A exacerbação do egoísmo
A psicanálise com frequência se descreve mais como um meio de conhecimento de si próprio do que uma terapia. Ela se opõe a qualquer forma de avaliação global da eficácia de seus métodos, julgando esta abordagem muito simplista (Lacan chega a mencionar “a subversão da posição do médico pelo avanço da ciência”). Mas, como mostra um relatório do Inserm, quando essa eficácia foi avaliada levando em consideração um número suficiente de casos, os benefícios terapêuticos foram julgados quase inexistentes em comparação às terapias comportamentais e cognitivas que comprovaram sua eficácia em um grande número de distúrbios.
Parece até mesmo que o fato de seguir uma terapia psicanalítica leva amiúde a um aumento do egocentrismo e uma diminuição da empatia. Depois de uma pesquisa sobre a imagem e os efeitos da psicanálise realizada junto a uma ampla amostragem de população, o psicólogo social Serge Moscovici concluiu que, na maioria dos casos, “o psicanalisado, arrogante, fechado, dado à introspecção, esquiva-se sempre da comunicação com o grupo”. Quanto ao psiquiatra francês Henri Baruk, ele critica a prática analítica por reforçar os conflitos interpessoais na medida em que o sujeito psicanalisado “frequentemente vê com severidade seus próximos, pais cônjuge, responsabilizando-os por seus males”. Baruk também observa que alguns indivíduos psicanalisados se tornam muito agressivos, são extremamente severos em relação aos outros, acusando-os sem cessar, o que faz deles indivíduos antisociais. A prática psicanalítica parece, portanto, atrofiar nossas disposições para o altruísmo.
Alguns psicanalistas, longe de negar essa orientação egoísta, parecem endossá-la. François Roustang fala de “fazer o outro passar à inexistência”. Jacques Lacan afirma que “pessoas bem-intencionadas são muito piores que as mal-intencionadas”. Pierre Rey, ex-diretor da revista Marie Claire, submeteu-se a sessões diárias com Lacan para tentar se curar de fobias sociais que, segundo ele, nunca diminuíram nos dez anos de “cura”. Ele afirma ter aprendido muito com sua análise, entre outras coisas, o fato que: “Todas as relações humanas se articulam em torno da depreciação do outro – para ser, é preciso que o outro seja menos'”.
Rey não deixa de aplicar suas convicções, como testemunha o seguinte fato: numa noite em casa de amigos, ele ouve dois jovens explicar que Lacan é um perigoso charlatão. “Por cinco minutos”, relata Rey, “segurei-me para não intervir. Em seguida, senti um véu branco obscurecer meus olhos enquanto uma fantástica dose de adrenalina me fez levantar, repentinamente lívido, músculos tensos, rosto petrificado. Apontei a cada um deles um indicador assassino e me ouvi dizer com uma voz trêmula: “Escutem aqui, seus imbecis, prestem atenção… Uma piscada, mais uma palavra, eu mato vocês.” Paralisados, brancos como giz, acho que nem respiravam. Com medo de ter que cumprir minha promessa, dei meia-volta. Eles aproveitaram e saíram de fininho.
É inegável que muitos psicanalistas tratam seus pacientes com benevolência e que há pacientes que comprovam ter sido beneficiados pela cura psicanalítica, mas é preciso constatar, à luz dos escritos e palavras dos fundadores, que, em linhas gerais, a teoria psicanalítica incentiva o egoísmo e deixa pouco espaço ao altruísmo.
“Liberar” as emoções ou “liberar-se” das emoções?
O testemunho de Pierre Rey, como de outros, mostra que a psicanálise dificilmente pode ser considerada uma ciência das emoções. Se não, como conseguiria chegar a tal incapacidade de administrar as emoções destrutivas? Rey relata: “Jorraram de mim numa agitação assustadora gritos bloqueados por detrás de minha carapaça de benevolência cordial. Desde então, todos sabiam aa que se ater com relação aos meus sentimentos a seu respeito. Quando eu amava, para o bem ou para o mal, amava. Quando odiava, para o bem ou para o mal, todos ficavam sabendo”.
Existe aí uma confusão, com sérias consequências, entre liberar as emoções como se soltássemos uma matilha de cães selvagens, e se liberar do julgo das emoções destrutivas e conflituosas, no sentido de não mais ser escravo delas. No primeiro caso, renunciamos a qualquer gestão das emoções negativas e deixamo-las explodir pelo menor motivo, em detrimento do bem-estar do outro e de nossa própria saúde mental. No segundo, aprendemos a libertar-nos de seu poder, sem reprimi-las nem deixá-las destruir o nosso equilíbrio.
A psicanálise nunca recorre à prática de métodos que permitam se libertar gradualmente das toxinas mentais, tais como o ódio, o desejo compulsivo, a inveja, a arrogância e a falta de discernimento, nem de cultivar as qualidades, tais como, o amor altruísta, a empatia, a compaixão, a plena consciência e a atenção.
A psicanálise tem valor científico?
O próprio Freud definia a psicanálise como “um procedimento para a investigação de processos anímicos, que são, de outro modo, dificilmente acessíveis; um método de tratamento de perturbações neuróticas que se funda nesta investigação; uma série de concepções psicológicas adquiridas por tal via, que crescem ao mesmo tempo, paulatinamente, para desembocar em uma nova disciplina científica”. Depois, ela foi apresentada como uma “ciência do individual” pelo psicanalista Robert De Falco, que afirma que “o sucesso da psicanálise no mundo, e seu internacionalismo, resulta da combinação da exigência de um saber científico rigoroso e de um judaísmo que havia rompido com a religião”.
Os filósofos das ciências, os psicólogos e os especialistas das ciências cognitivas são, em sua vasta maioria, da opinião que a psicanálise não pode ser considerada uma ciência válida. Eles chegaram a essa mesma conclusão por diferentes caminhos.
O filósofo das ciências Karl Popper acredita que a psicanálise não pode ser considerada uma ciência, uma vez que uma teoria que continua válida tanto para uma observação quanto para o contrário nunca pode ser levada em consideração. Não podendo ser comprovada nem refutada, constitui apenas uma especulação que não acrescenta nada aos nossos conhecimentos.
Um cientista digno desse nome começa emitindo hipóteses – por exemplo a existência do complexo de Édipo no desenvolvimento afetivo da criança -, para em seguida submetê-las a rigorosos testes experimentais suscetíveis de confirmá-las ou refutá-las. Se a observação mostra que os efeitos previstos pela teoria não se produzem, esta é refutada e deve ser abandonada ou modificada. Assim, o critério de refutação permite distinguir o procedimento científico da pseudociência.
Ora, a psicanálise esquiva-se de qualquer refutação concebível graças a sofismas que lhe permitem ter sempre razão, quaisquer que sejam os fatos observados e os argumentos que se lhe opõem: ela se autoconfirma permanentemente. Se um paciente chega adiantado à sessão, ele é ansioso; se chega no horário, é maníaco; se atrasa, é recalcitrante e hostil. Para dar um exemplo mais específico, como provar ou refutar a pedra angular do edifício freudiano, que é o complexo de Édipo?, questionam os autores do “Livro Negro da Psicanálise”. Isso parece impossível, pois se um menino adora a mãe e teme o pai, a psicanálise dirá que ele é a perfeita ilustração desse processo universal. Se rejeita a mãe estando atraído por seu pai, dirá que ele reprime seu “Édipo”, sem dúvida por medo da castração, ou ainda que manifesta um “Édipo negativo”. Em qualquer situação, a psicanálise sempre tem razão. O psicólogo Adolf Wohlgemuth resumia assim essa posição: “Cara eu ganho, coroa você perde”.
Consequentemente, Popper considera que as explicações dos psicanalistas são tão vagas e imaginárias quanto as dos astrólogos e se aparentam muito mais a uma ideologia do que uma ciência.
Um outro grande filósofo das ciências e das teorias do conhecimento, Ludwig Wittgenstein, ficou inicialmente fascinado pela sofisticação aparente da psicanálise mas, após exame metódico, chega à seguinte conclusão:
“Freud prestou um mau serviço com suas pseudoexplicações fantásticas (precisamente porque são engenhosas). Qualquer tolo tem agora essas imagens na mão para explicar, graças a elas, fenômenos patológicos.”
A especulação intelectual, por mais sofisticada que seja, não poderia exibir-se da confrontação com a realidade, isto é, de uma verificação experimental rigorosa. As “pseudoexplicações fantásticas” abundam nos textos psicanalíticos, como prova aquela sugerida pela famosa psicanalista infantil Melanie Klein que parece ter conseguido um acesso quase sobrenatural ao que acontece no cérebro das crianças de menos de dois anos, que ainda não começaram a falar:
“O objetivo principal do indivíduo é de apropriar-se dos conteúdos do corpo da mãe e destrui-la com todas as armas que o sadismo dispõe. (…) Dentro do corpo da mãe, a criança espera encontrar: o pênis do pai, excrementos e crianças, todos esses elementos sendo assimilados a substâncias comestíveis. (…) Nas fantasias, os excrementos são transformados em armas perigosas: urinar equivale a cortar, apunhalar, queimar, afogar, enquanto as matérias fecais são assimiladas a armas e projéteis.”
Um outro epistemólogo (historiador do conhecimento), Adolf Grunbaum, adotava uma posição diferente da de Popper. Para ele, alguns enunciados de Freud são efetivamente refutáveis, visto que, ao serem examinados, revelam-se simplesmente falsos. Freud afirma, por exemplo:
“A inferioridade intelectual de tantas mulheres, que é uma realidade indiscutível, deve ser atribuída à inibição do pensamento, inibição necessária para a repressão sexual.”
Como destaca Jacques Van Rillaer, ecoando a afirmação de Grunbaum, Freud “enuncia duas leis empíricas que podem ser testadas: a inferioridade intelectual das mulheres seria ‘uma realidade’ (a psicologia científica mostrou que não é verdade); a falta de inteligência seria devida à repressão sexual (duvido que se possa observar, numa ampla amostragem, que, quando mulheres sexualmente muito controladas conseguem se libertar de suas inibições, suas capacidades intelectuais são automaticamente aumentadas)”
Frank Cioffi, professor de epistemologia da Universidade de Kent, adota um terceiro modo de refutação: ele qualifica Freud de pseudocientista pela simples razão de ter publicado falsas alegações para comprovar suas hipóteses. Freud nunca realizou pesquisas sistemáticas envolvendo grande número de indivíduos para testar suas ideias, acreditando que as observações clínicas de alguns pacientes bastariam para comprovar suas teorias. Além disso, as pesquisas históricas mostram que Freud não hesitava em truncar a descrição e as conclusões de suas observações clínicas para confirmar suas teorias. O psiquiatra Henri Ellenberger encontrou no instituto psiquiátrico os documentos relativos à Anna O., a primeira paciente psicanalisada segundo os princípios freudianos. Ela ficou visivelmente pior após a tentativa de cura conduzida por Josef Breuer, e a internaram por vários anos no hospital psiquiátrico em questão. Ora, Freud escreveu que Anna O. Havia sido curada de “todos os seus sintomas” pela psicanálise. Em “Os pacientes de Freud”, Borch-Jacobsen demonstrou, por outro lado, que as terapias conduzidas por Freud resultaram, em seu conjunto, em fracassos.
Tudo isso não teria tanta importância se tal teoria se limitasse ao mundo das ideias, mas o fato de ter se tornado uma prática terapêutia acarretou consequências prejudiciais a muitos pacientes. Um exemplo típico é o do autismo. Nos anos 1950, os psicanlistas, encabeçados por Bruno Bettelheim, responsabilizaram as mães pelo autismo de seus filhos. “Afirmo”, escreve Bettelheim, “que o fator que precipita a criança no autismo infantil é o desejo de seus pais de que ela não exista”. Assim, os psicanalistas passaram quarenta anos tentando “tratar” essas mães (que além do sofrimento por ter um filho autista, sentiam-se culpadas por sua doença), abandonando a criança à sua sorte.
Temple Grandin é professora de etologia na Universidade do Colorado. Ela é também autista. Quando criança manifestou graves sintomas, sua mãe a levou ao consultório de Bettelheim. Este declarou à mãe que ela era histérica, e que sua filha havia se tornado autista porque ela não a tinha desejado. Desesperada, procurou outro psicanalista que lhe explicou: “Em termos freudianos, isso significa que a mãe quer ter um pênis”. A mãe, pessoa equilibrada, que sempre cuidou de sua filha com afeto, fez este comentário humorístico: “Tem muitas coisas que eu gostaria de ter na vida, mas o pênis não está na minha lista”.
De fato, segundo a psicanálise, “a psicose da criança nasceria de um mecanismo de defesa diante de uma atitude de uma mãe incestuosa que, na ausência de falo, levaria a destruir o substituto do falo faltante representado por sua prole”. É possível imaginar algo mais absurdo do que isso?
Na França, de acordo com Franck Ramus, diretor de pesquisa no CNRS – Centro Nacional de Pesquisa Científica, os psicanalistas continuam apoiando-se no questionamento dos pais, particularmente da mãe, no caso da doença de seu filho. Uma delas relata que lhe perguntaram reiteradas vezes: “Você realmente queria seu filho?” Alexandre Bolling, pai de um menino autista de cinco anos, conta: “Um dos psiquiatras que consultamos afirmou que eu era esquizofrênico, o que explicava os distúrbios de meu filho…”. Um psiquiatra de trinta anos conta ter assistido a “cenas alucinantes” quando estagiava como psiquiatra infantil em centros de consultas para autistas: “A atribuição da culpa aos pais é uma realidade. Durante as sessões de debriefing, todos eram qualificados de psicóticos, e os problemas das crianças eram consequência exclusiva da toxidade paterna ou materna”.
Essas teorias foram abandonadas após décadas por todos os pesquisadores e cientistas, para quem o autismo é um distúrbio do desenvolvimento neurológico com forte componente genético. Existem inúmeras formas de autismo e, segundo trabalhos sintetizados por Martha Herbert, da Universidade de Harvard, é possível que o aumento da incidência do autismo nos últimos cinquenta anos esteja em parte vinculado ao uso globalizado de pesticidas e fertilizantes. O que sim sabemos é que essa doença jamais é provocada pela influência psicológica da mãe.
Na Inglaterra e em muitos outros países, 70% dos autistas, tratados com atenção, e não suas mães, frequentam estabelecimentos escolares normais. Somente os casos mais graves são colocados em instituições especializadas. Na França, é o contrário. Apenas 20% das crianças são autistas são escolarizadas e levam uma vida quase normal. As demais carregam o peso da influência do pensamento psicanalíticos nos meios acadêmicos. Recentemente, a Alta Autoridade de Saúde – HAS – concluiu que a psicanálise era “não pertinente” no caso do autismo. Ela recomenda um diagnóstico precoce, exercícios educativos e terapias cognitivas baseadas em instrumentos de comunicação específicos por meio do uso de imagens, jogos ou exercícios de gestão dos comportamentos.