Autor Tópico: A Desculpa - por Luciano Pires.  (Lida 295 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Nyx

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 7.758
  • Sexo: Feminino
  • nyx
A Desculpa - por Luciano Pires.
« Online: 07 de Maio de 2009, 20:58:34 »
REVISTA ESPAÇO DA SOPHIA - Nº 24 - MARÇO/2009 – MENSAL – ANO II         
 



 
A DESCULPA
Luciano Pires
 
Poucos dias atrás marquei uma reunião com o pessoal de compras
de um dos grandes grupos editoriais brasileiros. Saí de meu escritório com noventa
minutos de antecedência e na hora exata eu estava lá. A recepcionista avisou que a
pessoa que me receberia na hora marcada estava numa reunião e que havia outra
pessoa  esperando  e  eu  teria  que  aguardar  por  tempo  indeterminado.  Para  não
perder  a  viagem  decidi  esperar.  Em  pé,  na  recepção,  sem  água,  sem  café.  Se
quisesse sentar, teria que ser no degrau que dá para a calçada. Depois de uma hora
e meia a recepcionista me chama com o telefone na mão:
 - Senhor Leonardo. A assistente do fulano quer falar com o senhor.
 Ouço -  incrédulo - que o  fulano entrara em reunião com o diretor e
não  havia  previsão  para me  atender. E  ela  perguntava  se  eu me  incomodaria  por
esperar mais ou preferia retornar outro dia que "eu tentarei encaixar, seu Leonardo".
E eu estava numa empresa que fatura quase um bilhão de reais por ano!
Fui embora indignado. Inconformado. Como é possível?
 Pois  bem.  Até  os  anos  oitenta  a  melhor  fórmula  para  garantir
retorno  aos  acionistas  era  o  "bom  gerenciamento".  E  o  desafio  dos  teóricos  foi
traduzi-lo em  fórmulas. Assim surgiram muitos gurus e  teorias de administração  - a
maioria  modismos  ou  velhas  práticas  com  nomes  novos  -  que  formaram  uma
geração de administradores em busca do "retorno aos acionistas". A qualquer custo.
 O problema é que muito do que consideramos "bom gerenciamento"
são  atributos  e  valores  intangíveis:  gerenciamento  de  recursos  humanos,  foco  no
cliente,  visão  estratégica,  capacidade  de  execução  e  prestação  de  serviços,  por
exemplo, que os modelos de administração  tentam de  todas as  formas quantificar.
Para  lançar  os  indicadores  desses  atributos  numa  planilha  Excel  é  necessário
reduzi-los  a  números,  deixando  de  fora  a  complexidade  das  interações. Foi  assim
que uma geração desaprendeu a lidar com o intangível.
  O resultado é que os administradores só conseguem trabalhar com o
que dá pra contar: Faturamento. Custos. Lucro. E, do que dá pra contar, o mais fácil
é cortar custos.
 É assim que "a crise" se transforma em desculpa. Em nome dela (a
crise) é possível reduzir todo tipo de "custo" sem muita especulação. Dá pra mandar
qualquer  funcionário  pra  rua.  Dá  pra  cortar  o  cafezinho.  Dá  pra  desmarcar
compromissos. Dá pra arrancar o couro dos fornecedores.
Dá pra cancelar os eventos. Dá pra cancelar o jornal interno. Dá até
para atender mal o cliente - afinal, estamos em crise, tá tudo desculpado!
 Vá  ao  aeroporto  ou  a  um  banco.  Você  verá mais  da metade  dos
terminais de atendimento vazios e uma  fila  imensa de clientes perdendo  tempo de
vida. As empresas não têm gente pra atender os clientes! E quando você reclama o
atendente  olha  com  aquela  expressão  de  "num  sei"...  O  gerente?  Ah,  ele  está
ocupado com tarefas que deveriam ser do supervisor que foi mandado embora.
A  tal  da  crise  vem  a  calhar  para  ser  usada  como  desculpa  pelos
incompetentes.  Ela  custará muito mais  que  dinheiro.  Está  criando  uma  cultura  de
profissionais sem educação, gananciosos, egoístas e medíocres.
Quando a crise passar, essa será a cultura de negócios do Brasil.
E aí só me restará mudar meu nome de Luciano pra Leonardo.
 
 

 

Do NOT follow this link or you will be banned from the site!