O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu na semana passada que um “cliente ocasional” não comete um crime ao pagar para fazer sexo com crianças e adolescentes. O caso chegou ao STJ depois de o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul rejeitar a acusação contra dois homens que contrataram adolescentes para manter relações sexuais. Na ocasião, a dupla aliciou duas jovens pelo valor de R$ 80.
De acordo com os ministros do STJ, não há crime porque não foram os aliciadores que iniciaram as atividades sexuais das garotas. Especialistas e juristas da área da infância afirmam que a decisão é contrária a toda a legislação existente na área, e que, além de equivocada, é inconstitucional. Para eles, o STJ vai na contramão de tudo o que vem se discutindo sobre direitos humanos nos últimos 30 anos. E o pior: pode abrir precedentes perigosos.

Já havia visto decisões do tipo, mas em situações diferentes:
1. Garotas menores de 18 que mantinham relações sexuais com namorado/parceiro e que foram alvo de ações de estupro e/ou atentado violento ao pudor. O fato dessas adolescentes terem uma vida sexual ativa e consentirem na prática de tais atos impediu que os indivíduos fossem acusados de estupro/avp. Em um dos casos, a menor tinha 13 anos de idade à época do fato e uma relação estável com um homem de 24 anos. Ele foi inocentado.
2. A prostituição não é crime, mas seu incentivo, favorecimento ou investimento são considerados ilegais e puníveis. Nessa linha, já vi juiz desconsiderar como mediação para a lascívia de outrem o fato de um cliente habitualmente contratar os serviços de uma ou mais garotas menores de idade. Nesse caso, o enquadramento diz respeito unicamente ao crime praticado em relação à mediação, desconsiderando a garota como alvo de proteção por parte do ECA/CF.
Para juristas a deliberação é tão equivocada que chega a ser absurda. O artigo 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao afirmar que exploração sexual infantil é crime. E não fala sobre a ilicitude do ato ser na primeira, segunda ou terceira vez. Todas são condenadas pela legislação. No artigo 227 da Constituição Federal também está esclarecido que fazer sexo com crianças ou adolescentes mediante pagamento é crime independentemente da frequência.
Não consigo entender como o STJ se manifestou contrário às disposições da legislação especial de proteção à criança e ao adolescente, além da proteção garantida pela própria CF. O que se quer proteger aqui não é o livre arbítrio da menor, que opta ou é levada a se prostituir. Não se fala em tentar coibir a prostituição pelo simples fato de que sua prática não constitui crime. A problemática está em proteger aqueles que a lei considera incapazes de tomar decisões e que precisam ser protegidos do mundo do crime.
É diferente pensar em um menor que, numa relação estável com alguém, pratica o ato sexual de forma consensual, sem pressão de qualquer tipo. Nesse caso, o adulto não pode ser responsabilizado - desde que se considere as variáveis envolvidas no caso, claro. Já quanto a crianças e adolescentes que vendem o corpo em busca de dinheiro para sobreviver, concordo que deve haver punição para aliciadores ou contratadores.
No entanto, como o Spit disse, nem sempre é possível ao adulto apreender num simples relance, qual a idade da garota que contrata. Nesses casos, a situação concreta deve ser analisada com cuidado pelo Ministério Público e também pelo juiz.
Para os juristas, ainda falta conhecimento sobre os direitos da infância e adolescência. O Código Penal passou por mudanças e excluiu de seu texto a expressão “mulher honesta”, que facilitava a vida de estupradores e criminosos ao questionar a idoneidade das vítimas. Mas as decisões dos dois tribunais deixam claro que esta prática ainda está em voga. A decisão do STJ é embasada pelo fato de as meninas serem “prostitutas reconhecidas”. O relator do STJ, ministro Arnaldo Esteves Lima, foi procurado ontem pela reportagem, mas não quis se pronunciar sobre o caso. Agora o Ministério Público vai trabalhar para tentar reverter a decisão.
Antes de serem prostitutas conhecidas, essas garotas são crianças e adolescentes que devem ser protegidas pelo Estado. A exploração sexual de crianças e adolescentes é crime e aqueles que a praticam devem ser punidos. Se não se coibir esse tipo de conduta, o número de crianças e adolescentes relegados à marginalidade e a exploração só tende a aumentar. E proteção integral e absoluta prioridade que é bom, nada...
