Autor Tópico: Caído na calçada  (Lida 651 vezes)

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Offline Nyx

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Caído na calçada
« Online: 24 de Junho de 2009, 23:32:29 »
Caído na calçada
David Coimbra

Ontem saí de casa mais cedo do que o normal e a temperatura era amena de primavera e o dia estava amarelo e azul e do som do meu carro se evolava o rock suave da Itapema e eu me sentia realmente bem. Estacionei numa rua quase bucólica do Menino Deus e vi que ali perto um catador de papel puxava sua carrocinha sem pressa.

Era magro e alto, devia andar nas franjas dos 50 anos e tinha a pele luzidia de tão negra. Ao seu lado saltitava um menino de, calculei, uns quatro anos de idade, talvez menos. Devia ser o filho dele, porque o observava com um olhar quente de admiração, como se aquele homem fosse o seu herói. Bem. Ao menos foi o que julguei, certeza não podia ter.

Já ia me afastar quando, por entre as grades da cerca de uma creche próxima, voou um brinquedo de plástico. Um desses robôs cheios de luzes e vozes, que se transformam em nave espacial e prédio de apartamentos, adorado pelas crianças de hoje em dia. Algum garoto devia ter atirado o brinquedo para cima por engano, ou fora uma gracinha sem graça de um amigo. O menino que era dono do brinquedo colou o rosto na grade como se fosse um presidiário, angustiado. O filho do catador de papel correu até a calçada, colheu o robô do chão e não vacilou um segundo: retornou faceiro para junto do pai, o brinquedo na mão, feito um troféu. Olhei para o menino atrás da cerca. Estranhamente, ele não falou nada, não gritou, nem reclamou. Ficou apenas olhando seu brinquedo se afastar na mão do outro, os olhos muito arregalados, a boca aberta de aflição.

Muito orgulhoso, o filhinho do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai. O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou a mão calosa à cabeça do filho. E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no mesmo nível. A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover. Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino. Falava devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância. A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, em silêncio, devolveu-lhe o brinquedo. Voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou a carrocinha outra vez. Seguiram em frente, o pai forcejando, o filho ao lado, agora não saltitante, mas pensativo, concentrado.

Então, tive certeza: aquele olhar com que o menino observara o pai era mesmo de admiração, ele era de fato o seu herói.


 

Fonte: ZH (David Coimbra)

Offline Nina

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Re: Caído na calçada
« Resposta #1 Online: 25 de Junho de 2009, 01:03:08 »
Lindo... quem dera a maioria fosse assim.
"A ciência é mais que um corpo de conhecimento, é uma forma de pensar, uma forma cética de interrogar o universo, com pleno conhecimento da falibilidade humana. Se não estamos aptos a fazer perguntas céticas para interrogar aqueles que nos afirmam que algo é verdade, e sermos céticos com aqueles que são autoridade, então estamos à mercê do próximo charlatão político ou religioso que aparecer." Carl Sagan.

Offline Renato T

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Re: Caído na calçada
« Resposta #2 Online: 25 de Junho de 2009, 10:24:31 »
Muito bom. :)

Offline Tex Willer

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Re: Caído na calçada
« Resposta #3 Online: 25 de Junho de 2009, 11:23:36 »
 :ok:
"A velhacaria e a idiotice humanas são fenômenos tão correntes, que eu antes acreditaria que os acontecimentos mais extraordinários nascem do seu concurso, ao invés de admitir uma inverossímil violação das leis da natureza".  - Hume

Offline biscoito1r

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Re: Caído na calçada
« Resposta #4 Online: 25 de Junho de 2009, 13:28:00 »
Um moleque da rua roubou meu brinquedo quando eu era criança :chorando:
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Offline Tupac

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Re: Caído na calçada
« Resposta #5 Online: 25 de Junho de 2009, 13:49:18 »
Um moleque da rua roubou meu brinquedo quando eu era criança :chorando:
Bundão... Por que não recheou ele de porrada?
"O primeiro pecado da humanidade foi a fé; a primeira virtude foi a dúvida."
 - Carl Sagan

"O que é afirmado sem argumentos, pode ser descartado sem argumentos." - Navalha de Hitchens

Offline biscoito1r

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Re: Caído na calçada
« Resposta #6 Online: 25 de Junho de 2009, 13:57:31 »
Um moleque da rua roubou meu brinquedo quando eu era criança :chorando:
Bundão... Por que não recheou ele de porrada?
Pq toda vida eu fui magricelo e fraco, os bullies só queriam ser meus amigos quando tinha trabalho de escola em grupo.
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Offline Herf

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Re: Caído na calçada
« Resposta #7 Online: 25 de Junho de 2009, 19:47:51 »
Citar
Muito orgulhoso, o filhinho do catador de papéis mostrou o brinquedo ao pai. O pai olhou. E fez parar a carrocinha. Largou-a encostada ao meio-fio. Levou a mão calosa à cabeça do filho. E se agachou até que os olhos de ambos ficassem no mesmo nível. A essa altura, eu, estacado no canteiro da rua, não conseguia me mover. Queria ver o desfecho da cena. O pai começou a falar com o menino. Falava devagar, com o olhar grave, mas não parecia nervoso. Explicava algo com paciência e seriedade. O menino abaixou a cabeça, envergonhado, e o pai ergueu-lhe o queixo com os nós do dedo indicador. Falou mais uma ou duas frases, até que o filho balançou a cabeça em concordância. A seguir, o menino saiu correndo em direção à creche. Parou na grade, em frente ao outro garoto. Esticou o braço. E, sem pestanejar, arrancou o relógio do garoto atrás da grade da creche que, perplexo, pôs-se a chorar copiosamente. O garoto então voltou correndo para o pai, que lhe enviou um sorriso e levantou a carrocinha outra vez. Seguiram em frente [...]

Offline Herf

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Re: Caído na calçada
« Resposta #8 Online: 25 de Junho de 2009, 19:48:41 »
Falando sério: muito legal. :)

 

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