REVISTA ESPAÇO DA SOPHIA - Nº 24 - MARÇO/2009 – MENSAL – ANO II
A DESCULPA
Luciano Pires
Poucos dias atrás marquei uma reunião com o pessoal de compras
de um dos grandes grupos editoriais brasileiros. Saí de meu escritório com noventa
minutos de antecedência e na hora exata eu estava lá. A recepcionista avisou que a
pessoa que me receberia na hora marcada estava numa reunião e que havia outra
pessoa esperando e eu teria que aguardar por tempo indeterminado. Para não
perder a viagem decidi esperar. Em pé, na recepção, sem água, sem café. Se
quisesse sentar, teria que ser no degrau que dá para a calçada. Depois de uma hora
e meia a recepcionista me chama com o telefone na mão:
- Senhor Leonardo. A assistente do fulano quer falar com o senhor.
Ouço - incrédulo - que o fulano entrara em reunião com o diretor e
não havia previsão para me atender. E ela perguntava se eu me incomodaria por
esperar mais ou preferia retornar outro dia que "eu tentarei encaixar, seu Leonardo".
E eu estava numa empresa que fatura quase um bilhão de reais por ano!
Fui embora indignado. Inconformado. Como é possível?
Pois bem. Até os anos oitenta a melhor fórmula para garantir
retorno aos acionistas era o "bom gerenciamento". E o desafio dos teóricos foi
traduzi-lo em fórmulas. Assim surgiram muitos gurus e teorias de administração - a
maioria modismos ou velhas práticas com nomes novos - que formaram uma
geração de administradores em busca do "retorno aos acionistas". A qualquer custo.
O problema é que muito do que consideramos "bom gerenciamento"
são atributos e valores intangíveis: gerenciamento de recursos humanos, foco no
cliente, visão estratégica, capacidade de execução e prestação de serviços, por
exemplo, que os modelos de administração tentam de todas as formas quantificar.
Para lançar os indicadores desses atributos numa planilha Excel é necessário
reduzi-los a números, deixando de fora a complexidade das interações. Foi assim
que uma geração desaprendeu a lidar com o intangível.
O resultado é que os administradores só conseguem trabalhar com o
que dá pra contar: Faturamento. Custos. Lucro. E, do que dá pra contar, o mais fácil
é cortar custos.
É assim que "a crise" se transforma em desculpa. Em nome dela (a
crise) é possível reduzir todo tipo de "custo" sem muita especulação. Dá pra mandar
qualquer funcionário pra rua. Dá pra cortar o cafezinho. Dá pra desmarcar
compromissos. Dá pra arrancar o couro dos fornecedores.
Dá pra cancelar os eventos. Dá pra cancelar o jornal interno. Dá até
para atender mal o cliente - afinal, estamos em crise, tá tudo desculpado!
Vá ao aeroporto ou a um banco. Você verá mais da metade dos
terminais de atendimento vazios e uma fila imensa de clientes perdendo tempo de
vida. As empresas não têm gente pra atender os clientes! E quando você reclama o
atendente olha com aquela expressão de "num sei"... O gerente? Ah, ele está
ocupado com tarefas que deveriam ser do supervisor que foi mandado embora.
A tal da crise vem a calhar para ser usada como desculpa pelos
incompetentes. Ela custará muito mais que dinheiro. Está criando uma cultura de
profissionais sem educação, gananciosos, egoístas e medíocres.
Quando a crise passar, essa será a cultura de negócios do Brasil.
E aí só me restará mudar meu nome de Luciano pra Leonardo.