleição devem sair na noite desta quarta-feira.
http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/2009/04/22/africa+do+sul+vota+no+teste+mais+duro+para+o+cna+5664938.html (vídeo no site)
Análise: Percepção de Zuma como 'vítima' ajudou sua candidaturaDepois de passar quase quatro décadas vivendo sob o domínio de uma minoria branca, parece que os sul-africanos negros passaram a ter uma simpatia natural por vítimas, o que tem ajudado o líder do CNA, Jacob Zuma, em sua longa luta para chegar à Presidência do país. Uma pesquisa de opinião publicada neste mês pelo instituto Ipsos Markinor mostra que 77% dos eleitores negros tem simpatia por Zuma, enquanto seu apoio entre os brancos é de apenas 1%.
O que seus críticos encaram como fraquezas - as acusações de estupro e corrupção, a falta de educação e suas origens humildes - acabaram se tornando os pontos fortes de Zuma junto a seus correligionários.
Outra pesquisa do Ipsos Markinor revelou que muitos dos correligionários de Zuma se veem "com mais chances" de votar no candidato justamente por causa das acusações.
"Os sul-africanos amam uma vítima - alguém que foi injustiçado, ridicularizado, humilhado e abusado - alguém que teve sua dignidade atropelada pelo destino ou por inimigos reais", diz o jornalista e autor sul-africano Fred Khumalo.
Conspiração políticaAos olhos de muitos negros sul-africanos, Zuma foi vítima de uma conspiração política armada pelo ex-presidente Thabo Mbeki e por seus comparsas para destruir suas chances de se tornar presidente.
Primeiro, ele foi acusado de corrupção, o que foi descartado por um juiz. Depois ele foi acusado de estupro, e subsequentemente inocentado. O juiz do caso decidiu que a relação sexual foi consensual. Em seguida, ele voltou a ser acusado de corrupção. O promotor do caso acabou desistindo da acusação, depois de alegações de que houve interferência dos inimigos políticos de Zuma no caso.
Para os críticos de Zuma, as vitórias legais equivalem - como disse o cartunista sul-africano Zapiro - a "estupros da Justiça" e um sinal de que a África do Sul estaria se tornando uma "república das bananas".
Em um comício, a líder do partido de oposição Aliança Democrática, Helen Zillie, disse: "Só a Aliança Democrática é forte o suficiente para impedir Zuma de levar a África do Sul por um caminho de um Estado falido".
Para os apoiadores de Zuma, no entanto, a decisão do governo de Mbeki de acusá-lo seria um sinal de que a África do Sul estaria voltando aos dias sombrios do
apartheid, quando o governo abusava dos seus poderes e prendia opositores com acusações sem fundamento.
"Nós estamos preparados para morrer por Zuma", disse Zwelinzima Vavi, secretário-geral do Cosatu, a principal central trabalhista da África do Sul. O próprio Zuma sinalizou que está preparado para uma batalha.
Zuma tem cantado nos seus comícios a sua canção
Traga-me a minha metralhadora, que ficou famosa durante o período de luta contra o
apartheid.
Religião e educaçãoNas eleições desta quarta-feira, Zuma decidiu que votará no posto eleitoral da vila onde nasceu, Nkandla, na província de Kwa-Zulu-Natal. A escolha, em detrimento de grandes centros eleitorais como Durban ou Johanesburgo, foi feita para mostrar que um menino pastor de origens humildes pode chegar ao cargo mais poderoso do país.
Muitos negros pobres da África do Sul - que chamam Zuma pelo nome do seu clã, Msholozi - têm dito: "Se ele conseguiu ser bem-sucedido, por que nós não podemos?"
Zuma transformou a escolaridade em um tema central da sua campanha, prometendo que dará ao eleitorado a educação a qual não teve acesso quando criança, durante o
apartheid.
Ele prometeu que, nos primeiros cinco anos do seu governo, caso ele vença, 60% das escolas do país serão gratuitas, e que a África do Sul seria "libertada do analfabetismo", como promete o manifesto do CNA.
"Eu amo educação, porque eu sei como é ser pouco educado, tendo eu próprio passado por isso", disse Zuma.
"Mas quando você se coloca um objetivo, você sucede. Eu fiz, eu sou educado hoje."
Apesar de ser um ex-comunista, Zuma também é um fervoroso apoiador da religião. Ele visita igrejas tanto para rezar como para dar sermões. Seu lado religioso também é uma forma de restabelecer sua reputação moral, abalada por escândalos envolvendo sexo e dinheiro.
Alguns líderes religiosos têm apoiado Zuma, e uma igreja chegou a declará-lo "pastor honorário".
Para muitos negros sul-africanos, isso mostra que Zuma é como eles - capaz de cometer erros e alguém que precisa de orações e redenção, não de punição e vingança.
Mas para o líder religioso mais famoso da África do Sul, o arcebispo Demond Tutu, o veredicto sobre Zuma é diferente. Ele defende que Zuma seja julgado por corrupção.
"Se ele é inocente como se diz, que seja um tribunal que o diga... no momento, eu não posso dizer que estou ansioso para vê-lo como meu presidente", disse Tutu, que já ganhou um Prêmio Nobel da Paz e é um dos símbolos da reconciliação sul-africana após o fim do
apartheid.
http://ultimosegundo.ig.com.br/bbc/2009/04/22/analise+percepcao+de+zuma+como+vitima+ajudou+sua+candidatura+5663005.html
Com Zuma, as novas cores Sul-africanasA trajetória democrática e multirracial da África do Sul tem mais um marco histórico, 15 anos depois do fim do
apartheid, com as eleições desta quarta-feira. A dúvida é sobre a margem de vitória de Jacob Zuma, herdeiro político de Nelson Mandela e sucessor de Thabo Mbeki, à frente do Congresso Nacional Africano. Ao contrário do mitológico filho de realeza tribal Mandela e do aristocrático e altamente educado Mbeki, Zuma é um genuíno populista, de tonalidades lulistas, que fala a língua da massa e carece de educação formal.
O carismático Zuma, 67 anos, superou todo tipo de adversidades para chegar lá em cima. Teve infância miserável e milita no CNA desde 1959. Durante a luta contra o
apartheid, passou 10 anos na prisão ao lado de Mandela e depois foi um astuto e implacável lider de inteligência do movimento de libertação nacional.
Com o fim do
apartheid e dentro do sistema, foi outro tipo de luta, para sobreviver em batalhas judiciais, com acusações variando de fraude a estupro. Duas semanas antes das eleições, as últimas acusações foram arquivadas por procuradores federais. Polígamo (5 mulheres e pelo menos 20 filhos), Zuma nega as acusações. Líderes da oposição sabem que ataques pessoais contra Zuma são politicamente contraprodutivos.
Em uma recente pesquisa, metade de prováveis eleitores disseram acreditar nas acusações de corrupção, mas mesmo assim prometeram votar em Zuma. A meta da oposição (que inclui dissidentes do CNA) é impedir que o partido governista conquiste 2/3 dos votos e assim possa flertar com mudanças constitucionais e maior controle do Estado. Entre alguns líderes históricos da luta contra o
apartheid, como o arcebispo e Prêmio Nobel da Paz, Desmond Tutu, há muita desilusão com o rumo das coisas.Tutu lamenta o aparelhismo do Estado com militantes incompetentes do CNA e a corrupção deslavada.
Há um reconhecimento de que serviços públicos - sáude e moradias populares- estão abaixo das expectativas e necessidades urgentes em um país assolado por crime, miséria e Aids. O próprio Zuma admitiu que a qualidade da educação era melhor nos tempos do
apartheid. A favor de Zuma, existe seu histórico como um político que consegue transcender barreiras étnicas e raciais (na tradição de Nelson Mandela). Ele conseguiu inclusive chegar nos
afrikaners (o bastião do
apartheid), reconhecendo seu legítimo lugar na sociedade como a "tribo branca da África". Mas neste cenário arco-íris, é preciso destacar os sinais vermelhos.
Há o perigo de que Zuma embarque na melancólica jornada de carismáticos e demagogos líderes pós-colonais do continente africano. Alec Russell, um biógrafo de Zuma, adverte que agora será um teste para saber se o futuro presidente terá disposição para conter duas tendências insidiosas que destruíram outros movimentos de libertação nacional: a corrupção e sua transformação em um partido de apetites autoritários. Á Africa do Sul brilhou com a revolução do estadista Mandela. Não pode agora ficar cinzenta.
http://ultimosegundo.ig.com.br/opiniao/caio_blinder/2009/04/22/com+zuma+as+novas+cores+sul+africanas+5657007.html