Economista chinês diz que modelo pode mudar na China, e é mais provável que em acordo com EUAPor ora, as duas potências batem cabeça. À frente, ou combinam o jogo ou naufragam juntas. O que vai ser?A frustração de Dubai, que ao colocar em default um naco de suas dívidas está mais para miragem do deserto que reino das mil e uma noites. A dificuldade dos EUA para pegar no tranco. A economia da zona do euro sem torque. As incertezas sobre os caminhos da China, imprensada entre o endividamento do consumidor americano e o seu mercado interno pequeno para absorver o que hoje tenta exportar.
A grande crise global teria mesmo acabado? Já antes da humilhação de Dubai havia dúvidas. Foi-se a corrida aos bancos. Ficou sem que se saiba como desatar a crise do excesso de capacidade de produção em vários setores industriais.
No setor automotivo, estima-se em 20 milhões de carros o excesso de produção. Menos carros, bem como produção menor de eletrodomésticos, a construção civil em recessão nos EUA, na Europa, no Oriente Médio, derrubou a demanda por aço.
No Brasil, vai-se produzir de 27 a 30 milhões de toneladas de aço este ano, 20% menos que em 2008 segundo a entidade do setor. E as exportações? Estão difíceis. Na China, maior mercado do minério de ferro exportado pela Vale, já em 2004 a produção de aço bruto era enorme, 400 milhões de toneladas. Em 2007 saltou para 600 milhões, e siderúrgicas chinesas abasteceram 37% do consumo global.
Os projetos de mais quatro siderúrgicas que o presidente Lula fez a Vale se comprometer terão futuro com a sofreguidão chinesa para exportar? E lá com produção 20 vezes maior que a brasileira, moeda fraca e grudada ao dólar? Para onde vai o dólar, o renminbi vai atrás, enquanto o real se valoriza. Tal corrida pede outro modelo.
Essa é a guerra que se trava no mundo: conservar mercados, a luta das indústrias brasileiras de calçados, eletrodomésticos, móveis, na Argentina, por exemplo - sorrateiramente invadida por empresas chinesas -, ou ampliá-los. É o que faz também a China, para repor o que deixou de exportar para os EUA. Por ora, ambos batem cabeça. À frente, ou combinam o jogo ou naufragam juntos. O que vai ser?
Ao Brasil pode ser melhor não esperar a resposta. Nem escolher um lado. Ainda que a economia esteja globalizada, cadeias de produção funcionem integradas, com insumos, partes e peças vindas de vários países e montadas numa plataforma final, Brasil, China, Índia, EUA – países cotados para chegar a 2050 puxando a fila -, tem o que ao resto é incomum: mercado interno enorme e autonomia relativa para as necessidades básicas, de matérias primas a alimentos e energia.
A crise de Dubai, embora talvez isolada, serve como alerta de que é mais seguro buscar o próprio caminho, e não depender de ninguém.
É prudente desconfiarPelo que disse o economista Yu Yongding em palestra no último dia 25 a membros do governo australiano, em Melbourne, é prudente não se fiar em certezas, como a de que “a demanda doméstica se destaca como importante fator de recuperação asiática” - título da análise distribuída na sexta-feira por um grande banco brasileiro.
Youngding não é um dissidente. Foi membro do Comitê de Política Monetária do Banco do Povo, o BC chinês, e do grupo que elaborou o plano econômico qüinqüenal que está em curso no país. É professor da Academia Chinesa de Ciências Sociais, preside o China Society of World Economics, e por ai vai. Tem credenciais para ser ouvido.
Modelo insustentável“O padrão de crescimento dirigido pela exportação e investimento não é sustentável”, disse Yongding. A China investe o equivalente a 50% do PIB, declarou. “A taxa de investimento não pode crescer para sempre. A taxa de crescimento das exportações da China não pode permanecer persistentemente maior que a da economia global.”
Ele arrematou: “Com ou sem a crise financeira global, o excesso de produção aparecerá e a correção é inevitável”. Isso vai dar-se em um cenário complicado, porque, segundo ele, “a desvalorização do dólar é inevitável”, implicando perdas de capital para a China, que acumula reservas de US$ 2,3 trilhões. A margem é estreita.
EUA e inflação de 4%A menos que a economia dos EUA se reequilibre, o dólar cairá, ele disse. E se o dólar não cair, acrescentou, o reequilíbrio não será possível. A inflação virá, embora não seja ameaça imediata, prevê. Ele disse que a inflação nos EUA, segundo funcionários do Federal Reserve, deveria estar em torno de 4% ao ano. É meta ou aposta?
Para Yongding, diante disso a China deve reduzir o seu superávit externo, procurar investimentos reais para sair do dólar, e exigir dos EUA mais papel indexado à inflação. O recado: China deve mudar de modelo, preferencialmente em acordo com os EUA. E quanto a nós?
O eixo EUA-ChiníndiaO governo e empresas brasileiras terão de acompanhar com lupa os desdobramentos do eventual enlace entre EUA e China. Há notícias de que o presidente Barack Obama estuda pedido do governo chinês para autorizar a compra de bancos nos EUA.
A colaboração entre os dois governos já é extensa em energia. Ambos partilham estudos do padrão de baterias para carros elétricos.
É na microeconomia que estaria a saída para o megapepino da China ao empilhar papéis do Tesouro americano. Como os laços dos EUA com a Índia são firmes, chegando à energia nuclear, e China e Índia tentam acertar-se, há outro eixo de poder emergindo no mundo. E o Brasil está fora.
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