postaram na lista da str... aqui vai:
Resenha do livro "O capelão do Diabo" de Richard Dawkins
Adonai S. Sant'Anna
Tradução cuidadosa de um livro provocativo e por vezes bem humorado,
que certamente deve ser lido por todos que se interessam por
questões relacionadas a aspectos morais e éticos da ciência. Dawkins
é um renomado zoólogo e um dos mais importantes divulgadores
científicos da atualidade. Além de artigos científicos e livros de
grande impacto, ele tem publicado ao longo de sua carreira textos
dirigidos a um público mais amplo. Alguns deles foram reunidos e
organizados por Latha Menon para comporem este livro. O trabalho da
organizadora foi extremamente meticuloso. Ela conseguiu reunir os
textos, sobre os mais variados temas, de forma muito harmônica e
coerente. O leitor pode perfeitamente ler cada um sem seguir
qualquer ordem pré-estabelecida. Mas quem ler a obra na ordem em que
Menon nos apresenta, perceberá o mesmo livro com outro sabor. A
organização é elegante e sensível.
São trinta e dois textos, entre ensaios, conferências e artigos,
resenhas e prefácios de livros e outros documentos, alguns bastante
pessoais, escritos nos últimos vinte e cinco anos. "O capelão do
Diabo", até então inédito, é o ensaio que abre a obra. Como disse
Darwin numa carta a seu amigo Hooker em 1856, "Um livro e tanto
escreveria o capelão do Diabo sobre os trabalhos desastrados,
esbanjadores, ineficientes e terrivelmente cruéis da natureza!". Ou
seja, uma das preocupações de Dawkins é desfazer certos mitos e
incompreensões sobre o darwinismo e sobre a teoria da evolução. Ele
avalia desde questões atuais de grande importância como clonagem,
alimentos geneticamente modificados e o uso de manipulação genética
para a cura de doenças, até aspectos ligados aos fundamentos da
genética molecular, como a visão de que esta pode ser considerada um
ramo da informática.
O autor também passeia por questões bem mais delicadas como aspectos
morais e éticos ligados à pesquisa e ao uso da genética, passando
pelo discurso inflamado daqueles que julgam que
geneticistas "brincam de Deus". Dawkins é um fervoroso defensor de
um processo educacional que favoreça o senso crítico e que procure
se distanciar da crença sustentada na tradição, na autoridade e na
revelação. O autor não esconde seus sentimentos em relação a
religiões. Ele chega a afirmar "É hora de sentirmos raiva". Esse é
um dos poucos pontos realmente questionáveis do livro, pois pode
distanciar o leitor de uma visão científica mais objetiva. É claro
que o cientista jamais deixa de ser um humano. Mas propaganda de
raiva não me parece uma postura profissional quando vem de um
divulgador científico. Dawkins combate aquilo que ele vê como um
vírus na sociedade: a religião. Em parte, essa postura é coerente,
pois Dawkins se considera um darwiniano apaixonado como cientista e
acadêmico, mas um "antidarwiniano veemente quando se trata de
política e do modo como deveríamos conduzir os assuntos humanos".
Ele consegue desvincular claramente a indiferença da natureza em
seus processos evolutivos dos valores humanos ligados à moral, à
ética e à educação. Mesmo assim, o caminho que ele trilha é perigoso
no sentido de poder conduzir a um desgaste social desnecessário.
Afinal, a religiosidade não deixará de existir por conta de
discursos inflamados. Curiosamente, pouco se discute sobre design
inteligente, uma versão pseudocientífica do criacionismo. Outro
ponto negativo da obra é a opinião pouco explorada e pouco
responsável que Dawkins tem a respeito das visões filosóficas sobre
a noção de verdade em ciência. Daniel Dennett é um dos poucos
filósofos que ele parece respeitar. Mas acho que ele deveria
conhecer outras visões sobre verdade antes de emitir certas opiniões
que parecem bastante precipitadas. Até porque verdade em ciência não
é uma das especialidades de Dennett. Dawkins também aproveita para
criticar fortemente pseudociências que vão desde a psicanálise
lacaniana até a chamada cura quântica.
Há duas teses fascinantes no livro: a universalidade e a atualidade
do darwinismo. Mesmo questões em aberto são apresentadas, como a
necessidade de um estudo aprofundado sobre os memes, elementos auto-
replicadores da cultura transmitidos por imitação. Algumas curiosas
profecias são apresentadas sobre o impacto que a genética molecular
terá em nossa sociedade nos próximos cinqüenta anos. E de questões
que variam de uma abordagem científica sobre a eficiência de
tribunais de júri, passando por diálogos com Stephen Jay Gould, até
uma exaltação da África como o berço da humanidade, Dawkins
certamente cativa e provoca o leitor.