Autor Tópico: "Bancos são uma eterna fonte de instabilidade"  (Lida 350 vezes)

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"Bancos são uma eterna fonte de instabilidade"
« Online: 24 de Outubro de 2009, 23:52:57 »
"Bancos são uma eterna fonte de instabilidade"

Poucas pessoas têm tanta influência no debate global quanto o inglês Martin Wolf. Suas ácidas e provocantes colunas no jornal Financial Times fazem a cabeça de banqueiros, financistas, acadêmicos e autoridades no mundo todo desde 1996.

Economista formado em Oxford, Wolf tem dois livros publicados sobre globalização e é uma estrela com luz própria nos encontros do FMI e do Banco Mundial. Em Istambul, no início de outubro, ele falou à DINHEIRO e disse que o Brasil é um ótimo candidato para a próxima crise financeira.

Defendeu ainda o redesenho do sistema. "Ele teria que ser menor do que é hoje", provoca. "E, enquanto houver alavancagem, haverá novas crises." Leia a seguir a entrevista.

DINHEIRO - Como o Brasil irá se sair na próxima crise financeira global?
MARTIN WOLF -
Uma regra das crises é que elas ocorrem em regiões que não sofreram com a crise anterior. Portanto, o Brasil é um bom candidato para a próxima. Não que haja algo de errado com o Brasil, mas é assim que funciona. Segundo os economistas Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, somente quatro países não tiveram crise bancária desde a Segunda Guerra. Um deles era a Holanda, que agora passou por uma

DINHEIRO - O que acha de dividir os grandes bancos que oferecem risco sistêmico?
WOLF -
Acho que isso não resolve o problema. Ficaria feliz se fossem aumentadas as necessidades de capital dos grandes bancos. Uma das coisas que descobrimos na crise atual é que o elemento crucial não é o tamanho de uma instituição financeira, mas a natureza de suas interações com as outras. É a interconectividade.

O Lehman Brothers permeava muito o sistema, embora fosse muito pequeno. Não é claro que o tamanho das instituições seja a maior fonte de risco de mercados financeiros globais, integrados e complexos. Alguns fundos não regulados foram importantes na disseminação da crise do Lehman. A conectividade pode criar um pesadelo.

Uma instituição que está bem num mês pode estar mal no outro. Ficou claro que o Tesouro e o Federal Reserve não entenderam as implicações da quebra do Lehman para as outras instituições financeiras quando tomaram a decisão. Eles tinham mais informação do que todo mundo e pensaram que estava tudo resolvido. Não estava

DINHEIRO - Os reguladores podem ser os supervisores dos bancos?
WOLF -
Não acredito em supervisão. As principais instituições financeiras dos Estados Unidos, como o Citigroup, eram muito supervisionadas. Não adiantou muita coisa. A regulação consiste em definir um conjunto de princípios que, em tese, reduz o risco. A regulação me deixa menos infeliz que a supervisão, mas o problema é que os bancos sempre vão achar um jeito de contorná-la. Não funciona. Uma terceira possibilidade é achar maneiras críveis de liquidar instituições em dificuldade. Talvez adotando uma visão radical.

DINHEIRO - Qual atitude radical?
WOLF -
Transformar os bancos numa indústria ilegal. É o que eu gostaria de fazer num mundo ideal. Não há outro jeito de consertar essa situação. Poucos sabem que Ludwig von Mises, o economista mais radical do século XX na defesa do livre mercado, disse que os bancos são uma fraude e deveriam ser considerados ilegais. É uma posição austríaca perfeita. E eles estão certos. Os bancos não poderiam operar sem bancos centrais, não poderiam existir sem o Estado.

DINHEIRO - O que há de errado com os bancos?
WOLF -
Fingimos que o sistema financeiro é uma outra fonte de capital, mas, na verdade, ele é uma enorme fonte de instabilidade. Ou vivemos com essa instabilidade ou nos livramos dela. Nesse caso, teríamos um sistema financeiro muito menor. Por mim, tudo bem.

DINHEIRO - Qual é a alternativa?
WOLF -
Uma delas seria ter bancos limitados, os narrow banks, que investiriam apenas em ativos de baixo risco, e instituições cujos recursos para operação viriam essencialmente da emissão de ações. Para fazer isso, obviamente, teríamos que nos livrar de todas as tendências tributárias de estímulo do sistema financeiro em torno da dívida. Não há razão lógica para isso, a alavancagem não traz um retorno supernatural para a economia. Estou simplificando o tema, mas teremos crises enquanto permitirmos que o descasamento de prazos e a alavancagem sejam peças centrais no sistema financeiro.

DINHEIRO - O crescimento da economia não seria muito menor sem o estímulo aos bancos?
WOLF -
Isso não está claro, precisa ser debatido. A questão é se precisamos desta imensa máquina de transformação de dinheiro para conseguir mais crescimento. Para que esta imensa estrutura de intermediação? Os bancos no século XIX na Inglaterra não faziam o que fazem hoje. Todos os ativos dos bancos eram de curto prazo, basicamente financiavam o comércio. O financiamento de longo prazo vinha do mercado de bônus e de ações. O papel atual das estruturas quase bancárias é novo. Esse desenvolvimento não teria acontecido sem os governos. Nós subsidiamos essas estruturas.

DINHEIRO - Os governos plantaram as sementes da próxima crise?
WOLF -
Dado que estamos socorrendo todo mundo e imprimindo dinheiro como loucos, criamos um problema sério de endividamento do setor público. Não dá para fazer isso de novo. Estou assustado.

DINHEIRO - Qual é sua avaliação do G-20, de dar maior poder aos países emergentes? Está havendo uma mudança real de poder?
WOLF -
Sim, há uma mudança de poder na margem que é muito significativa. Não vamos exagerar, mas a crise acelerou um processo que já estava a caminho. Ela revelou que os países desenvolvidos também não sabiam o que estavam fazendo e que não dá para resolver uma crise dessas sem a cooperação de fora do G-7. Por isso mudaram para o G-20. Os problemas dos desequilíbrios globais e de demanda de crescimento no mundo envolvem também os grandes países emergentes. Por 20 anos, os emergentes cresceram mais e mais que os desenvolvidos.

DINHEIRO - Em que isso mudará o Fundo Monetário Internacional?
WOLF -
Isso vai ser muito interessante. Haverá redistribuição de cotas e as mudanças no FMI dependerão de como os novos jogadores globais vão usar o seu poder. É muito importante fazer uma distinção entre ter mais poder de voto e usá-lo. Você só usa o poder quando existe algo que você quer.

Há quatro economias emergentes significativas, mas a Rússia está com problemas. Em ordem de importância, há China, Índia e Brasil. O que esses países gostariam de fazer com o FMI? Os indianos estão razoavelmente felizes com o FMI, o Banco Mundial. Dizem que não se deve dar cheque em branco a pessoas que vão dar calote. O Brasil, eu não sei. Suspeito que, em muitos casos, esses países não pensaram ainda na agenda internacional que desejam, pois estão preocupados com problemas internos. Só agora os chineses começaram a publicar estudos sobre o sistema financeiro internacional. Mas não sabem o que querem.

DINHEIRO - Quais as implicações?
WOLF -
Nos anos 20, quando os Estados Unidos se tornaram uma grande potência, eles não sabiam o que queriam. Somente nos anos 40 os americanos definiram que tipo de sistema queriam. Os emergentes farão investimentos significativos em máquinas de política econômica, em universidades, em think tanks, para discutir a agenda. Os chineses já começaram, os indianos também. No longo prazo, será automático surgirem os formuladores de política econômica que pensam automaticamente no sistema mundial. Precisamos produzir uma nova geração de pessoas e vai demorar 20 ou 30 anos para que elas apareçam. É um desafio novo para os emergentes.

DINHEIRO - Dá para ser otimista quanto ao futuro?
WOLF -
Certamente. Há dois caminhos que poderíamos seguir. Um seria a incorporação dos emergentes pelo sistema. Eles exerceriam influência e teriam um papel de participantes responsáveis, como define o Robert Zoellick, presidente do Banco Mundial. A alternativa seria deixá-los de fora. Nesse caso, haveria o colapso do sistema, pois ele não teria legitimidade. Portanto, a primeira opção é melhor. Mas a transição será difícil. Os velhos poderes vão querer continuar a ter voz, os novos vão dizer não e haverá atrito. Já se vê isso na questão da taxa de câmbio entre a China e os Estados Unidos. É um assunto grande que pode crescer ainda mais. É uma questão de conflitos fundamentais de visão sobre como as políticas cambial e monetária devem ser conduzidas.

DINHEIRO - Regimes fixos de câmbio estão fadados a desaparecer?
WOLF -
Na atual ordem mundial, com autonomia monetária e política em nível nacional, o câmbio flutuante é inevitável nos grandes países. Se me perguntarem o que os chineses estarão fazendo daqui a 15 anos, eu direi: flutuarão o câmbio, criarão um banco central, a moeda chinesa será global. É isso que irá acontecer. Nenhuma das moedas principais está preparada para uma união monetária global, nem para se atrelar a outra para sempre. É um problema enorme para os chineses. As reservas internacionais da China alcançarão US$ 4 trilhões logo. O que farão com tanto dinheiro? É obviamente uma coisa maluca, não querem se ver nessa situação. As grandes moedas irão flutuar. Hoje, muitos países latino-americanos são ligados ao dólar e isso irá continuar. Quando a moeda chinesa se transformar numa grande moeda global flutuante, muitas moedas do Leste Asiático irão se atrelar a ela. O iene já perde peso e isso irá se aprofundar.

DINHEIRO - Atrelar o peso ao dólar não deu certo na Argentina.
WOLF -
Por que a Argentina foi tão estúpida? Os Estados Unidos não eram seu principal parceiro comercial, o comércio bilateral era de apenas 10% do PIB. Eles ancoraram o peso a uma moeda que não tinha condições necessárias. Nunca deveriam ter feito isso.

DINHEIRO - Quando o Brasil terá uma moeda internacional?
WOLF -
O real já é uma moeda fortalecida, mas o Brasil é uma potência comercial modesta e com um sistema financeiro relativamente pequeno. Sua posição em conta-corrente é robusta, mas não é fantástica. E ainda há preocupação sobre a estabilidade da moeda brasileira em longo prazo. A política econômica tem sido bem-sucedida nos últimos dez anos. Você se lembra de quão alta era a inflação antes do Fernando Henrique Cardoso? Nos anos 90, foram muitas crises. Demora muito tempo para as pessoas se tornarem confiantes numa moeda. No Brasil, vai levar 20 anos.

http://www.terra.com.br/istoedinheiro/edicoes/629/artigo154581-1.htm

"That's what you like to do
To treat a man like a pig
And when I'm dead and gone
It's an award I've won"
(Russian Roulette - Accept)

 

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