Aconteceu nas duas últimas semanas do mês passado (julho). Eram os últimos dias de minhas férias.
Aparentemente tudo estava bem. Um pai de família dedicado, uma esposa amiga e companheira. Eles se amavam e viviam felizes. Era a vida que eles haviam pedido a Deus. Mas de repente o mundo desaba e tudo fica sombrio e aquele projeto de vida vai de água abaixo. Meu irmão se encontra no mais amargo momento de sua vida: sua amada está sendo levada pelo ”amoroso Deus” que preserva e cultiva a família, como muitos se iludem em acreditar.
Era um sábado comum quando aquela jovem, em um lugar distante do interior do Pará, sentiu-se mal; foi levada ao hospital mais próximo (a uns 200 quilômetros de distância). Sendo, naquele momento, vitimada por um AVC, ela sangra pelo nariz em um veículo indo por uma estrada esburacada na presença de um motorista e de seu amado. Era um momento terrivelmente cruel.
Ao chegar ao hospital de Tucuruí, ela foi às pressas levada a uma UTI. Desacordada, ela deveria ter passado por uma série de exames, mas devido à precariedade daquele hospital, ela apenas agonizava naquele leito que parecia mais com seu último recinto de vida. O tempo passa. Meu irmão desesperado corre para todos os lados na tentativa de acordar de tão tenebroso pesadelo.
Pelo telefone eu converso com meu pobre e abatido irmão, chorando, ele implora para que todos orem, clamem ao Deus da vida que devolva sua querida esposa, pois sua vida era em função de sua amada e de seus 2 filhos. Um sentimento de frustração me invade o âmago, pois eu apenas tentava consolar aquela criatura desiludida e golpeada por aquela situação tão infame.
Mas aquele deus de quem muitos falam ainda não havia levado aquela mãe, ela ainda estava ”vivendo” por intermédio de aparelhos, já se passara três dias, e agonia de meu irmão parecia eterna, suas lágrimas já se extinguiram. E o Deus todo misericordioso ainda não havia decidido entrar em cena, exceto pela situação que aquela mulher estava passando.
Então eu preparei as malas e viajei de Castanha do Pará até Pacajá no mesmo Estado. Saí de minha cidade às 9:45 da noite, cheguei a Pacajá às 11: da manhã do dia seguinte. Ao chegar, meu irmão vem em minha direção, não consegui conter minhas lágrimas, abracei-o e tentei confortá-lo da melhor maneira possível. Infelizmente, nessas horas não há quase nada a dizer, principalmente sendo agnóstico como eu, ao contrário da maioria que lhe dizia que aquilo era a vontade de deus, eu preferia falar de coisas racionais que pudessem aliviar sua dor, ainda que fossem poucas naquele momento.
O velório começou cerca de 6 horas da manhã até o dia seguinte. Durante esse tempo, eu pude ouvir muitas coisas. Não discuti nada em relação à crença ou descrença em deus, mas pude perceber que as pessoas em geral dependem muito de tal crença, chegando até se sentirem mais aliviadas ao ouvir coisas do tipo “é a vontade de Deus”, “não se desespere, foi o plano do Senhor” etc.
Eu sei que tudo é uma questão de tempo. Pois logo meu irmão não mais chorará pela sua amada, é assim a natureza humana, o tempo nos alivia e nos conforma. Mas sei também o quanto é contraditório e sem sentido o que os crentes dizem acerca de um deus de amor. Nenhum pai bondoso deixaria 2 crianças sem mãe para trás, assim só porque ele sentiu vontade e pronto. Não. Embora eu admita que o consolo de um deus seja útil em horas de sofrimento, não consigo assimilar a existência de tal deus.
Enfim, às vezes não sentimos o grau de tristeza e conturbação que alguém pode sentir em momentos de sofrimento profundo; muitas vezes, nós ateus e agnósticos, não temos noção da fraqueza que há dentro de nós e como podemos nos comportar nessas horas. A dor tira a capacidade de pensar de uma pessoa. Talvez seja por isso que, mesmo sendo livre pensadores e conscientes em relação às falácias por trás das crenças cegas, nós ainda precisamos avançar muito para compreender as fraquezas dentro de nós como seres humanos, pois uma coisa é gozar de boa saúde e tranquilidade, outra é se deparar com um caminho onde você não sabe o que fazer diante de situações profundamente conturbadoras da vida.
Sei também que a verdade, a sinceridade, a honestidade e a franqueza são muito melhores do que o consolo ilusório da existência de um deus que cuida de seus filhos. Mas também sei que ainda estamos longe de aprender a acalentar um coração quebrado perante perdas tão dolorosas que só uma ilusão pode torná-la menos reais e dolorosas. Pois a morte, em muitos casos, só pode ser camuflada por intermédio de uma droga: a ilusão de deus.