Vitória da direita em 1º turno e nova esquerda dão às eleições no Chile relevância inesperadaProcesso atrai atenção por envolver a mais organizada interação entre mercado e Estado na América LatinaPode um presidente com 80% de aprovação, o dobro de quando tomou posse, não eleger o sucessor? A questão desafia o presidente Lula, tão popular quanto a presidente do Chile, Michelle Bachelet, que teve resposta negativa nas urnas sobre seu candidato à sucessão.
Incisiva, ela não a favorece, ainda que a resposta possa mudar, já que haverá 2º turno, em 17 de janeiro. Mas a direção política no Chile, país pequeno, embora o mais bem-sucedido, politizado e polarizado da América Latina, mudou de mão.
O processo chileno tem relevância pelos antecedentes de radicalização extrema, seguida da mais organizada interação entre o mercado e a atuação do Estado na economia, constatada pela liderança do país, na América Latina, em todos os indicadores globais de desempenho econômico e social.
É a primeira vez em vinte anos que a coalizão de centro-esquerda Concertação, que reúne os tradicionais partidos Democrata Cristão e o Socialista, do ex-presidente Salvador Allende - derrubado pelo golpe que entronizou a ditadura do general Augusto Pinochet entre 1973 e 1990 -, está sob ameaça real de ser derrotada.
O candidato de direita, que lá se apresenta de cara lavada, sem subterfúgio, como os políticos da mesma linha no Brasil, atropelou o candidato do governo - o ex-presidente democrata-cristão Eduardo Frei Ruiz-Tagle. E o fez num continente em que a esquerda, desde o fim do século passado, não perde eleição presidencial.
O empresário Sebastián Piñera, do Partido Renovação Nacional, um bilionário, dono entre outras empresas da Lan Chile, passou para o segundo turno com 44% dos votos, mudando sua desvantagem no pleito passado, em que competiu e perdeu para a socialista Bachelet. Frei teve pouco menos de 30%. A vitória de Piñera não está assegurada, embora as pesquisas o apontem à frente de Frei no segundo turno.
A Concertação se dividiu, apresentando-se à sucessão de Bachelet com dois outros nomes: o comunista histórico Jorge Arrate, que só teve 6,2% dos votos, e o deputado Marco Enríquez-Ominami, a grande novidade eleitoral, votado por 20,1% dos eleitores num pleito com grande abstenção.
Arrate manifestou apoio a Frei. Ominami liberou o seu eleitorado, mas afirmou que a eleição de Piñera seria “grave retrocesso”, enquanto vários de seu grupo fizeram o oposto.
Ele renunciou ao Partido Socialista e se candidatou liderando uma lista independente – candidatos no Chile podem concorrer sem estar filiado a um partido, ao contrário do Brasil -, com uma proposta de renovação da esquerda. Ela estaria, segundo ele, distanciada no Chile e no mundo dos interesses e anseios dos mais jovens.
Esquerda renovadora Cineasta, Ominami, 36 anos, também se fez ouvido pela credencial de filho do fundador da organização de extrema-esquerda MIR, morto em combate com a polícia de Pinochet, e ser apoiado por Andrés Pascal Allende, seu tio e sobrinho do ex-presidente Allende. Ele veio de Cuba, onde vive, para ajudar a organizar a “Nova Maioria”.
É o movimento criado por Ominami como alternativa à Concertação. E com um discurso de renovação entre capital e Estado, tanto que entre seus assessores há quem defenda maior abertura ao mercado da maior empresa chilena, a estatal Codelco, que domina a produção de cobre no mundo e está para o Chile como a Petrobras para o Brasil.
Debate de ideologias A política chilena sugere um caldeirão de idéias em ebulição, o que a torna mais interessante do que já é, principalmente por ter os pontos cardeais do espectro político – direita, centro-direita, centro-esquerda e esquerda –, mais que em outras partes, muito bem definidos, como as estações do ano.
E, do mesmo modo que o debate sobre o clima, em transição. Para o quê e onde não se sabe ainda.
Lições para o Brasil O próprio Piñera representa uma direita diferente num país em que o conservadorismo gerou a mais cruenta ditadura em tempos recentes na América Latina. Seus negócios floresceram no período Pinochet, do qual se afastou ao apoiar a realização de eleições livres no plebiscito convocado pelo ditador em 1990. Mas não recusou o apoio da direita pinochetista, que ainda é forte no Chile.
Piñera também atraiu entusiastas improváveis como Fernando Flores - senador independente do bloco Concertação, que, aos 29 anos, foi ministro da Economia de Allende. O Chile, diz ele, precisa avançar e para isso tem de digerir seu passado.
Piñera e Ominami captaram tal sentimento, além de falarem bem de Bachelet. Frei, nem isso. A sua desvantagem encerra lições para o embate eleitoral no Brasil.
Estado & mercado S/A Com necessidades básicas como saúde e educação atendidas, o Chile tateia novos caminhos por cima do desgaste dos partidos, ainda que o governo Bachelet termine com alta popularidade, parte devido aos programas sociais e à economia ter resistido razoavelmente bem aos efeitos da crise externa.
O conflito Estado X mercado está também superado. O sucesso do binômio foi atestado pelo papel anticíclico do fundo formado com as rendas da exportação de cobre.
O que lá se discute é a reinvenção do Estado para estimular o empreendedorismo e a inovação visando criar empregos de alta qualidade. É um debate comum no mundo pós-crise e sem carbono, e ainda “verde” no Brasil.
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