Depois de Dubai, fala-se de Grécia, e da solvência de nações e empresas infladas pelas bolhasCrise de liquidez nos mercados acabou. Agora começa a dor real, lidar com a insolvência de negócios e paísesA tempestade sobre o opulento deserto de Dubai, paraíso do kitsch arquitetônico e do dinheiro fácil que ainda circula aos borbotões pelo mundo, não foi de areia, mas também não maltratou os mercados financeiros tanto quanto muitos temeram nos últimos dias.
Dubai engasgou com o caroço da dívida de US$ 59 bilhões de um dos braços empresariais da família real, o Dubai World, dono de portos em todo mundo, hotéis, construtora e um vasto etc. A moratória não alcança a dívida total do reino - um dos sete dos Emirados Árabes Unidos (EAU) -, que ninguém sabe dizer bem qual é.
As estimativas estão na faixa de US$ 80-150 bilhões, boa parte em poder da banca européia e o rico vizinho Abu Dhabi, dono de 8% das reservas de petróleo (que Dubai não tem) e do maior fundo soberano do mundo, com ativos da ordem de US$ 1 trilhão. Ambos os monarcas, de Dubai e de Abu Dhabi, afirmaram que a dívida é problema de quem emprestou ao Dubai World. Não é bem isso: regimes absolutistas, as empresas dos reinos árabes transitam entre o Estado e o privado.
Região rica em clientes públicos e privados abonados para a banca global, os banqueiros vão morder os lábios e ceder. O provável é que renegociem os passivos, contra garantias do Banco Central dos Emirados, fortemente dependente de Abu Dhabi, a maior economia da federação e dos grandes credores dos primos gastalhões de Dubai.
A questão agora é de avaliação da sustentabilidade dos faraônicos empreendimentos construídos em Dubai, abrindo outra fase da crise global, ainda circunscrita mais à ótica financeira dos mercados e ao resgate de bancos que à economia real e à solvência das nações.
“Quanto mais aprendemos sobre a crise, menos parece provável que ela vá embora sem repercussão”, reconhece o economista Brian Hoyt, do Banco Mundial. Dubai, nesse sentido, não é importante pelo que representa o seu passivo, como advertia o último post do professor da London Business School Willem Buiter, em seu blog, antes de ser anunciado como o novo economista-chefe do Citibank em Nova York.
Ele assume em janeiro. Ainda livre das formalidades de seu novo cargo, Buitter, dos poucos a antever a grande crise e a débâcle da Irlanda e Islândia, previu que a economia política e dívida serão as grandes áreas de estudos dos economistas e cientistas políticos nos próximos anos. “Estou pessimista com os países caracterizados por profunda polarização e impasses políticos”, ele escreveu.
Dor real mal começou O que se tem no mundo como consenso é que a maior parte da crise de liquidez nos mercados acabou graças à intervenção dos Tesouros nacionais e dos bancos centrais.
Agora, segundo um financista que escreve sob o pseudônimo Hellassious, começa a “dor real”, que é lidar com a insolvência. O único remédio, diz ele, é a liquidação das dívidas e a queda comensurável do preço dos ativos associados.
Isso explica a relutância de Abu Dhabi em acudir o vizinho. Dubai depende do fluxo externo de gente e dinheiro como centro turístico e financeiro em que assentou seu projeto de país, um seguro para o dia em que o petróleo deixasse de fluir na região. Deu errado.
Poder da especulação Hotéis, shoppings, condomínios para ricos e famosos, a Emirates, empresa de aviação, tudo perdeu valor em Dubai com a recessão. E pior é que os ativos já estavam inflacionados em situação normal.
Não só na área de serviços os valores foram aos píncaros inflados pelo crédito fácil e barato. A liquidez oceânica induziu países a gastar o que não podiam e a inchar a máquina pública, confiando no crescimento econômico sem fim.
No mundo corporativo, a especulação assumiu os planos de negócios. De projetos imobiliários a fábricas, a lógica passou a ser curtoprazista: construir ou comprar, visando o ganho de capital imediato, não o resultado operacional regular.
Grécia ameaça o euro Parte do lucro inflacionado expresso em dívidas foi bancada pelas intervenções do Estado, como no Brasil, na área imobiliária, com a Caixa Econômica Federal dando liquidez a construtoras com terrenos comprados na alta.
Com a recessão curta e a banca sem crise maior, os preços não caíram, como nos EUA. Mas lá e cá, mais nos EUA que aqui, as intervenções trocaram perdas privadas por dívida pública.
Para Dubai, e Grécia, próximo da lista dos países-arruinados, com dívida de 99% do PIB e déficit público de 12,7%, a fatura chegou. Como a Grécia integra a União Européia e sua dívida é em euros, o problema é europeu.
Discute-se se a comunidade seria solidária no caso de default de um de seus membros. Aguarde novas emoções.
Intolerância européia O que será da Grécia foi tema de reunião na quarta-feira, em Bruxelas, pela Comissão de Assuntos Econômicos e Financeiros europeu. É ruim a expectativa.
Os países da zona do euro têm como teto para déficits fiscais a meta de 3% do PIB. Alemanha e França se comprometeram a retornar a tal nível até 2013. A França, com ressalvas.
Todos estão estourados por causa da crise, mas Grécia extrapolava muito antes. Para ela e outros países encalacrados, embora menos, como Hungria, Itália, Espanha, Portugal, o
status quo europeu sugere “tolerância zero”, termo usado pelo alemão Nicolaus Heinen, do Deutsche Bank.
O Banco Central Europeu descarta recorrer à saída da monetização de dívidas, como EUA e Inglaterra têm feito, buscando inflação que a Europa repele. Vai pegar fogo.
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