Deus é Bom por Definição?
Graham Oppy
Department of Philosophy – Monash University
É um facto histórico que a maior parte dos filósofos e dos teólogos que defenderam pontos de vista teístas tradicionais aceitou o realismo moral. Alguns teóricos dos «mandamentos divinos» sustentaram que o bem é constituído pelo conteúdo da aprovação divina -- isto é, que as coisas são boas porque, e na medida em que, têm a aprovação divina. Contudo, mesmo entre os teístas que sustentam que o bem é constituído independentemente -- isto é, entre aqueles que sustentam que o padrão de aprovação de Deus é explicado pelo facto de ele aprovar tudo o que, e apenas o que, é bom -- a metaética dominante foi fortemente realista.
É também um facto histórico que um dos principais motivos para o desenvolvimento de metaéticas não-realistas foi o desejo de apresentar uma perspectiva ateísta adequada da natureza do bem. Assim, o subjectivismo, o projectivismo e a teoria dp erro foram desenvolvidos frequentemente no contexto de investigações ateístas. É óbvio que as perspectivas ateístas do bem podem ser realistas, sendo disso exemplo -- o objectivismo não-natural de G. E. Moore. Contudo, a questão que desejo abordar é a de saber se as perspectivas teístas do bem podem ser não-realistas.
De facto, irei defender que a concepção filosófica tradicional de Deus exige um compromisso com o realismo moral. Apesar de terem sido formuladas uma grande série de metaéticas não-realistas, nenhuma delas é compatível com o teísmo. Por consequência, há um argumento contra o teísmo até agora ignorado que surge para avaliação, a saber:
1. O realismo ético é uma consequência necessária do teísmo tradicional.
2. O realismo ético é falso.
3. (Portanto) O teísmo tradicional é falso.
Neste ensaio concentrar-me-ei em 1. -- isto é, não tentarei fornecer um argumento para 2. Creio, no entanto, que existem argumentos independentes -- isto é, argumentos independentes do debate sobre o teísmo -- que favorecem o ponto de vista segundo o qual o realismo ético é falso. Por consequência, creio que o argumento deste ensaio contribui para a refutação do teísmo.
I
Richard Swinburne expressou aquela que considero ser a concepção tradicional de Deus. Em The Existence Of God (Oxford University Press, 1979) ele escreve:
Considero que a proposição «Deus existe» [...] é logicamente equivalente a «há uma pessoa sem corpo [...] que é eterna, completamente livre, omnipotente, omnisciente, completamente boa e criadora de todas as coisas». Uso «Deus» como nome da pessoa captada por esta descrição. (p.8)
Não penso que devamos dizer que «Deus existe» é logicamente equivalente a «existe uma pessoa sem corpo... etc.», pois, ao dizer isto, comprometemo-nos com a perspectiva segundo a qual se, por exemplo, i) existir uma pessoa sem corpo que seja eterna, completamente livre, omnipotente, omnisciente, muito (mas não completamente) boa e criadora de todas as coisas e ii) não existir uma pessoa sem corpo que seja eterna, completamente livre, omnipotente, omnisciente, completamente boa e criadora de todas as coisas, então Deus não existe. Este parece-me ser um ponto de vista estranho; nas circunstâncias descritas, parece-me que seria mais natural dizermos que Deus existe, mas que ele não é exactamente como o imaginávamos.
Porém, este não é um problema importante. Aquilo que penso que Swinburne deve dizer é que usamos a expressão «pessoa sem corpo [...] etc.» para estabelecer o referente da expressão «Deus»: Deus é o ser, se existe algum, que mais próximo está de satisfazer esta descrição. Se dois ou mais seres satisfazem esta descrição igualmente bem, então -- em rigor -- Deus não existe (embora existam talvez certos deuses). Além disso, devido a esta emenda à descrição de Swinburne, Deus ser uma «pessoa sem corpo [...] etc.» torna-se uma teoria substantiva.
Irei assumir, sem apresentar mais nenhum argumento, que a descrição emendada capta a concepção tradicional de Deus. Para o que se segue, o crucial é que muitos teístas estão comprometidos com o ponto de vista segundo o qual é uma verdade definicional, constitutiva ou necessária sobre Deus que ele é completamente bom -- e é este ponto de vista que alego ser incompatível com uma metaética não-realista.
II
Antes de entrar nos detalhes do argumento, quero introduzir uma razão independente para nos interessarmos por ele. Esta razão tem origem no contexto de uma disputa entre Michael Tooley e Richard Swinburne sobre o pano de fundo metaético no qual devemos situar a discussão do problema do mal.
Em «Does Theism Need A Theodicy?» (Canadian Journal Of Philosophy 18, 1988, pp.287-312), Swinburne escreve:
Preciso de estabelecer uma posição acerca do estatuto dos juízos morais. Sustento que estes têm valor de verdade; alguns são verdadeiros e alguns são falsos. [...] A questão de saber se certos males são compatíveis com a existência de um Deus bom só pode colocar-se se o bem e o mal forem propriedades que pertençam às pessoas, às acções, aos estados de coisas e se os juízos que afirmam ou negam a sua existência tiverem valor de verdade. (p.290)
Em resposta a esta passagem, Michael Tooley (em «The Argument From Evil», a publicar) comenta que:
Inseridas no que é de resto uma discussão muito ponderada, estas afirmações de Swinburne segundo as quais o problema do mal só se coloca se os juízos morais forem verdadeiros ou falsos e se o bem e o mal forem propriedades reais das pessoas, das acções e dos estados de coisas, são especialmente chocantes. Afinal, [...] suponhamos que a teoria do erro de John Mackie é correcta e que, embora atribuamos propriedades não-naturais às acções quando as descrevemos como correctas ou incorrectas e aos estados de coisas quando os descrevemos como bons ou maus, o mundo não contém de facto quaisquer propriedades deste tipo. Nesse caso, todos as nossas crenças éticas positivas seriam falsas, mas isso não impediria que algumas das crenças éticas do João fossem logicamente inconsistentes com algumas crenças da Maria, nem que algumas das crenças éticas do João fossem mutuamente inconsistentes ou dessem origem a inconsistências quando combinadas com algumas das suas crenças não-morais acerca do mundo. (p.8)
O objectivo de Tooley é mostrar que se pode questionar a consistência de conjuntos de crenças éticas de forma totalmente independente de considerações acerca do estatuto ontológico dos objectos dessas crenças -- e que disto pode parecer seguir-se imediatamente que «o problema do mal» também pode ser investigado de forma totalmente independente de considerações acerca do estatuto ontológico dos objectos dos juízos morais.
Contudo, penso que Tooley foi enganado pela sugestão (aparente?) de Swinburne segundo a qual qualquer disputa acerca da compatibilidade da existência do mal com a existência de certos estados de coisas não-morais exige o realismo moral como suposição de fundo. Dado que Swinburne sustenta que a perfeição moral é uma propriedade definicional de Deus, segue-se imediatamente que um ser a que falte o atributo da perfeição moral não pode ser Deus. Por consequência, Swinburne seria inconsistente se adoptasse a teoria do erro de Mackie: se a propriedade da «perfeição moral» não existe -- ou se existe, mas tem extensão vazia -- então, segundo a definição Swinburne, Deus não existe.
Ora, é claro que este argumento não mostra que a definição de Deus proposta por Swinburne o compromete com o ponto de vista metaético segundo o qual os juízos morais têm valor de verdade (e que o bem e o mal são propriedades que pertencem às pessoas, às acções, e aos estados de coisas). Contudo, como irei agora defender, penso que é plausível sugerir que Swinburne tem razão (talvez sem querer) quando sugere que o problema do mal surge apenas no contexto da pressuposição do realismo metaético.
III
Há tantas perspectivas não-realistas acerca da natureza das propriedades morais que é impossível discuti-las todas. Contudo, penso que as teorias que irei examinar são representativas. O meu objectivo é tornar plausível que efectivamente não existem perspectivas não-realistas da natureza da moral que os teístas tradicionais possam aceitar.
1. Subjectivismo Simples: Examinemos primeiro o ponto de vista simples segundo o qual quando um locutor diz «x é moralmente perfeito» está apenas a expressar uma atitude maximamente favorável em relação a x. Em geral, a ideia por detrás deste ponto de vista é a de que os juízos de valor -- «x é bom», «x é admirável» -- são a expressão de atitudes favoráveis. Além disso, este ponto de vista também sustenta que o uso correcto de expressões como «x é moralmente perfeito» é expressar atitudes maximamente favoráveis em relação a x -- i.e. atitudes favoráveis de intensidade máxima. (Com pequenas modificações, a discussão seguinte aplica-se a todas as teorias que sustentam que os juízos morais são apenas a expressão subjectiva de atitudes ou de emoções.)
Uma dificuldade que este ponto de vista apresenta para o projecto teísta de definição é a existência de um elemento indexical no uso da expressão «x é moralmente perfeito»: falantes diferentes irão referir objectos diferentes com esta expressão. Como poderia, então, uma tal expressão ser de alguma utilidade para definir comunitariamente um objecto único? Isto pareceria fazer tanto sentido quanto a suposição de que a expressão «objecto mais próximo de mim» define o mesmo objecto independentemente do falante. Claro que esta dificuldade seria evitada se aprovássemos todos as mesmas coisas na mesma extensão. Mas não aprovamos; até os monoteístas exibem um grande número de padrões diferentes de aprovação e desaprovação.
Contudo, há também uma dificuldade mais importante. Se adopto esta espécie de metaética subjectivista e emotivista, reconheço ser apropriado que uma pessoa diga que um objecto (acção, pensamento, etc.) é moralmente bom embora outra pessoa diga que o mesmo objecto é moralmente mau. Além disso, reconheço que não existe nenhuma boa razão para supor que haverá convergência universal na aplicação da expressão «moralmente perfeito». Por conseguinte, reconheço que pode acontecer que a definição teísta capte um objecto único em alguns falantes, mas não noutros. (É claro que pode também acontecer que a definição não capte nenhum objecto em nenhuma falante.) Devo subscrever a definição teísta? Bem, que razão tenho para pensar que o meu uso da expressão «moralmente perfeito» é um dos usos privilegiados que levam realmente a definição teísta a captar um ser único? Seria certamente culpado de uma hubris nada cristã se pensasse que tinha sido especialmente privilegiado a este respeito. (Uma vez que até os monoteístas discordam nos seus juízos morais, o facto de eu ser uma espécie particular de crente não é suficiente!)
A conclusão que tiro daqui é a de que quem subscreve a definição teísta não deve adoptar também uma metaética subjectivista directa.
2. Projectivismo (de Blackburn): Simon Blackburn defendeu recentemente uma metaética subjectivista mais sofisticada (veja-se, e.g., Spreading The Word, Oxford University Press, 1984 -- capítulo 6). Do ponto de vista projectivista de Blackburn -- como do ponto de vista do subjectivismo simples que examinámos acima -- os juízos morais são uma espécie de juízos não-descritivos que servem para expressar os nossos desejos (e outras atitudes não-cognitivistas). Contudo, a teoria de Blackburn é também quase-realista: i.e., procura fundar o nosso discurso e a nossa prática morais, ostensivamente realistas, num sistema projectivista mais lato. Assim, por exemplo, em «Just Causes» (Philosophical Studies, vol. 63, 1991, pp. 3-17), Blackburn tenta mostrar que o projectivismo pode explicar a intuição segundo a qual existe um tema comum e comunicável em qualquer debate moral.
Blackburn sugere que o projectivista pode dizer que, em qualquer debate moral em que valha a pena participar, os participantes reconhecerão que existe uma série de características às quais não é exageradamente idiossincrático responder com uma de entre uma série de respostas. Nesse caso, o tema comum do debate é constituído conjuntamente pela série de características e pela série de respostas. (E.g: Sócrates e Trasímaco estão ambos a falar sobre justiça porque estão ambos a responder a estruturas sociais com atitudes favoráveis e desfavoráveis.)
Talvez o sucesso desta resposta possa ser concedido ao projectivista, mas de pouco serve para o projecto teísta de definição. Suponhamos que concordamos que devemos sustentar que, por definição, Deus é moralmente perfeito. Suponhamos também que concordamos que todos entendemos por isto que Deus possui um conjunto de propriedades que caem dentro dos limites impostos pela idiossincrasia sobre o que pode ser considerado «perfeição moral». Então a posição seguinte tornar-se-á uma posição perfeitamente inteligível: acredito que Deus existe, acredito que Deus é moralmente perfeito e, no entanto, não tenho a menor disposição para olhá-lo favoravelmente. (Afinal de contas, pelo que sabemos, pode ser completamente monstruoso -- e.g. pode concordar com Trasímaco sobre a justiça!)
Ora, admito que esta posição seja inteligível. Contudo, sustento também que é uma posição que nenhum teísta tradicional desejará adoptar. É parte do ponto de vista tradicional que a perfeição moral de Deus ajuda a fazer dele um objecto adequado para devoção e adoração universais. Porém, na reconstrução projectivista de Blackburn da noção de perfeição moral, essa parte do ponto de vista tem de se perder. Se Deus é um objecto adequado para devoção e adoração universais, então tem certamente de resultar daí não apenas que ele é perfeitamente bom segundo o ponto de vista de cada um, mas também que (segundo cada um) ele é perfeitamente bom num sentido que (ceteris paribus) pode motivar cada um a estar disposto a olhá-lo favoravelmente.
Assim, concluo que o projectivismo (de Blackburn) não pode fornecer uma noção de perfeição moral que seja adequada ao projecto teísta de definição.
3. Perspectivas Dependentes-de-Resposta: Podemos ver a característica (acima) destacada do projectivismo de Blackburn como uma tentativa de reduzir a variação intersubjectiva no conteúdo dos conceitos morais que se encontra no subjectivismo directo. A última teoria que desejo examinar -- o ponto de vista segundo o qual os conceitos morais avaliativos são dependentes-de-resposta -- pode ser vista como outra tentativa na mesma direcção.
De um ponto de vista dependente-de-resposta, é uma verdade a priori sobre os conceitos morais que eles satisfazem a seguinte restrição: os objectos estão sob a alçada destes conceitos se, e só se, produzem certas respostas não-trivialmente especificáveis em certos sujeitos não-trivialmente especificáveis sob certas condições não-trivialmente especificáveis. Assim, por exemplo, se o bem moral é um conceito dependente-de-resposta, um objecto será moralmente bom se, e só se, produzir respostas R em sujeitos S sob condições C. (Cf. Mark Johnston «Dispositional Theories Of Value», PAS, 1990 para uma caracterização e discussão adicionais.)
Ora, em certo sentido, não há obstáculos à suposição de que um conceito dependente-de-resposta possa ser usado na definição de um objecto. Suponhamos -- apenas para exemplificar -- que os conceitos de cor são dependentes-de-resposta, de modo que um objecto é vermelho se, e só se, produzir certas respostas (parecer vermelho) em certos sujeitos (não daltónicos, mentalmente despertos, etc.) sob certas condições (boa luz, etc.). Pense na descrição «o objecto vermelho mais largo do universo». É óbvio que esta descrição capta um objecto -- pelo menos se o universo é finito e não há uma limitação para objecto vermelho mais largo -- e é também óbvio que a dificuldade «indexical» que encontrámos no caso de «objecto mais próximo de mim» não se aplica.
Apesar disso, continua a parecer haver algo errado na ideia de que esta espécie de conceito deve fazer parte da definição de Deus. No fim de contas, se tivéssemos respostas diferentes, os nossos conceitos seriam diferentes e então -- neste cenário -- parece que a nossa definição poderia apenas ser satisfeita por uma entidade completamente diferente. (Aqui imagino que tudo o mais se mantém constante -- de modo que a mesma forma das palavras é usada para expressar conceitos avaliativos, mas o conteúdo dessas avaliações difere porque as respostas relevantes diferem.) Assim, reconheço uma série de situações possíveis: há casos em que as nossas respostas levam a definição teísta a captar uma entidade única e há casos em que apenas outras respostas levam a definição teísta a captar uma entidade única. Devo subscrever a definição teísta? Bem, que razão tenho para pensar que o nosso uso da expressão «moralmente perfeito» é um dos usos privilegiados que levam realmente a definição teísta a captar um ser único?
Suponho que neste ponto podem ser dadas duas espécies de resposta. Primeiro, pode-se tentar argumentar com base em razões a posteriori -- i.e., defender que a evidência empírica de que dispomos apoia o ponto de vista segundo o qual o criador do universo é moralmente perfeito. Parece-me que esta resposta não tem bases sólidas. Sem dúvida que, se Deus existe, é racional atribuir-lhe algumas boas acções, intenções, etc. Além disso, esta atribuição parece-me ser perfeitamente compatível com uma análise dependente-de-resposta dos conceitos morais. Mas também me parece que a evidência aduzida nas apresentações tradicionais do problema do mal não apoia a conclusão de que Deus é moralmente perfeito. Isto é, a evidência de que dispomos sugere fortemente que é necessária uma qualquer espécie de justificação a priori da atribuição da perfeição moral a Deus.
A segunda opção que alguém pode seguir é tentar argumentar com base em razões priori que Deus é moralmente perfeito. Mas agora, uma vez que não existem argumentos a priori que activem o conteúdo real dos conceitos morais, parece que se pode levantar a mesma objecção que levantámos no caso do subjectivismo metaético simples. Por exemplo, se alguém argumentasse que há boas razões a priori para supor que o criador do universo é em tudo perfeito, não teria fornecido qualquer razão para pensar que Deus é moralmente perfeito. A priori, parece tão razoável supor que uma outra série de respostas daria origem a um conceito de «perfeição moral» que seja verdadeiramente aplicável a Deus como supor que Deus é moralmente perfeito. Certamente seríamos culpados de uma hubris nada cristã se pensássemos que somos especialmente privilegiados no padrão de respostas às quais nos conformamos. Afinal, enganamo-nos e somos falíveis -- e os nossos padrões de resposta moral sofreram grandes mudanças ao longo do milénio.
Suponho que uma resposta que um teísta poderia dar seria dizer que Deus fez as coisas de modo a que as nossas respostas sejam precisamente do tipo necessário para assegurar que a nossa definição o capte. Contudo, esta resposta parece entrar em conflito com outros pontos de vista teístas acerca do livre-arbítrio -- e, em todo o caso, pareceria uma alegação completamente infundada. Não temos nenhuma evidência que apoie o ponto de vista segundo o qual uma certa série de respostas avaliativas é exactamente aquela de que precisamos para que a definição teísta de Deus seja satisfeita unicamente por um objecto no nosso universo.
Em resumo, o problema é que parece não haver realmente justificação para fazer o seguinte:
i. Adoptar a definição tradicional de Deus;
ii. Acreditar que Deus existe;
iii. Adoptar uma descrição dependente-de-resposta dos conceitos morais.
Afinal, o facto putativo de os conceitos morais serem dependentes-de-resposta parece deixar-nos sem boas razões para pensar que haja um ser eterno, omnisciente, omnipotente, bem como moralmente perfeito. Se, como sugeri, as questões de evidência empírica puderem ser postas de lado, então parece que o conteúdo real dos nossos conceitos morais é irrelevante para os argumentos acerca da natureza de Deus -- e, no entanto, numa análise dependente-de-resposta as características puramente formais não nos podem dar qualquer razão para pensar que Deus é moralmente perfeito.
(Há uma objecção próxima desta, mas mais venerável, à ideia de que Deus é moralmente perfeito, que pode também ser mencionada aqui. Muitos autores medievais sustentam que é impossível que criaturas finitas e imperfeitas como nós formem uma concepção adequada das propriedades infinitas e perfeitas de Deus. Parece-me que esta objecção tem razão de ser no caso da atribuição da propriedade da perfeição moral a Deus dado o reconhecimento de que as propriedades éticas são dependentes-de-resposta. Pois, uma vez que as questões de evidência empírica podem ser postas de lado, que razão podemos ter para supor que Deus possui uma propriedade que é definida em termos das nossas respostas?)
Finalmente, para serenar possíveis temores, devo dizer que estas considerações nada fazem para minar a plausibilidade de uma descrição dependente-de-resposta dos conceitos avaliativos. A possibilidade de outras séries de respostas não precisa fazer nada para minar a nossa confiança na verdade dos nossos juízos comuns acerca do bem e do mal, do correcto e do incorrecto. Contudo, parece-me que o reconhecimento dessa possibilidade serve para minar qualquer tentativa de usar esses juízos como parte do fundamento de uma definição de «Deus».
IV
Dado os argumentos acima apresentados, penso que é razoável concluir que a concepção teísta tradicional de Deus exige a suposição do realismo metaético. Qualquer teoria metaética que dê um papel constitutivo às respostas subjectivas dos sujeitos humanos será vulnerável aos tipos de argumentos que empreguei, pois qualquer teoria dessas produz uma concepção «relativa» de bem -- i.e., uma concepção de bem em que o conteúdo desse conceito depende de como realmente respondemos, o que realmente fazemos, etc. (Note-se, a propósito, que a questão principal não é acerca do direito a falar da «verdade» dos juízos morais. Tanto o projectivismo (quase-realista) como as teorias dependentes-de-resposta podem autorizar que se fale sobre a verdade dos juízos morais. Em vez disso, a questão central respeita à independência-de-resposta dos juízos morais.)
Além disso, penso também que é razoável supor que esta conclusão é adversa à concepção teísta tradicional de Deus. Penso que é muito difícil ver como a força motivadora das considerações morais pode ser captada numa teoria metaética na qual o conteúdo dos juízos morais é fortemente independente das nossas respostas, dos nossos juízos e das nossas acções reais. Contudo, como disse na introdução, esse é um tema para outra ocasião.
Finalmente, devo dizer que o argumento deste ensaio também não pode ser usado para apoiar o ponto de vista segundo o qual os pontos de vista teístas tradicionais são incompatíveis com formas razoavelmente fortes de objectivismo metaético. Afinal, parece não haver nenhum obstáculo à suposição de que um argumento a priori possa ser usado para estabelecer que Deus é necessariamente moralmente perfeito dado que a perfeição moral é uma propriedade independente-de-resposta do universo. As possibilidades de tais argumentos podem ser fracas, mas isso é uma questão completamente diferente.