Olá a todos, já faz algum tempo que descobri esse fórum e venho lendo alguns tópicos de vez em quando (devido a falta de tempo não leio tudo que gostaria). Resolvi então me cadastrar e pedir, por favor, alguns esclarecimentos sobre uma coisa que intriga até hoje.
Há uns 4 anos, quando eu estava na faculdade, eu assisti uma palestra de um defensor do criacionismo. No meio de todos os malabarismos científicos que ele mostrou para refutar a evolução e provar o criacionismo, ele apresentou uma foto de uma ávore fossilizada em vários estratos geológicos. Aquilo foi a única coisa realmente me deixou intrigado. Gostaria de saber se esse fato realmente existe, quais as explicações científicas para isso ocorrer.
Obrigado.
01) Considerações IniciaisEis uma síntese do conhecimento sobre árvores petrificadas, que tem os propósitos de esclarecer alguns dos aspectos geológicos envolvidos e também o de dissipar a "nuvem negra" que paira sobre o tema, em particular sobre o famigerado termo "fóssil poliestrato" trazido pela pseudo-ciência criacionista.
02) Localização dos Sítios FossilíferosExistem diversos sítios que contem árvores fossilizadas, que quando em grande quantidade são conhecidas popularmente como "florestas petrificadas", e que se localizam em diversos países, tais como: Argentina (José Ornachea), Brasil (Bielândia, Mata, Santa Maria, São Bento do Norte, São Pedro do Sul, Teresina, etc), EUA (Holbrook, Yelowstone), Grécia (Lesbos), Namíbia (próximo a Twyfelfountein), Nova Zelândia (Curio Bay), entre outros.
03) Condições Geológicas e Químicas de FossilizaçãoPara que ocorra a fossilização de uma, ou mais, árvore(s) são necessárias as seguintes condições:
a) Uma microbacia sedimentar capaz de conter o material orgânico. Com exceção de dois sítios, todos os demais apresentam árvores alóctones, isto é, o local de fossilização é diferente do local onde cresceram, indicando então um transporte, que em geral ocorre por meio aquoso (enxurradas e inundações) e mais raramente por fluxos densos de massa (deslizamentos). Os sítios de
Yellowstone e da bacia de
Black Warrior são singulares porque são os únicos conhecidos que apresentam fossilização autóctone, isto é as árvores foram preservadas
in situ, muitas das quais, eretas.
b) Um recobrimento rápido da matéria orgânica, que torne o ambiente anóxico e retarde o processo de decomposição biológica. A cobertura pode ser por fragmentos clásticos de granulação fina de origem sedimentar (argila, silte, areia fina) ou vulcânica (cinza).
c) Um nível de lençol freático que recubra permanente ou sazonalmente os restos orgânicos ou um ambiente aquoso qualquer em que a água contenha sílica dissolvida, capaz de formar uma solução coloidal e que irá preencher os espaços do tecido lenhoso, em um processo conhecido como
permineralização. A calcedônia é o mineral microcristalino mais comum, mas há raros casos de vegetais permineralizados por
sulfetos, mostrando que os ambientes eram mais
redutores e mais ácidos.
04) Tempo para a FossilizaçãoO tempo necessário de permineralização depende das condições geoquímicas. Na maioria dos sítios pesquisados, os dados indicam um período de centenas a milhares de anos, mas há pelo menos um caso de fossilização em tempo geológico curtíssimo, e que ocorreu em menos de uma
década.
05) Idades Medidas e/ou Estimadas dos FósseisNão existem fósseis conhecidos de árvores antes do Carbonífero. O sítio do
"Monumento Natural das Árvores Fossilizadas do Estado do Tocantins", por exemplo, contém rochas que correspondem às formações Pedra de Fogo e Motuca (Permiano) e Sambaíba (provavelmente Triássico), ou seja entre 280 e 240 milhões de anos antes do presente (Dias-Britto e Castro, 2005).
Idades semelhantes foram estimadas para as florestas petrificadas de Teresina (PI) e São Pedro do Sul (RS).
As rochas dos fósseis do sítio do "Parque Nacional de Floresta Petrificada", no nordeste do estado do Arizona (EUA) tiveram a idade medida radiometricamente em 225 milhões de anos antes do presente, situando-as então no Triássico Médio.
As rochas do sítio situado no estado do Alabama, sobre os carvões
Blue Creek, é do Carbonífero Médio, ou seja, cerca de 311 milhões de anos antes do presente.
O sítio do Parque Nacional de
Yellowstone tem rochas com idade estimada em 23 milhões de anos antes do presente, sendo, portanto, do Mioceno.
06) Paleoambientes Deposicionais e Regimes TectônicosOs sítios fossilizados se formaram em diferentes ambientes de deposição e sob a influência de regimes tectônicos diversos.
a) O ambiente deposicional do sítio de Tocantins era do tipo continental, em uma bacia cratônica, evidenciado pelos sedimentos fluviais e lacustres da Formação Motuca, que se superpõem às rochas da Formação Pedra de Fogo (Dias-Brito e Castro, 2005).
b) Este ambiente é semelhante ao interpretado para as árvores fósseis de
São Pedro do Sul, no qual o arenito da Formação Mata (Faccini, 1989) recobre em desconformidade os depósitos fluviais das formações Santa Maria e Caturrita, compondo uma seqüência deposicional independente (Faccini, op. cit.). As espessuras são bastante variadas, oscilando entre 20 e 60 metros.
Na região de São Pedro do Sul e Mata é constituída (a formação homônima) por arenitos finos a conglomeráticos, quartzosos, com cores de esbranquiçada a ocre. Internamente, as estruturas mais características são as estratificações cruzadas de pequeno a médio porte, superpostas na forma de ciclos granodecrescentes sucessivos (Faccini, 1989). As características texturais e estruturais dos depósitos arenosos sugerem um sistema fluvial entrelaçado.
No afloramento Piscina (São Pedro do Sul) e em afloramentos nas cercanias da cidade de Mata, troncos fósseis ocorrem inclusos em depósitos sedimentares do arenito Mata, interpretados como barras de canais fluviais.
c) O caso do
“Parque Nacional da Floresta Petrificada” é um pouco diferente. Havia uma floresta subtropical com muitos lagos nas vizinhanças de uma cordilheira vulcânica, semelhante ao que se observa nas florestas centro-meridionais do Chile, indicando um ambiente continental, mas sob um regime tectônico compressivo. A composição química dos fósseis é indicativa da presença de atividade vulcânica no entorno (cobre, cobalto, cromo, manganês, carbono, sílica, óxidos de ferro e manganês).
d) Já os dados obtidos do sítio superposto aos carvões
Blue Creek, indicam que naquele local havia um litoral com um estuário e que bordejava a bacia
Black Warrior. Esta sofreu forte e rápida subsidência e que propiciou o rápido soterramento da floresta por marés que trouxeram areia da plataforma continental.
e) O caso do
Parque Nacional do Yellowstone é diferente de todos os demais. Os dados indicam que a região apresentou pelo menos seis ciclos com alternância de crescimento de florestas de coníferas seguido de soterramento por cinzas e brechas vulcânicas e/ou fluxos de massas densos, também decorrentes de atividade vulcânica. Em alguns locais a espessura dos depósitos chegou a 1.500 metros.
07) "Árvore Fossilizada em Vários Estratos Geológicos"?Este é um "caso" que serve como argumento criacionista, sendo também chamado por eles de
"fóssil poliestrato", sendo que na literatura geológica não se utiliza tal expressão.
No
site Creation Ministries International os criacionistas criticam a interpretação da comunidade geológica para os dados observados em
Yellowstone. Eis as principais críticas deles, seguidas das minhas refutações:
As árvores têm sistemas radiculares extensos, geralmente com 20 a 30% da massa total seca da árvore. Mas as árvores petrificadas de Yellowstone têm suas raízes grandes partidas, deixando-as sob a forma de “bolas de raiz”. Isto acontece quando as árvores são fortemente empurradas para fora da terra, como por exemplo, por um trator.
Os motivos pelos quais as raízes foram pouco preservadas são quase os mesmos pelos quais não houve a preservação das folhas e dos ramos. Elas são menos resistentes que o tecido lenhoso do tronco, de tal modo que a permineralização destrói a maior parte delas. No caso das folhas e dos ramos há o agravante de que o soterramento se deu por cinza vulcânica, que apresentava uma temperatura e uma densidade que provavelmente propiciou a queda destes elementos menos resistentes.
Seria de esperar que uma floresta enterrada no mesmo lugar tivesse muitos ramos e cascas petrificados. Mas no Yellowstone, os troncos das árvores petrificadas, em sua maioria de 3 a 4 metros de altura, têm muito pouca casca e muito poucos ramos. Alguma coisa os descascou e cortou a maioria dos ramos, deixando apenas os troncos.
A casca é tecido lenhoso já fragilizado, pois que está morto. Assim sendo, a explicação dada no item anterior aplica-se tanto para as cascas como para os ramos. Além disto, é bom lembrar que ocorreram fluxos aquosos durante o soterramento, que podem ter carreado os componentes menos densos, como ramos e folhas.
Algumas das árvores se estendem até a camada da floresta "acima". Mas, se a camada seguinte teve que esperar centenas de anos para que as cinzas que a cobriram se transformasse em solo (para que a próxima "floresta" pudesse crescer), então o topo exposto da árvore teria sido totalmente deteriorado. Porém, se todas as árvores caíssem simultaneamente, essa observação não seria surpreendente.
O topo de algumas árvores petrificadas não se estende até a floresta "acima". Foram identificados paleorelevos de pequena amplitude, ou seja, as árvores cresceram em diferentes cotas, ainda que com diferenças de poucos decímetros. Estudos mais recentes detectaram, inclusive, paleosolo "fossilizado".

Figura 01. Árvores petrificadas
in situ. A indicada pela seta superior, é de uma cobertura florestal mais recente que as indicadas pelas setas inferiores.

Figura 02. Perfil esquemático mostrando as diversas "florestas petrificadas" superpostas em camadas em
Yellowstone.
Quando as árvores caem nas florestas, especialmente nos locais planos, há uma chance igual delas se orientarem em qualquer direção. Mas nas florestas petrificadas, as árvores caídas tendem a se alinhar na mesma direção. Isto é consistente com a interpretação da ação de uma força externa, como por exemplo, fluxo de água ou de lama, que atuou depois que elas foram arrancadas.
Não é o caso da maior parte das árvores petrificadas de
Yellowstone, pois, como já foi explicado, elas são autóctones. Aqui os criacionistas foram desonestos, pois citam sem explicar, o caso que ocorre na maioria das florestas petrificadas, que são alóctones, isto é, sofreram transporte por fluxos aquosos ou de massa e por isto apresentam troncos com alinhamentos em direções preferenciais (sentido de fluxo principal da enxurrada).
Se as camadas foram soterradas por erupções vulcânicas com intervalos de milhares de anos, o conteúdo mineral de cada uma provavelmente deveria ser bem diferente. Mas o conteúdo mineral permanece o mesmo ao longo de mais de um quilômetro de altura na coluna rochosa. Isto sugere que um ou alguns poucos episódios vulcânicos, com muitos pulsos dentro de cada episódio, ocorreram dentro de um prazo bastante curto.
As análises mineralógicas de
Yellowstone indicam que houve pouca variação química ao longo dos últimos 25 milhões de anos, o que indica uma grande homogeneidade do magma. Então não há a necessidade de supor que todas as camadas tenham sido soterradas em poucos pulsos vulcânicos, embora seja geologicamente possível.
Florestas em fase de crescimento possuem camadas bem definidas de solo e de húmus, com muitas radículas, bem como uma próspera população animal. No entanto, a floresta petrificada em questão se notabiliza pela total ausência deles.
A ausência de tais feições pode ser assim explicada. O paleorelevo permitiria que enxurradas sazonais carreassem uma quantidade significativa de material putrefato para as zonas mais baixas, principalmente nos vales. Uma vez nestes locais, a erosão por causa de chuvas e inundações ocorreria de modo mais acentuado. O material remanescente, em particular o húmus, poderia ser facilmente destruído pelas condições de pH do ambiente recém-soterrado pelas cinzas vulcânicas.
Estudos das plantas de Yellowstone, incluindo a análise de pólen, mostram que existiram muitas mais espécies de plantas do que seria esperado em uma floresta. E muitas vezes o pólen não coincide com as árvores próximas. No entanto, esta seria explicável se as árvores haviam sido arrancadas e transportadas a partir de vários lugares.
Qual é o número esperado de plantas em uma floresta?
Quais são as fontes para tais afirmações?
Em uma floresta real, restos de plantas formam uma camada orgânica sobre o solo da floresta. Quanto mais profundo o material, mais antigo ele é, portanto, mais tempo ele teve para se decompor. Mas nas florestas petrificadas falta esse padrão de maior decadência com a profundidade. Há também folhas muito bem conservadas. Uma vez que as folhas não mantêm sua forma por muito tempo depois de cair da árvore, elas foram provavelmente enterradas rapidamente.
Já foi explicado anteriormente, pois é o mesmo caso do húmus.
Minerais vulcânicos como o feldspato rapidamente se alteram para argila, quando exposto à água e à atmosfera. Mas falta argila nas camadas das florestas petrificadas. Isto sugere que nenhuma das camadas foi exposta durante muito tempo.
Feldspatos não são apenas minerais vulcânicos, mas são ígneos em geral. Uma possível explicação para que não existam argilas é que as muitas camadas de cinzas foram recobertas por outros pulsos sucessivos em diversos eventos vulcânicos. A última camada a ser assentada de cada evento, a mais nova portanto, foi a mais exposta ao intemperismo e, também, a mais sujeita à erosão.
Os padrões granulométricos e sua disposição nas camadas de rochas, muitas vezes indicam a maneira como elas se formaram. Esperava-se que a variação granulométrica nas camadas de rochas em Yellowstone fosse aleatória. Mas não é isto que se observa. De fato o que se constata é que os grãos maiores foram depositados no fundo, e estes foram recobertos por grãos menores, em um padrão chamado de camadas grano decrescentes. Esta seleção ocorre em meio aquoso. As florestas petrificadas de Yellowstone estão associadas com rochas que contêm essas camadas grano decrescentes. Algumas camadas tem pequenas inserções, na forma de lobos, de cinza vulcânica, o que indica também um meio aquoso. E, ao que parece, isto exigiu grande volume de água para que o material pudesse fluir ao longo de grandes distâncias. Algumas rochas vulcânicas na Nova Zelândia, que são geralmente aceitas como tendo sido depositadas sob a água são muito semelhantes às rochas de Yellowstone.
Já foi explicado anteriormente. Os dados indicam que ocorreram enxurradas devido às chuvas sazonais, e estes fluxos de curta duração e com apreciáveis volumes de água, ao ocuparem os paleovales, foram capazes de formar camadas grano decrescentes e até mesmo imbricações.
Sob circunstâncias normais, uma árvore adiciona um anel de crescimento a cada ano. A espessura do anel indica o quão rápido a árvore cresceu naquele período, e isto depende do clima, entre outros fatores. Assim, as árvores que crescem ao mesmo tempo e praticamente na mesma área, devem mostrar padrões de anéis grossos e finos.
Sim. De acordo.
Por outro lado, as árvores que crescem com centenas de anos de diferença devem apresentar padrões diferentes.
Não necessariamente. Vai depender de muitos fatores. Tamanho da floresta e posição topográfica de cada árvore, são dois deles.
Porque acreditava no texto bíblico, o geólogo Dr. John Morris, em 1975, previu que as árvores em diferentes camadas das formações de Yellowstone teriam padrões equivalentes, ao invés de serem completamente diferentes.
É brincadeira, não?
08) Considerações FinaisComo foi demonstrado, não existem "fósseis poliestratos", sejam eles de árvores petrificadas ou de quaisquer outros espécimens vegetais ou animais.
Infelizmente, o que se constata é uma manifestação de ignorância científica de pessoas fundamentalistas religiosas, acompanhado frequentemente de uma ideologia anti-secularismo e de algum mau-caratismo.