Autor Tópico: Vidiota  (Lida 654 vezes)

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Vidiota
« Online: 20 de Julho de 2005, 00:14:07 »
CHANCE NA SORBONNE

Os grandes escritores sempre tentaram - mas nem sempre conseguiram - criar um personagem que sintetize uma coletividade ou, pelo menos, um certo tipo de seres. Jerzy Kozinski o conseguiu. Falo de Being There, traduzido no Brasil como O Vidiota.

Chance Gardiner, o personagem, é dos mais perturbadores de nossa época. Quem não leu o livro, pode ainda pegar o filme, que passou no Brasil com o título de Muito além do Jardim e tem uma interpretação magnífica de Peter Sellers. O tradutor brasileiro do livro teve um momento de iluminação ao traduzir o título americano por O Vidiota, isto é, o idiota do vídeo. Gardiner é o jardineiro de um misterioso senhor, identificado na obra como "o Velho". Chance vive recluso no jardim da mansão e só teve contato, em toda sua vida, com duas pessoas, o Velho e a criada do Velho. Chama-se Chance porque nasceu por acaso. Não sabe ler nem escrever. Seu único contato com o mundo exterior é através da televisão. Quando o que vê não lhe agrada, é simples: desliga o aparelho ou muda de canal com o controle remoto.

Morre o Velho e Chance é largado no mundo pelos herdeiros. Sem lenço nem documento, literalmente. Quando a esposa de um senador o atropela na rua e lhe pergunta quem é, diz: I?m the gardener. A mulher imediatamente o relaciona com algum milionário de sobrenome Gardiner, e nosso personagem passa a ser conhecido como Chance Gardiner. Como não portava nem dinheiro nem documentos, a mulher do senador considera que deve ser alguém muito importante e o recolhe à sua casa. Além do mais, vestia as antigas roupas do velho, que agora eram o must em termos de moda. Chance, sem jamais ter pensado no assunto, passa a fazer parte do círculo do poder. Certo dia, o senador recebe a visita do presidente dos Estados Unidos e o apresenta como economista.

- E você, Mr. Gardiner, o que pensa do mau clima na Bolsa? - pergunta o presidente a Chance.
Chance Gardiner, da vida só conhece o jardim onde se criou. Como se sente obrigado a uma resposta, fala da única coisa que conhece:
- Em um jardim, há uma estação para o crescimento das plantas. Há a primavera e o verão, mas também o outono e o inverno. E depois, a primavera e o verão voltam. Enquanto as raízes não forem cortadas, tudo está bem, e tudo continuará bem.
O presidente se mostra satisfeito:
- Mr. Gardiner, devo confessar que o que você acaba de dizer é uma das declarações mais reconfortantes e otimistas que me foi dado ouvir, desde há muito tempo.

Dia seguinte, o presidente fala em cadeia nacional e, ao discorrer sobre economia, cita a sábia observação de Gardiner. Jornalistas e serviços de segurança, CIA e FBI, se desesperam na busca de dados sobre o novo economista. Descobrem até o número de sua cueca, mas não encontram um único registro documental de sua existência. Estamos em plena Guerra Fria e os agentes americanos já começam a desconfiar da existência de alguma tramóia soviética. Mas também a KGB quer saber quem é o novo conselheiro do presidente e não chega a resultado algum.

Quem leu o livro ou viu o filme conhece o fim da história: a força de repetir chavões que ouviu na televisão, Chance faz uma brilhante carreira na mídia e começa a ser cogitado para presidente dos Estados Unidos. E quem não leu Kosinski, deve lê-lo imediatamente: é uma das mais profundas parábolas da literatura contemporânea. Estamos vivendo em plena época Gardiner, de ascensão do analfabeto. Com a televisão, qualquer iletrado pode ter uma idéia mais ou menos geral do que ocorre em torno a si e no mundo. A rigor, ninguém precisa mais ler para entender - ou supor que entende - o mundo.

Quem chegou até aqui, já intuiu de quem pretendo falar. Desde as primeiras candidaturas de Lula, vi no Supremo Apedeuta a mais perfeita encarnação do personagem de Kozinski. Venho afirmando isso há muitos anos, desde as primeiras candidaturas de Lula, e se hoje me repito é porque tenho consciência da frágil memória dos leitores.

De líder sindical no ABC paulistano, um nordestino analfabeto - manipulado pela Igreja Católica e pelos intelectuais uspianos, que ainda cultivam o velho sonho bolchevique de um presidente operário - foi crescendo até tornar-se a esperança de um país novo. Tenta três vezes a presidência da República e é por três vezes derrotado. Insiste e na quarta chega à Suprema Magistratura. Sem instrução alguma, sem leituras, sem nenhuma experiência administrativa, nem mesmo a gestão de uma padaria ou boteco, é saudado urbi et orbi como a Esperança não só do Brasil, mas da América Latina.

Se alguém objetava como poderia este ser tosco e despreparado gerir uma economia vasta e complexa como a brasileira, a resposta já estava na ponta da língua: basta que seja honesto e escolha bons assessores. A Esperança da América Latina escolheu então seus ministros. Para começar, elegeu como eminência parda um ex-terrorista com curso de guerrilha em Cuba. Os demais ministérios, distribuiu-os a comunistas, compagnons de route e companheiros de partidos que haviam sido rejeitado pelos eleitores de seus respectivos Estados.

O resultado aí está: um deputado federal - réu confesso de crimes eleitorais - lança uma série de denúncias, denúncias graves mas sem prova alguma, e os ministros da Esperança dos Oprimidos da Terra começam a cair como uma fileira de dominós. Denúncias vazias, conspiração das elites, resmunga a Esperança dos Povos. Mas porque então derrubar ministros e demitir assessores e militantes de seus cargos, se não há prova de crime algum?

Estamos vivendo dias de O Processo, de Kafka. Ninguém é culpado de nada e todos caem como moscas borrifadas com inseticida. As denúncias começaram com um magro achaque de três mil reais, que logo se revelou girar em torno de milhões e hoje já ultrapassa a casa do bilhão de reais. E o imbróglio está longe de seu fim. A Esperança dos Humildes, cúmplice da mais vasta rede de conspiração jamais vista na História do país, só não é destituído porque seus adversários querem vê-lo rastejando nas eleições de 2006.

Semana passada, Chance da Silva largou a crise à deriva e foi a Paris, para participar da dilapidação do dinheiro dos contribuintes, em nome de supostas comemorações culturais entre França e Brasil. Digo supostas comemorações culturais porque de cultura não se tratou, mas sim da promoção do show business tupiniquim. Lula saudou Jacques Chirac como grande estadista, logo Chirac que há uns vinte anos era insultado pelas esquerdas como homem de extrema direita. Chirac mandou o elevador de volta e distribuiu mimos similares ao Chance Gardiner de Garanhuns. Pois os europeus, e particularmente os franceses, adoram presidentes operários... desde que seja longe da Europa.

O Supremo Apedeuta fez, na ocasião - segundo a imprensa nossa - uma palestra na Universidade de Sorbonne. É de supor-se que até mesmo Lula tenha certeza de que fez uma palestra na Universidade de Sorbonne.

Jornalista, por ofício, é um homem bem informado e em verdade não podemos nos queixar do nível de informação de nossos profissionais de imprensa. E é exatamente isto que demonstra a ciclópica desinformação de nossos jornalistas. A Universidade de Sorbonne deixou de existir há exatos 37 anos. Morreu em 1968. Há quase quatro décadas. O que hoje existe são as universidades de Paris I, II, III... até Paris XII, creio. A única universidade a herdar o nome de Sorbonne é a Paris III, também conhecida com Université de la Sorbonne Nouvelle. O que existe hoje é o antigo prédio da Sorbonne, onde hoje funciona a Paris IV. O prédio, e nada mais.

O Gardiner tupiniquim deve ter-se sentido muito orgulhoso por ter saído de uma infância pobre em Garanhuns para deitar falação na Université de la Sorbonne. A Esperança das Nações, que de francês parece conhecer apenas duas palavras - merci bocu, pois assim deve soletrá-las em seu bestunto - talvez um dia rememore a seus netos o momento memorável de sua palestra na Universidade de Sorbonne, afinal assim a imprensa brasileira atesta. O pobre coitado, prisioneiro da língua e da própria insciência, deficiência inconcebível em um chefe de Estado, nem sabia onde estava. Idi Amin Dada, de triste memória, pelo menos falava inglês além de sua língua nativa.

A grande imprensa brasileira, ou quis ser gentil com o Supremo Apedeuta, ou talvez participe de boa parcela de sua ignorância. Outra explicação não há.

http://www.cristaldo.blogspot.com/
"Notai, vós homens de ação orgulhosos, não sois senão os instrumentos inconscientes dos homens de pensamento, que na quietude humilde traçaram freqüentemente vossos planos de ação mais definidos." heinrich heine

Poindexter

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Vidiota
« Resposta #1 Online: 20 de Julho de 2005, 00:31:01 »
Muito Além do Jardim, com Peter Sellers. :)

Offline Rodion

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Re.: Vidiota
« Resposta #2 Online: 20 de Julho de 2005, 00:59:38 »
aliás, mais um dele. esse achei engraçado:

TAXADO COMO DIREITISTA
Quando voltei de Estocolmo, em 72, dei uma longa entrevista ao Correio do Povo, de Porto Alegre. Lá pelas tantas, o repórter me pergunta: como é a oposição na Suécia? Respondi que lá não havia oposição, pois a Suécia era o país do consenso. Os deputados debatiam no plenário e se acertavam nos corredores. No outro dia, a manchete letal:

Segundo Janer, não há oposição na Suécia por ser o país do bom senso

Ou algo semelhante, estou citando de memória. Reclamei ao repórter, mas preferi não pedir retificação. A menos que se trate de grave ofensa à honra, calúnia ou difamação, retificação em jornal é gol contra. O leitor que não havia lido o jornal ontem fica sabendo hoje do que você não afirmou, mas segundo o jornal teria afirmado. Como eu não era de esquerda, o repórter me via como de direita. Em seu bestunto, a manchete errada fazia sentido.

Minha fama de direitista já era antiga. Começou, creio, em 64, quando eu estudava em Santa Maria. Mal eclodiu o movimento militar, fui convidado para participar da guerrilha. Sem sequer levar em conta considerações ideológicas, me recusei. Considerava a guerrilha luta suicida, algo como lutar de bodoque contra tanques. Mas os candidatos ao suicídio tinham suas convicções. Que o Palácio de Inverno, em 17, fora tomado por um punhado de homens decididos. Que outro punhado de barbudos havia derrubado Fulgencio Batista em 59, em Cuba. Que os rumos da História sempre haviam sido decididos por um punhado de homens decididos. Esqueciam que o tzar vivia num palácio estival em São Petersburgo, completamente desprotegido, mais adequado a bailes da corte que ao exercício do poder. Tivesse o Kremlin como sede de seu governo, o século passado certamente não sofreria a tirania de assassinos como Lênin e Stalin. Esqueciam também que Cuba era uma ilhota, guarnecida por um exército despreparado. Desde então - quando tinha 17 anos - fui jogado às trevas da direita. Trinta anos depois, o jornalista e guerrilheiro Fernando Gabeira chegou à minha mesma conclusão. Mas só depois de cárcere, tortura e exílio. Longo é o caminho das esquerdas até o entendimento.

Em meus dias de universidade, por não participar de grupos de esquerda, fui jogado na direita. Cursei Filosofia, o mais aguerrido ninho de marxistas da capital gaúcha. Tachado como direitista, paguei preço caro por não seguir a filosofia do alemão iracundo. (Para começar, nunca considerei Marx filósofo, mas um economista). Perdi um monte de mulheres. Mal me aproximava de uma, vinha a informação: "cuidado, esse cara é direita". Logo fui promovido a agente do DOPS.

Um episódio fez folclore em Porto Alegre. Estava com uma jornalista debaixo de um chuveiro (vínhamos da praia), ambos nus, quando ela me repeliu suavemente com os braços: "Estou com vontade, mas me desculpa. Não combinamos política e ideologicamente". Assim eram aqueles 70 e este "direitista" que vos escreve ficou a ver navios.


Os jovens de hoje certamente ignoram, mas houve época em que o Partido Comunista proibia seus militantes de falar com qualquer pessoa que não fosse comunista. Para evitar contágios burgueses, suponho. Com o tempo, fui promovido ao SNI, e a pecha teve conseqüências mais graves. Perdi amigos e empregos, o que torna a vida nada fácil para quem a está começando. Em 71, fui para Estocolmo. Ao voltar, nova promoção: agora eu era agente da CIA.

Tudo isto para chegar a um outro lapso, desta vez meu. Em um debate na Internet, falei que fora taxado como esquerdista. Entre mais de 50 mil participantes do fórum, pelo menos um notou minha gafe e corrigiu-a asperamente. Me penitenciei, mas logo percebi o lapso como providencial. Quem é tachado de direitista, é ao mesmo tempo duramente taxado. E a taxa é alta, particularmente para um jovem. Hoje tenho vida estável, acusações de tal jaez não me fazem mossa. Mas podem destruir o futuro de quem está se iniciando na vida. Como destruíram, por exemplo, a carreira de Wilson Simonal. E de tantos outros que foram barrados no jornalismo, no magistério e no mercado das artes e não ficamos sabendo.

Gostei de meu lapso, tanto que o uso como título. Talvez tenha emergido do inconsciente. Mas, se não sou de esquerda, nada tenho a ver com a tal de direita, hipótese que o maniqueísmo das esquerdas não admite. Deixemos de lado a origem da classificação, oriunda da divisão entre jacobinos e girondinos, que hoje perdeu o sentido e não passa de mera curiosidade histórica. Por esquerdas, entendo os que se proclamam esquerdistas. Se assim se proclamam, que o sejam. Mas que é a direita? Direita, hoje, é quem não aceita os dogmas das esquerdas. São as esquerdas que definem o que seja direita, algo assim como se um desafeto meu resolvesse batizar meu filho. Ora, não tenho razão alguma para aceitar definições ideológicas alheias. Pago a taxa até hoje, mas recuso o epíteto.

Há também os que me tacham de ateu, como se ser ateu fosse crime. De fato, sou ateu. Como não vivo em nenhum estado teocrático, não estou cometendo crime algum e devo confessar que não sinto este apodo como taxa. Pelo contrário, o assumo como comenda. Que vivam os ateus, estes seres estóicos que dispensam muletas para enfrentar a intempérie metafísica.


A propósito, direita no Brasil de hoje está assumindo um significado ainda mais restrito. Direitista, nestes exatos dias, é quem denuncia a azeitada rede de corrupção do PT, ainda que tal rede venha sendo denunciada por aliados do próprio. O conceito está assumindo novos contornos. Recentemente, fui incluído na "direita que alimenta a tropa do desbunde anaeróbico". Esta não entendi. Ça me dépasse.

O jornalismo, desde sempre, teve suas gralhas e falhas, equívocos de nomes e grafias erradas. Gralhas e falhas que subsistem no jornalismo eletrônico. Semana passada, cometi mais uma. Na última crônica, atribuí a Nelson Rodrigues a frase: "o mineiro só é solidário no câncer". E concluí, em função dos dois terroristas mineiros designados para a chefia da Casa Civil, que eram solidários também na estupidez.

Pelos mails que recebi, a crônica teve extensa circulação e os cumprimentos choveram na telinha de meu computador. Mas as Alterosas, mesmo endossando os termos da crônica, caíram em cima de mim. Reproduzo parte do protesto mais indignado:

"Excelente o artigo do jornalista! Só que as referências infelizes e desairosas - generalizando que "os mineiros são solidários também na estupidez" mexeu com minhas origens, de nossos ilustres e alguns também modestos antepassados, de minha família, de milhares de amigos e seus parentes nascidos nas ALTEROSAS MONTANHAS, ONDE PULSA UM CORAÇÃO DE OURO NUM PEITO DE FERRO de nossos coestaduanos!"

Sobrou também para o Nelson Rodrigues: "Peço, sob veemente protesto que ele se retrate das infelizes comparações, partindo ainda de outro suspeito filósofo de grandes aberrações, tão ao gosto dos esquerdinhas que endeusam todo aquele que, nos seus escritos, peças, e todos os meios, buscam desmoralizar a nossa "célula máter" - a família brasileira. Nelson Rodrigues pautou sua "magnífica" obra literária e teatral em explorar o lado podre da família, do relacionamento pais e filhos, expostos nos seus degradantes filmes e peças teatrais, para gozo dos ideólogos do marxismo-leninismo e gramscismo e outros "ismos" dessa desgraça ideologia que tanto mal nos tem feito e onde fincou os pés. Pobre dos cubanos! Minas não pode aceitar tamanha ofensa a seus filhos. Estupidez deve pautar os atos e escritos daquele jornalista. Apenas um deslize pode justificar palavras tão insensatas. (...) Não dá para segurar uma justa revolta face à infeliz comparação dos jornalistas Nelson Rodrigues e Janer Cristaldo, uai!" Segue-se um extenso ror de ilustres filhos da terra para comprovar as excelências das Gerais.
Perdão mineiros, perdão Nelson. (Que, aliás, foi um ferrenho adversário das esquerdas). "O mineiro só é solidário no câncer" é frase de Otto Lara Resende, mineiro da gema, de São João del-Rei. De tanto ler a frase em Nelson, julguei que fosse de sua autoria. Entre os milhares de leitores da crônica, havia felizmente uma leitora mais perspicaz, que me apontou o erro. Grato, leitora. Quanto à estupidez, eu me referia evidentemente aos dois terroristas mineiros, Zé Dirceu e Dilma Roussef.

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