Manson, o pesadelo hippie
Ele se achava o quinto beatle enviado por Deus para guiar a juventude que curtia muito rock, sexo e drogas. Mas Charles Manson e a violência de seu grupo de seguidores colocaram fim aos sonhos da geração paz e amor
por Dagomir Marquezi
Tudo o que Charles Manson queria era ser um popstar. Conseguiu. Trinta e cinco anos depois dos crimes que fizeram sua fama, sua expressão insana e a cicatriz em forma de suástica na testa fizeram dele um ícone. Como criminoso, não chegou a ser original. Mais um na lista de líderes messiânicos que passa por Antônio Conselheiro e Osama Bin Laden. A diferença é que a alucinação coletiva explorada por Manson estava embalada em rock, sexo, Hollywood e LSD.
Nem sua história é propriamente original. Violenta, mas comum a um monte de outros criminosos que infestam as prisões americanas. Filho de pai desconhecido, nasceu em 12 de novembro de 1934 no Ohio. Sua mãe, Kathleen, tinha 16 anos. Uma garota alcoólatra e promíscua, perdida na vida medíocre do Meio-Oeste americano. Aos 5 anos, Charlie viu a mãe ser presa por roubo e foi morar com os tios, fanáticos religiosos. A experiência foi fundamental na sua vida. Por intermédio deles, Charles conheceu o trecho da Bíblia que repetiria para sempre: “E o quinto anjo apareceu, e a ele foi entregue a chave do poço sem fundo”. (Apocalipse, capítulo 9, versículos 1, 2 e 3).
Três anos depois, ele foi levado de volta pela mãe para uma nova temporada em quartos de motel, entre os namorados bêbados dela. Em 1945, Kathleen se encheu do filho e o mandou para uma instituição juvenil. Ele tinha 10 anos de idade.
Seu comportamento a partir daí começou a seguir um padrão. Ele dava um jeito de fugir, se envolvia em crimes e era apanhado de novo. Na prisão, entre casos homossexuais e surtos de violência, aprendeu três coisas que definiriam seu futuro. A primeira foi um curso intensivo de gigolô que incluiu técnicas psicológicas para dominar mulheres. Depois aprendeu princípios de controle mental, numa espécie de versão primitiva da neurolingüística. O terceiro foco de estudo foi o violão. No meio dos anos 1960, tornou-se um guitarrista bem razoável e fanático pelos Beatles.
No dia 21 de março de 1967, Charles Manson acabou de cumprir sua pena num presídio da Califórnia e implorou para as autoridades que não o soltassem. Havia passado 17 dos seus 32 anos de idade em prisões e achava que não estava preparado para o mundo lá fora. Pedido negado. Às 8h15 da manhã daquela terça-feira, Charlie estava livre.
Pegou um ônibus e foi para São Francisco. Saltou direto do isolamento carcerário para o berço da revolução hippie. Adaptou-se. Deixou o cabelo crescer, tocou seu violão em troca de moedas, dormiu na rua. Num concerto ao ar livre do Grateful Dead – banda cujas músicas eram trilha sonora obrigatória entre a juventude dos anos 60 – tomou seu primeiro LSD. Ficou chorando no chão, braços abertos, dizendo que era Jesus Cristo sendo crucificado.
Naquele mágico verão de 1967, enquanto os Beatles lançavam o álbum Sgt. Peppers, Manson foi parar na cama de uma jovem bibliotecária pedante e pouco atrativa chamada Mary Brunner. Na cama, Charlie sussurrou a Mary: “Enquanto a gente estiver fazendo amor, feche os olhos e imagine que eu sou seu pai”. Ela fechou os olhos e gamou para sempre. Usando a mesma técnica, Manson levou uma segunda menina para a casa de Mary, e uma terceira. Logo tinha um harém de adolescentes hippies e morava em Haight-Ashbury, vizinho de Jerry Garcia (do Grateful Dead) e Janis Joplin (outro ícone daqueles loucos anos).
No fim de 1967 Charlie colocou sua “família” num ônibus escolar pintado de preto. No ônibus nasceu o filho dele com Mary Brunner. Charlie cortou o cordão umbilical com os próprios dentes. Viajaram sem parar por toda a costa americana do Pacífico, recrutando novos membros. Charlie destruía suas personalidades trocando seus nomes e usando drogas e sexo em altas doses.
No início de 1968 Charles Manson decidiu que era chegado o momento de sua “operação rock star”. Estacionou seu ônibus em Los Angeles e seguiu com a Família em busca de quem descobrisse seu talento como artista. Chegou a gravar um disco. Usando suas meninas como isca, começou a freqüentar os famosos de Hollywood. Em março, entrou com a Família na mansão de Dennis Wilson (um dos Beach Boys, outra banda de sucesso na época), na Sunset Boulevard (um dos endereços mais badalados da cidade). Alguns empresários ficaram impressionados com as possibilidades comerciais daquela trupe. Mas os maus modos do candidato a astro assustavam. Dennis Wilson teve que chamar a polícia para expulsar todo mundo de seu quintal.
Enquanto esperava pela fama, Manson levou sua turma para o Rancho Spahn, na periferia de Los Angeles. O Spahn era usado como cenário para faroestes de baixo orçamento. A essa altura, a Família já era um grande aglomerado com dezenas de jovens, alguns com passagem pela polícia. Cada criança que nascia era separada da mãe para “não criar raízes”. Documentos de identidade eram destruídos, e todos obrigados a trocar seus nomes. Ninguém podia comer antes de Charlie. Os homens eram servidos primeiro, depois os cães, e por fim as mulheres. Negros nem entravam. Grandes orgias eram organizadas em detalhes por Manson.
Gravou mais um disco. Segundo seu produtor, a fita foi apagada pois “as vibrações não eram deste mundo”. Manson não desistiu. Quanto mais esperava o contrato, mais agressivo ficava. Aderiu a cultos satânicos. Gangues de motoqueiros eram atraídas pelo sexo fácil com as garotas. O Spahn virou um foco de doenças venéreas.
No início de 1969, Charlie foi sozinho até a casa do empresário Terry Melcher (filho da atriz Doris Day) no numero 10050 da rua Cielo Drive, em Bel-Air. Entrou sem pedir licença na casa de hóspedes da mansão e deu de cara com o empresário Rudi Altobelli saindo do banho. Altobelli o convidou a sumir. A caminho da rua, o humilhado Charlie cruzou o olhar com uma linda e loura jovem atriz em ascensão em Hollywood. Foi apenas um segundo, mas o destino dos dois já estava ligado. O nome da atriz era Sharon Tate, casada com o diretor polonês Roman Polanski. Eram estrelas obrigatórias nas maiores festas de Hollywood. No início de 1969 Polanski foi preparar sua próxima produção na Europa. A mansão de Terry Melcher em Cielo Drive foi alugada para que Sharon passasse a gravidez na companhia de amigos fiéis.
"Helter Skelter"
Charlie voltou ao Spahn sem o contrato. Mas no caminho encontrou o sentido da sua vida: o célebre Álbum Branco dos Beatles. Ouvindo suas músicas, Manson desenvolveu seu evangelho de racismo e violência acreditando ter o aval de John, Paul, George e Ringo (leia quadro na página 36). A viagem era mais ou menos a seguinte: como no Apocalipse, haveria quatro anjos (os Beatles) aos quais se juntaria o quinto (ele, Manson). Quando eles estivessem juntos começaria a Helter Skelter, uma guerra civil em que brancos e negros se matariam. Enquanto isso, Charlie e sua turma esperariam no “poço sem fundo”. Quando tudo terminasse, eles sairiam do buraco para herdar a Terra. Manson pediu às suas meninas que telefonassem para os Beatles, na Inglaterra, e avisassem que o “quinto anjo havia entendido a mensagem”.
Enquanto os Beatles não respondiam às suas ligações, a Família foi se transformando de um bando de ripongos esquisitões numa tropa paramilitar. Charlie fez treinamento com armas brancas. Reuniu comandos para invadir casas em silêncio enquanto seus donos dormiam. Estudou as batalhas no deserto durante a Segunda Guerra. Começou a montar um esquadrão de motos e bugues armados.
O clima de paranóia foi crescendo em Spahn. A primeira vítima foi o professor de música Gary Hinman, vizinho e incentivador da Família. Depois de tomarem-lhe o dinheiro, ele teve a orelha arrancada e sangrou até morrer. Em seguida, um funcionário do lugar, Donald Shea, que ousou desafiar as ordens de Charlie, acabou esquartejado.
Em 8 de agosto de 1969, a uma semana do lendário festival de Woodstock, Charlie decidiu que havia chegado o dia de Helter Skelter. Juntou alguns dos seus ajudantes de confiança e deu uma faca a cada um. Ordenou que fossem à mansão da Cielo Drive 10 050 e matassem “quem estivesse lá dentro”. Com crueldade e muito sangue e que fizessem parecer que negros eram culpados. No início da madrugada do dia 9, o grupo chegou à mansão, cortou os fios de telefone e pulou o portão. A primeira vítima foi Steven Parent, 18 anos. Parent tentou vender um rádio-relógio ao caseiro e estava de saída quando cruzou com o bando. Levou um tiro por estar no lugar errado na hora errada. A seguir, os assassinos entraram pelos fundos e renderam seus quatro ocupantes.
O que se seguiu foi uma carnificina. Quando a empregada chegou na manhã seguinte encontrou o casal de amigos Abigail Folger (25 anos, herdeira de um império de café) e o polonês Voytek Frykovsky (escritor, 32 anos) caídos junto à piscina. Abigail tinha o vestido completamente empapado de sangue. Frykovsky, amigo de Polanski, tinha levado dois tiros na cabeça e 51 facadas.
Na sala o ambiente estava ainda mais macabro. Com uma toalha cobrindo a cabeça, jazia um dos mais prestigiados cabeleireiros da capital do cinema, Jay Sebring. Uma corda enrolada em seu pescoço passava por uma viga no teto e enforcava na outra ponta Sharon Tate, 26 anos. Só de biquíni, grávida de oito meses. Seu filho não recebeu nenhum ferimento, mas não sobreviveu. Na parede, a expressão “Helter Skelter” foi pintada com o sangue das vítimas.
Na manhã seguinte, Hollywood estava em pânico. Os estoques de armas das lojas se esgotaram. Todos os seguranças à disposição arranjaram emprego. Sem uma pista concreta e com uma certa incompetência da polícia de Los Angeles, os boatos começam a surgir. Alguns falavam em acerto de contas entre traficantes. Outros, num ritual de sexo e satanismo com final trágico.
Enquanto isso, no Rancho Spahn, Charles Manson decretou o segundo dia de Helter Skelter. No dia 10, foi pessoalmente com seus comandados e escolheu meio ao acaso a residência do casal LaBianca. Entrou sozinho, amarrou os dois, saiu e chamou seus comandados para completarem o serviço. Rosemary LaBianca foi esfaqueada 41 vezes na própria cama. Leno LaBianca teve ainda um garfo enfiado na barriga. Antes de sair tomaram um lanche e escreveram de novo “Helter Skelter” na geladeira.
Impunes, Charlie e sua Família haviam partido nos seus bugues para o deserto em busca do “poço sem fundo”. Alguns deles acabaram presos sem querer numa batida por roubo de carro. Denunciado por seus amigos, Manson foi encontrado escondido debaixo de uma pia e se entregou sem qualquer resistência.
Ninguém suspeitava que seus crimes eram muito maiores, quando Susan Atkins, uma das mais fiéis seguidoras de Charlie, ficou íntima de uma colega de cela. Confessou a ela rindo que entrou em êxtase sexual enquanto esfaqueava Sharon Tate. O quebra-cabeça começou a ser montado. O mais difícil foi incriminar Manson, já que ele matava por controle remoto. Charles Manson transformou o julgamento num circo da “luta contra o sistema” para a mídia “alternativa”. As garotas provocavam escândalos no tribunal e Manson tentou matar o juiz com um lápis. Depois de um longo processo a promotoria conseguiu a condenação à morte de Charles Manson e de seis de seus seguidores, em 19 de abril de 1971, 618 dias depois do crime em Cielo Drive.
No ano seguinte, a pena de morte foi abolida na Califórnia e todos os condenados tiveram sua pena trocada automaticamente por prisão perpétua. Os mais fiéis seguidores de Charlie renegaram o líder e se converteram a igrejas evangélicas. Os crimes que eles cometeram continuam sendo lembrados em livros, músicas, filmes e programas de TV.
Atualmente, Charles Manson cumpre sua pena no presídio de Corcoran, na Califórnia, sem chance de condicional. Em novembro ele completou 70 anos de idade. Deve morrer da maneira que pediu naquele distante março de 1967: atrás das grades.
O album branco de Mason
Como o assassinose inspirou nos Beatles paracometer seus crimes
Ivan Finotti
Em janeiro de 1971, quando Charles Manson era julgado pelo assassinato de sete pessoas, o promotor Vincent Bugliosi levou uma vitrola ao tribunal e colocou para tocar o Álbum Branco dos Beatles. Bugliosi tentava mostrar aos jurados o nível de alucinação de Manson, que entendia cada uma das músicas como um recado pessoal para ele. Manson achava que os Beatles eram os Quatro Cavaleiros do Apocalipse tentando encontrar o quinto: ele mesmo, Charles Jesus Cristo Manson. Pensava que “Helter Skelter”, nome de uma das músicas, era o juízo final, quando negros matariam todos os brancos, com exceção de seu grupo. Uma das mensagens aparece na música “Revolution 1”.Ali, Lennon canta “But when you talk about destruction/ Don’t you know that you can count me out” (“Mas quando você fala em destruição/ Não sabe que pode me excluir dessa?”). Logo após o término da frase, pode-se ouvir a palavra “in”, o que mudaria o sentido da frase para “Não sabe que pode me incluir nessa?” Para Manson, isso significava que os Beatles ficaram indecisos quanto à revolução, mas que, enfim, haviam se decidido.
Honey Pie
O que os Beatles cantaram - Oh honey pie my position is tragic/ Come and show me the magic/ of your Hollywood song/...Oh honey pie you are driving me frantic/ Sail across the Atlantic/ To be where you belong
O que quer dizer - Oh, meu bem, minha posição é trágica/ Venha me mostrar a magia/ De sua canção de Hollywood/ Oh, meu bem, você está me deixando louco/ Atravesse o Atlântico/ Para estar no lugar ao qual pertence
O que Manson entendeu - Que os Beatles sabiam que Jesus Cristo, agora reencarnado em Manson, estava em Los Angeles, Hollywood. E o chamavam para ir à Inglaterra confabular. Manson realmente tentou telefonar aos Beatles, mas não passou dos assessores
I Will
O que os Beatles cantaram - And when at last I find you/ Your song will fill the air/ Sing it loud so I can hear you/ Make it easy to be near you
O que quer dizer - E quando finalmente eu o encontrar/ sua canção preencherá o ar/ Cante alto para que eu possa ouvi-lo/ Facilite estar perto de você
O que Manson entendeu - Que os Beatles, os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, tinham perdido contato com o quinto, Charles Manson. E pediam para que Manson gravasse um disco para poder ser localizado na América
Revolution 1
O que os Beatles cantaram - You say you got a real solution/ Well you know/ We·d all love to see the plan
O que quer dizer - Você diz que tem uma solução real/ Bem, você sabe/ Nós todos adoraríamos ver o plano
O que Manson entendeu - Que os Beatles estavam pedindo para que Manson revelasse logo seus planos de dominação do mundo
Blackbird
O que os Beatles cantaram - Blackbird singing in the dead of night/ Take these broken wings and learn to fly/ All your life/ You were only waiting for this moment to arise
O que quer dizer - Melro cantando na calada da noite/ Bata essas asas quebradas e aprenda a voar/ Por toda a vida/ Você esteve apenas esperando esse momento chegar
O que Manson entendeu - Que os Beatles estavam conclamando os negros a se revoltarem contra os brancos. O plano de Manson era fazer seus crimes serem atribuídos a negros, que seriam perseguidos, lutariam e acabariam com os brancos.
Piggles
O que os Beatles cantaram - In their styes with all their backing/ They don·t care what goes on around/ In their eyes there·s something lacking/ What they need·s a damn good whacking
O que quer dizer - Nas pocilgas, com seus traseiros enormes/ Eles não se preocupam com o que acontece/ Em seus olhos, há algo faltando/ O que eles precisam é de uma bela pancada
O que Manson entendeu - Que os porcos (piggies) deveriam ter o que mereciam. Porcos são as autoridades, empresários, trabalhadores, tudo o que Manson e seu bando não eram. “Death to pigs” (morte aos porcos) apareceu escrita com sangue nas parede da casa das vítimas
Helter Skelter
O que os Beatles cantaram - Helter skelter/ Look out helter skelter/ She·s coming down fast/ Yes she is
O que quer dizer - Confusão/ Cuidado com a confusão/ Está chegando depressa/ Está sim
O que Manson entendeu - Que os Beatles avisavam a chegada do juízo final. “Helter Skelter” foi escrito com sangue na geladeira de uma vítima
FONTE:http://historia.abril.com.br/gente/manson-pesadelo-hippie-433931.shtml