Sequenciamento genético mostra suas forças e suas fraquezas
Simulação computadorizada da seção de um nanoporo - o chamado Transístor de DNA - mostrando uma única fita de DNA movendo-se entre moléculas de água.[Imagem: IBM]Nanoporo artificialNa semana passada, a
criação de um nanoporo artificial mereceu destaque em nossa primeira página, quando a equipe do Dr. Peixuan Guo usou o motor biológico de um vírus para construir uma espécie de furadeira biológica, capaz de fazer furos pelos quais pode passar uma única molécula de DNA de cada vez - um nanoporo artificial.
Na ocasião, o Dr. Peixuan predizia as possíveis aplicações dos nanoporos: "A possibilidade de fazer a molécula de DNA viajar através do nanoporo, avançando nucleotídeo por nucleotídeo, poderá levar ao desenvolvimento de aparatos de sequenciamento de DNA com um único poro."
Sequenciador de DNAA IBM gostou da ideia e anunciou que vai juntar cientistas seus de quatro especialidades - nanofabricação, microeletrônica, física e biologia - para construir seus próprios nanoporos artificiais e, prevê a empresa, reduzir o custo do sequenciamento do DNA para algo entre 100 e 1.000 dólares. Para se ter uma ideia, o primeiro sequenciamento feito pelo Projeto Genoma Humano custou 3 bilhões de dólares.
Em vez de trabalhar com membranas de gordura, como o Dr. Peixuan, os cientistas da IBM, como não poderia deixar de ser, vão fazer seus nanoporos em chips de silício, dispensando os motores virais e usando as técnicas de fabricação da microeletrônica para fazer os minúsculos furos.
O plano é construir um sequenciador de DNA em nanoescala, que a empresa está chamando de "transístor de DNA" - uma associação bastante inadequada, uma vez que o nanossequenciador em nada lembrará um transístor, a não ser pelo fato de que vários desses nanoporos residirão em uma pastilha de silício.
Acelerador de DNA
Esquema de funcionamento do "transístor de DNA." [Imagem: IBM]O grande desafio, ainda a ser vencido, é controlar a velocidade com que a molécula de DNA passa através dos nanoporos, de forma que os sensores possam decodificar o que está nesse DNA de forma precisa e confiável.
Os cientistas da IBM acreditam ter uma ferramenta adequada para isso. Eles projetaram um material formado pela superposição de nanocamadas de materiais metálicos e isolantes. Será nessa nanoestrutura multicamada que eles farão seus nanoporos.
O ajuste fino da tensão elétrica entre as camadas metálicas deverá permitir o controle preciso do campo elétrico no interior do nanoporo. Utilizando a interação desse campo elétrico ajustável com as cargas elétricas discretas ao longo da molécula de DNA, o dispositivo deverá ser capaz de aprisionar a molécula de DNA no interior do nanoporo.
Ao alternar as tensões entre as diversas camadas, os cientistas demonstraram - teoricamente e por meio de simulações em computador - que a molécula poderá ser movimentada no interior do nanoporo a uma velocidade de um nucleotídeo por ciclo - uma velocidade que os cientistas da IBM acreditam que será baixa o suficiente para permitir a decodificação do DNA.
O próximo passo, essencial, é demonstrar que tudo isto funciona na prática.
PromessasSe funcionar - seja com a solução biológica do Dr. Peixuan ou com a solução
hard da IBM - e se de fato o custo do sequenciamento genético cair a menos de mil dólares, as previsões de uma medicina personalizada poderão começar a ser testadas. A maior promessa feita por esse campo emergente é a determinação rápida da predisposição de uma pessoa a uma determinada doença ou, e eventualmente mais importante, a um determinado medicamento.
"Em última instância, isto poderá melhorar a qualidade dos tratamentos médicos, permitindo identificar os pacientes que terão os maiores ganhos pelo uso de um determinado medicamento e aqueles que têm o maior de risco de sofrerem efeitos colaterais," afirma Gustavo Stolovitzky, o cientista que está chefiando a equipe que quer criar o "transístor de DNA".
O DNA não tem todas as respostas
O fato é que o DNA não tem todas as respostas, como a ciência chegou a acreditar. [Imagem: Human Genome Project]É certo que a expectativa quanto à construção de uma ferramenta assim é grande, embora já tenha sido muito maior no passado - o sequenciamento do genoma humano trouxe benefícios para a ciência, mas benefícios que nem de longe comparam-se às promessas e às expectativas geradas quando do início do Projeto Genoma Humano.
O fato é que o DNA não tem todas as respostas, como a ciência chegou a acreditar. Coincidentemente, em um artigo publicado hoje na revista Science, dois pesquisadores, um suíço e um norte-americano, constatam que, embora o progresso nas tecnologias do sequenciamento do DNA já esteja se aproximando da versão da genômica mostrada em filmes de ficção científica, como Gatacca, a promessa de prever o risco que cada indivíduo tem de sofrer de qualquer doença ainda não se realizou.
"Como é que vamos preencher essa lacuna? Ou será que já é hora de reconsiderar o objetivo de predizer com precisão o risco individual [de doenças]?" perguntam eles. Provavelmente sim. Pelo menos é o que nos leva a concluir a enorme lista de problemas e desafios que os cientistas citam em seu artigo, além da insuficiência de uma abordagem centrada unicamente no DNA.
Ganhos em humildadeO grande problema é que os estudos do genoma somente identificam genes "candidatos a vilão" e é necessário ter-se em conta um quadro muito mais amplo para definir a participação de uma determinada sequência de DNA sobre a saúde de alguém - e mesmo se ela tem participação. A Biologia ainda está por assistir à sua própria revolução holística.
A conclusão dos dois cientistas é clara e surpreendente: "Uma meta factível de saúde pública que merece destaque é identificar, para cada indivíduo, fatores no seu estilo de vida que representem riscos particularmente elevados de doenças crônicas."
E todas as pesquisas genéticas e as promessas derivadas da decodificação do DNA? As pesquisas deverão certamente prosseguir e continuarão trazendo benefícios, embora a conta-gotas. Mas cuidar do estilo de vida talvez seja, por enquanto, uma medida mais concreta e mais realista.
De resto, as pesquisas com o DNA já trouxeram um benefício impagável: a constatação de que a vida é mais complexa do que meras comparações com computadores podem levar a crer, o que dá à Ciência um grande ganho em termos de humildade. E essa virtude, que nos permite o reconhecimento da nossa fraqueza, é a mesma que nos impele para a aquisição da força e da sabedoria que nos faltam.
Bibliografia:Life After GWA StudiesEmmanouil T. Dermitzakis, Andrew G. Clark
Science
9 october 2009
Vol.: 326, 239-240
DOI: 10.1126/science.1182009
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