“Liberdade de ir e vir, liberdade de educar, liberdade de poder escolher entre o que é certo e o que é errado”, diz Ricardo Cabezon, presidente da Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo ao criticar a decisão do juiz Fernando Antonio de Lima.
"Ouvir o argumento do juiz de Ilha Solteira, Fernando Antonio de Lima, chocou-me. Ele cita o livro de “Eclesiastes”, da Bíblia, afirmando que “um cavalo indômito torna-se intratável. A criança entregue a si mesma torna-se temerária”. Convicções religiosas cada um tem as suas e todas devem ser respeitadas, mas a inconsistência jurídica de sua motivação é gritante, urgindo, pois, atentemos ao princípio da laicidade do Estado Brasileiro e do resguardo constitucional das garantias individuais inerentes ao regime democrático, bem como ao respeito aos direitos humanos e ao Estatuto da Criança e do Adolecente." Breno Siviero, estudante de direito pela PUC-SP e autor do blog http://blog.brenosiviero.com.br
"Um cavalo indômito torna-se intratável. A criança entregue a si mesma torna-se temerária”. Trecho da Bíblia atribuído ao suposto rei Salomão, citado por um juiz de direito brasileiro para justificar uma decisão ilegal. 
"O que retém a vara, aborrece o seu filho mas o que o ama, cedo o disciplina". Outra citação bíblica, atribuida ao mesmo suposto rei Salomão, incentivando os pais a espancarem seus próprios filhos.

Ontem a noite assistí estarrecido a uma matéria jornalística sobre mais um caso de violência contra um grupo de jovens brasileiros e, embora já não mais devesse de tão comuns que são estes casos, fiquei estarrecido. Não era mais um destes filmes feitos por um cinegrafista amador em um flagra de jovens sendo esmurrados por algum policial ou babá. Não era tampouco mais um caso de pedofilia cometido por padres ou irmãos mais velhos ou pastores protestantes, nada disso.
Eram jovens que, por uma medida arbitrária tomada por um juiz de direito que de uma vez só conseguiu rasgar várias normas legais deste estado que se propagandeia democrático, estão impedidos de caminhar pela cidade em que vivem mesmo que sob a tutela e permissão de seus pais.
Do baixo da minha ignorância de quem não é formado em Direito posso ver a olho nú os seguintes absurdos na desastrada decisão:
1- Não compete ao judiciário limitar o horário em que cidadãos transitam pelas ruas. Se existisse tal limitação ela teria que ser estabelecida pelo Legislativo¹. Ao Judiciário compete apenas obedecer a lei vigente. E esta nos informa, através do ECA, que um juiz de infância pode, sim, proibir o ingresso de menores em determinados locais públicos, mas com a ressalva de que para cada decisão deve haver uma justificativa PARTICULAR e que é VEDADO que se tome decisões genéricas quanto a este tema.² Do que estamos falando senão de uma decisão genérica limitando o acesso de crianças e adolescentes a locais públicos?
Um juiz poderia impedir o acesso de adolescentes a uma lan house específica que tivesse em suas paredes fotografias de casais fazendo sexo, mas não poderia impedir o acesso de adolescentes a quaisquer lan houses baseado no fato de que ALGUMAS têm imagens pornográficas coladas na parede ou algo do tipo.
Mas o nobre juiz parece que não fez bem o dever de casa e tomou uma medida genérica baseado em alguns casos particulares, o que é vedado pelo próprio estatuto que deveria defender.
2- O jovem juiz declarou ainda, em rede nacional, que também baseou sua decisão em um trecho da Bíblia (à qual os cristãos chamam de “sagrada”)³. Sagrada para um juiz deveria ser a Constituição da República, que diz que é vedado ao Estado tomar partido em defesa de uma crença religiosa e diz também que todo brasileiro (inclusive as crianças) têm direito a escolher que religião adotar ou abandonar. Isto é garantido pelo artigo mais importante da Carta (o V)
Pois de agora em diante as crianças, adolescentes e seus pais se veem obrigados a seguir uma decisão judicial que fere o ordenamento legal do país só porque um juiz tem particular (e deveria mesmo ser particular, não deveria ser trazido ao rol das coisas públicas pelas quais ele é pago para zelar) apreço em ler uma coletânea de livros escritos por povos primitivos da Mesopotâmia. Ou seja: se veem obrigados a seguir um aspecto da crença religiosa do meritíssimo juiz, mesmo que não compartilhem com ele da tal crença mitológica herdada de um povo antigo da Mesopotâmia.
Que nome se pode dar a isso senão o de "violação da liberdade de crença"?
3- Além de ferir o direito que todo cidadão brasileiro tem de não seguir a leis estipuladas com base em narrativas mitológicas (isto aqui não é a Arábia Saudita, não é o Afeganistão, não é o Irã...) o juiz também feriu outro parágrafo do mesmo artigo V da mesma Constituição: o que estipula o direito de “ir e vir”, que até o mais ignorante dos brasileiros sabe que é dos mais básicos direitos que um cidadão pode exigir. Por sinal, estes pontos ( o da liberdade de crença e o de “ir e vir”) são tão importantes que estão ambos reprisados no Estatuto da Criança e do Adolescente
4.
Vergonhoso. Espero que esta decisão seja revogada antes de causar mais VIOLÊNCIA do que a que já tem causado. E que os juizes envolvidos sejam punidos por tamanho absurdo. Sim, eu sou um sonhadeiro.
¹
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
(Artigo V, Constituição Federal)
²
Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:
(...)
§ 2° As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.
(ECA)
3“A intenção nossa foi envolver toda a sociedade para que os jovens voltassem a dormir cedo. Para que pudessem ter um bom rendimento escolar no dia seguinte”, explicou o juiz da Infância e da Juventude da cidade, Fernando Antonio de Lima. O livro de “Eclesiastes”, da Bíblia, inspirou a decisão judicial. "Um cavalo indômito torna-se intratável. A criança entregue a si mesma torna-se temerária”, afirmou.
http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1099100-5605,00-BLITZ+DO+TOQUE+DE+RECOLHER+MOBILIZA+PESSOAS+NO+INTERIOR+DE+SP.html4Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
III - crença e culto religioso;
(ECA)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz;
(Artigo V, Constituição Federal)