Prevalência Percebida de Ateus Diminui o PreconceitoO fenômeno religioso tem chamado cada vez mais a atenção de psicólogos e antropólgos nos últimos anos, muitos buscando explicações para a existência quase universal da religião em diferentes culturas, como já comentado aqui no blog. Mas pouco se tem estudado sobre as pessoas que não se enquadram dentro dessa tendência humana – os ateus.
Sendo uma minoria em muitos países, os ateus por vezes sofrem discriminação e possuem uma imagem excessivamente negativa em muitas culturas. Recentes levantamentos de opnião tem apontado os ateus como o grupo de pessoas em quem as pessoas menos confiariam, votariam para presidente do seu país ou gostariam que seus filhos se casassem (Edgell et al, 2006).
Buscando uma melhor compressão desse fenômeno, alguns psicólogos têm se debruçado sobre a questão e avaliado estratégias para reduzir o preconceito. Um artigo publicado recentemente pelo psicólogo social Gervais (2011) relata 4 estudos indicando que a prevalência percebida de ateus pode diminuir o preconceito contra ateus por parte de religiosos.
Apesar dessa idéia ser contrária a um grande corpo de evidências apontando que quanto maior o grupo, ou seja, sua representatividade, maior é a tendência, de um modo geral, a existir preconceito contra ele, Gervais construiu suas hipóteses baseado em recentes estudos demográficos sobre a prevalência de ateus em diferentes países.
Nos Estados Unidos e no Canadá, o número de ateus é pequeno e o preconceito contra ateus é grande, enquanto que na Suécia e na Dinamarca, os ateus são numerosos e o preconceito contra ateus praticamente não existe, dados esses que o sociólogo Phillip Zuckerman (2008) corrobora em seu livro Society without God, onde relata seus estudos em países escandinavos. Baseado nesses dados, Gervais chega à conclusão de que o preconceito contra ateus deve ser menor onde ateus são comuns.
No estudo 1, Gervais usou dados de 54 países para avaliar o preconceito contra ateus de indivíduos religiosos desses países e o número de ateus nos mesmos. Para medir a primeira variável, os 40.271 participantes do estudo respondiam o quanto concordavam com a afirmação de que “políticos que não acreditam em Deus são imprópios para cargos públicos”. Um único item media o número de ateus nos países, onde os participantes respondiam se concordavam com a afirmação “eu acredito em Deus”.
Nesse estudo, a prevalência de ateus se correlacionou negativamente com o preconceito contra ateus por parte de religiosos, ou seja, em países com mais ateus observou-se menos preconceito contra ateus. Apesar dessa correlação, esse resultado não indica uma relação de causalidade. Além disso, esse resultado não conseguiu ser explicado por diferenças como idade, sexo, renda, liberalismo/conservadorismo, comparecimento à igreja, desenvolvimento sócio-econômico do país ou o individualismo/coletivismo predominante na cultura, o que da mais apoio à hipótese de que a prevalência é uma variável muito importante no preconceito contra ateus.
O segundo estudo avaliou o quanto a percepção de que ateus são comuns ou raros (prevalência percebida), se relaciona com o preconceito contra ateus. Nesse estudo, Gervais também avaliou, a partir de instrumentos já desenvolvidos por outros pesquisadores, duas dimensões que podem estar diretamente relacionadas com o preconceito contra ateus: a religiosidade e a crença em um mundo perigoso.
Os resultados indicaram que a percepção da prevalência de ateus predisse significativamente o preconceito contra ateus, ou seja, que indivíduos apresentavam menos preconceito contra ateus quando já achavam que ateus eram comuns. As medidas de crença em deus e de crença em um mundo perigoso predisseram independentemente um aumento no preconceito, mas mesmo quando essas variáveis foram controladas, os participantes que pensavam em ateus como um grupo de pessoas comum os viam de forma mais positiva.
Buscando avaliar a relação causal entre a perceção de prevalência de ateus e o preconceito contra ateus, o terceiro estudo do artigo visou testar experimentalmente em alunos universitários o efeito que a manipulação da percepção de prevalência tem no preconceito, além de testar explicações alternativas para os resultados encontrados nos dois primeiros estudos. A manipulação experimental foi feita dividindo-se os participantes em dois grupos: um grupo recebia um artigo que trazia dados estatísticos apontando que aproximadamente 50% dos alunos da universidade do participante eram ateus e dados apontando que ateus eram muito comuns no mundo (condição de prevalência de ateus); o outro grupo recebia um artigo que trazia dados apontando que por volta de 5% dos alunos da universidade eram ateus e que ateus eram raros no mundo (condição de poucos ateus).
Uma vasta linha de pesquisa sobre preconceito já tem documentado repetidamente o efeito que o contato ente grupos (contato intergrupal) tem na diminuição do preconceito, sendo que estudos mais recentes tem encontrado que até mesmo o contato imaginado com indivíduos de outros grupos tornam a avaliação das pessoas mais positiva em relação à esse grupo. Para avaliar essa possível explicação alternativa para os resultados encontrados, o terceiro estudo avaliou as predições dessa linha de pesquisa. Se os dados obtidos nos dois primeiros estudos pudessem ser inteiramente explicados pela hipótese do contato intergrupal, os participantes também deveriam apresentar uma percepção geral mais positiva de ateus e deveriam relatar maior contato pessoal com ateus, visto que essas são predições diretas desse modelo.
Os resultados do terceiro estudo apoiaram a hipótese explicativa de Gervais, visto que, ao passo que foi observado uma redução na desconfiança de ateus quando os participantes eram apresentados com informações de que ateus eram comuns na sua universidade e no mundo, não foi observada uma avaliação geral mais positiva em relação à ateus nem relatos de maior contato com ateus por parte dos participantes na primeira condição do estudo (onde a informação era que ateus eram comuns), ambas predições do contato intergrupal.
O último estudo avaliou se a manipulação experimental da percepção de prevalência de ateus diminuiria a desconfiança implícita de ateus, utilizando uma versão do Teste de Associação Implícita (Implicit Association Test), um instrumento muito usado em Cognição Social para estudar preconceito implícito. Além disso, foi avaliado se uma prevalência mais modesta de ateus também diminuiria a desconfiança.
Um grupo de participantes deveria pensar e escrever sobre a sua comida favorita (condição controle), enquanto outro grupo deveria ler e escrever um resumo de um artigo que descrevia a prevalência de ateus em cerca de 20% na população (condição de prevalência de ateus). Em seguida ambos participantes realizavam tarefas para se familiarizar com os estímulos usados no Teste de Associação Implícita, e por último eles realizavam esse teste. Os resultados indicaram que a desconfiança implícita foi menor no grupo que leu o artigo sobre a prevalência de ateus em comparação com o pensou e escreveu sobre sua comida favorita, corroborando a hipótese de que a prevalência percebida de ateus reduziria o preconceito medido não só em forma de auto-relato como através de uma medida implícita.
A partir desses resultados, podemos refletir sobre a importância de ateus sairem do armário (como preconiza a OUT Campaign), de se posicionarem abertamente sobre o que pensam, assim como muitos religiosos fazem, sem qualquer cerimônia por sinal. Pode-se dizer que os religiosos gozam de maior aceitação para expor suas idéias em nossa cultura visto que opiniões constrastantes com as religiosas são costumeiramente tidas como deselegantes e indesejáveis, mas se os ateus não se exporem e mostrarem que existem, exigindo o seu mesmo direito de liberdade de crença e livre expressão, seu respeito dificilmente “cairá do céu”.
Se os resultados desse estudo forem levados em conta, a imagem negativa dos ateus no Brasil se prolonga, em parte, por conta da pouca prevalência percebida por grande parte da população. Provavelmente existem mais ateus no Brasil do que mostram os dados estatísticos, visto que muitos não se colocam como tais com receio de retaliação, preconceito e exclusão em seus meios sociais (familiares, religiosos, trabalhistas). É certo que tanto a técnica explorada por Gervais como a do contato intergrupal e outras que foram desenvolvidas nessa linha de pesquisa são alternativas importantes para acelerar o processo lento de conscientização mundial sobre o ateísmo e sobre como ser ateu por si só não torna ninguém pior, nem melhor, do que um religioso.
Referências:Edgell, P., Gerteis, J., & Hartmann, D. (2006). Atheists As “Other”: Moral Boundaries and Cultural Membership in American Society American Sociological Review, 71 (2), 211-234 DOI: 10.1177/000312240607100203
Gervais WM (2011). Finding the faithless: perceived atheist prevalence reduces anti-atheist prejudice. Personality & social psychology bulletin, 37 (4), 543-56 PMID: 21343437
Zuckerman, P. (2008). Society without God – What the Least Religious Nations Can Tell Us about Contentment. New York: New York University Press.
http://cienciaumavelanoescuro.haaan.com/2011/05/prevalencia-percebida-de-ateus-diminui-o-preconceito/