JC e-mail 3760, de 13 de Maio de 2009.
18. Papuano processa biólogo Jared Diamond
Autor do best-seller "Armas, Germes e Aço" teria inventado história sobre guerra tribal na revista "The New Yorker". Membros de clãs envolvidos na briga dizem que não cometeram crimes e exigem US$ 10 milhões do escritor americano e da revista
Claudio Angelo escreve para a “Folha de SP”:
Dois cidadãos de Papua-Nova Guiné moveram uma ação milionária por difamação contra a revista "The New Yorker" e o biólogo e escritor americano Jared Diamond. Autor do best-seller "Armas, Germes e Aço" e ganhador do Prêmio Pulitzer, Diamond retratou a ambos num artigo como protagonistas de uma guerra tribal que deixou 30 mortos. Eles dizem que o escritor inventou a história.
Alegando que suas vidas correm perigo depois que foram pintados como homicidas e estupradores por Diamond no artigo, publicado no ano passado, os dois homens pediram uma reparação de US$ 10 milhões num tribunal de Nova York.
O episódio vem sacudindo a comunidade antropológica desde que foi revelado, no último dia 21, pelo site de crítica de mídia Stinky Journalism ("Jornalismo Fedorento").
Num artigo intitulado "O Colapso Factual de Jared Diamond", a artista plástica Rhonda Roland Shearer, diretora do site, acusa Diamond de ter escrito um "conto de ficção".
Segundo ela, as únicas coisas reais no texto do biólogo são os nomes dos personagens - e agora litigantes - Hup Daniel Wemp e Henep Isum Mandingo, e os dos clãs que supostamente teriam travado as batalhas, os handa e os ombal.
Diamond diz no texto que Wemp, membro do clã dos handa, disse ter declarado guerra aos ombal nos anos 1990. O motivo: Isum teria matado o tio de Wemp, que inadvertidamente deixara um porco destruir o seu quintal.
O artigo tratava de conflitos travados pela necessidade de "ficar quites" com os vizinhos, já que o tal tio morto estava destinado a liderar os handa.
Wemp teria não só financiado guerreiros como também "fornecido mulheres para seu conforto sexual". Wemp só sossegou depois de seus homens terem acertado uma flecha na espinha de Isum, deixando-o preso a uma cadeira de rodas.
"Eu li as alegações de Diamond de que Henep Isum estava no meio da selva numa cadeira de rodas havia 11 anos e achei aquilo incrível", disse Shearer à Folha, por telefone. "Aí escrevi para ele perguntando se havia feito algum contato com ele [Isum]. Ele nunca respondeu. É estranho para um cientista não responder quando seus dados e seus métodos são questionados."
Shearer sabe uma coisa ou outra sobre ciência e polêmicas. Diretora do Laboratório de Pesquisa de Arte e Ciência, em Nova York, ela é viúva de outro grande biólogo e divulgador de ciência, Stephen Jay Gould.
"Por coincidência, eu estava fazendo uma investigação sobre uma fraude de mídia em Papua-Nova Guiné, e conheci algumas pessoas [no país]. Aí o artigo de Diamond apareceu e, uma vez que eu tinha contatos lá, não foi difícil achar os personagens da história."
Foi aí que o porco torceu o rabo. Para começo de conversa, não houve porco algum. De fato houve uma briga por motivo fútil - o sumiço de dois dólares - entre os handa e os ombal, no início dos anos 1990. Quatro pessoas morreram, não 30.
Isum não esteve diretamente envolvido nela, nem nunca esteve numa cadeira de rodas. Wemp nem mesmo estava no local quando ela aconteceu. Segundo Shearer, Wemp nega ter dito a Diamond que ele protagonizara a "vendetta".
Segundo Shearer, Diamond teria mantido conversas casuais com Wemp entre 2001 e 2002, quando estava fazendo um trabalho de campo em Papua. Wemp era seu motorista, e teria contado histórias "aleatórias" de conflito a Diamond. Este, diz Shearer, teria juntado tudo numa narrativa só, mantendo os nomes das pessoas e misturando informações.
Objetos de pesquisa
O antropólogo Alex Golub, da Universidade do Havaí, que fez pesquisa em Papua, afirma no blog de antropologia Savage Minds que, independentemente de quem tenha razão, o episódio traz um tema central para a antropologia: o fato de que os "sujeitos de pesquisa" etnológica hoje estão muitas vezes a poucos cliques de distância dos textos escritos sobre eles. Na aldeia global de hoje, o conceito de "tribo isolada" é solapado.
E Golub pergunta a seus colegas: "Será que alguém resiste a esse grau de escrutínio?"
A Folha procurou Diamond e a "New Yorker" para comentários, mas não obteve resposta. A porta-voz da revista, Anna Cassanos, afirmou em abril à agência de notícias Associated Press: "Nós defendemos nossa história. Nós defendemos Jared Diamond".
(Folha de SP, 13/5)
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63413
Citação de um artigo da Science:
Remnick nevertheless defends the magazine’s efforts to verify Diamond’s story. He says that this particular fact checker “is one of the best I have ever had the privilege of working with.” And he adds that “we had Jared Diamond’s meticulous, detailed notes from the 2006 interview with Daniel Wemp, … and we consulted with people with expertise in the Southern Highlands, who confirmed that Daniel Wemp’s description of the revenge battle was consistent with known practice.”
Remnick also insists that in the August 2008 conversation between Wemp and the fact checker—which was tape recorded by mutual consent—Wemp raised only relatively minor factual objections to Diamond’s account and asserted that the stories were basically true. In Diamond’s view, the case is really about scientists coming under fire for popular writing.
Whether or not Diamond got the facts of Wemp’s case right, it is true that the tribes of PNG do practice revenge warfare, says Wiessner, who has studied war in PNG’s Enga Province, just north of the region where Wemp and Mandingo live. In Enga, more than 300 tribal wars have taken the lives of nearly 4000 people since 1991. That’s one reason Wiessner, who
is active in local efforts to bring peace to PNG clans, is worried about the outcome of the case if it results in a large monetary award: She fears that the money could eventually go to buy weapons that would make the wars even more deadly. “When these wars first started, they were fought with bows and arrows, but now they have M-16s,” she says.
http://ksjtracker.mit.edu/wp-content/uploads/2009/05/jared-diamond-story.pdf
Diamond poderia ter simplesmente inventado nomes de tribos e pessoas envolvidas e se safado muito mais facilmente, se fosse mesmo uma fraude dele, pois usar pseudônimos para esse tipo de coisa é considerada a prática correta na antropologia.