Tópico: Uma outra análise sobre o filme "Ensaio sobre a cegueira", comparações e outros.

[Josef Babinski]

Peço desculpas por criar outro tópico sobre esse assunto; os tópicos que vi continham o assunto, mas tematizaram pouco uma análise séria sobre o livro e o filme.

Em primeiro lugar, no meu ponto de vista, o filme não explicita alegoria alguma, contrariando, de certa forma, o foco principal do livro. O livro é, claramente, uma alegoria (figura de linguagem retórica) da falta de moral na sociedade atual. A grosso modo, fala da ausência de comportamentos "moralizados", típica de animais ("esses cegos, se não lhes acudirmos, não tardarão a transformar-se em animais, pior ainda, em animais cegos."). Somos vítimas dessa comparação a todo instante em trechos como "tu não sabes o que é ver dois cegos a lutarem, Lutar foi sempre, mais ou menos, uma forma de cegueira". É claro que existem muitas outra alegorias, como a da solidariedade e de doação máxima às outras pessoas, construída na personagem da mulher do médico, a única que podia enxergar. Mas, sem dúvida, o principal foi dito antes disso.

No filme, é evidente a falta do acompanhamento reflexivo, marcante no livro. O livro diz "a", mas a intenção é dizer "b", e o filme fica quase que completamente no "a"; o sentido literal da obra predominou sobre o figurado, ou seja, o filme inverteu a importância da alegoria. É como se o filme não pudesse ser levado a sério sem a prévia leitura da obra.

Para se ter uma idéia de como isso é fundamental, imagine, para quem conhece, a criação de um filme sobre "A metamorfose", de Franz Kafka. Ora, o filme ficaria completamente sem significado se fossem relatados, pura e simplesmente, apenas os fatos na maneira como são descritos nessa obra. Veja, por exemplo, que a transformação de Gregor em um inseto seguida da perda da visão representa o ápice da despersonalização a que ele é submetido tanto na família quanto nas relações de trabalho. Ainda mais fora de seu contexto socieconômico, não é como se houvessem, por trás dos fatos, significados implícitos cujo único significado é aquele apontado por Kafka.

Não sei o que dizer, pouco conheço sobre o diretor e não sei o que ele pretendeu. Mas não atendeu às minhas expectativas.