Autor Tópico: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)  (Lida 951 vezes)

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Offline Blues Brother

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Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Online: 14 de Janeiro de 2010, 01:35:31 »
“Rousseau e outros cinco inimigos da liberdade” – Sir Isaiah Berlin 

“Partindo da liberdade ilimitada, chego ao despotismo ilimitado”-
Shigalev, em Os Demónios de Dostoiévski. (pág 49)

"Conseqüentemente, Rousseau desenvolve o conceito de vontade geral. Começa com a idéia inofensiva de um contrato, o que, no fim de contas, é um assunto semicomercial, simplesmente um tipo de compromisso a que se adere voluntariamente e, em última análise, igualmente revogável, um ato realizado por seres humanos que se reúnem e acordam praticar determinadas ações destinadas a conduzir à sua felicidade comum.

É assim que começa; mas a partir da idéia de um contrato social como um ato absolutamente voluntário da parte de indivíduos que permanecem independentes e que buscam, cada um, o seu próprio bem, Rousseau avança gradualmente para a noção de uma vontade geral quase como a vontade personificada de uma vasta entidade super-individual, de algo chamado “o Estado”, que não é já o leviatã esmagador de Hobbes, mas algo mais parecido com uma equipa, com uma Igreja, uma unidade na diversidade, algo maior do que nós, no qual mergulhamos a nossa personalidade apenas para voltarmos a descobri-la.

Há um momento místico em que Rousseau passa misteriosamente da idéia de um grupo de indivíduos com relações voluntárias e livres entre si, cada um buscando o seu próprio bem, para a idéia de submissão a algo que somos nós próprios e, contudo, é maior do que nós – o todo, a comunidade. Os passos que utiliza para o alcançar são singulares e vale a pena analisá-los brevemente.

Dizemos para nós próprios que desejamos determinadas coisas e se somos impedidos de as ter, não somos livres; e isso é o pior que nos pode acontecer. Dizemos então para nós próprios: “O que é que eu desejo?” Desejamos apenas a satisfação da nossa natureza. Se formos sensatos, se formos racionais, bem informados, perspicazes, descobriremos onde reside a nossa satisfação.

A verdadeira satisfação de qualquer homem não pode colidir com a verdadeira satisfação de qualquer outro, pois se isso acontecesse, a natureza não seria harmoniosa e uma verdade colidiria com outra, o que é logicamente impossível. Poderei verificar que outros homens estão a tentar frustrar-me. Por que motivo o fazem?  Se sei que estou certo, se sei que aquilo que busco é o verdadeiro bem, então as pessoas que se me opõem têm de estar erradas sobre o que quer que seja que elas próprias busquem.

O que Rousseau pretende transmitir, de fato, é que todos os homens são potencialmente bons – ninguém pode ser totalmente mau. Se os homens deixassem a sua bondade natural brotar, desejariam apenas aquilo que é correto; e o fato de não o desejarem só significa que não compreendem a sua própria natureza.

Mas a natureza está lá, apesar de tudo isso. Para Rousseau, afirmar que aquilo que um homem deseja é mau, embora potencialmente deseje o que é bom, é como dizer que existe uma qualquer parte secreta dele próprio que constitui o seu eu «verdadeiro»; que se ele fosse ele próprio, se fosse como deveria ser, se fosse o seu verdadeiro eu, então procuraria obter o bom.

Forçar um homem a ser livre é forçá-lo a comportar-se de uma forma racional. É livre o homem que obtém aquilo que deseja; aquilo que verdadeiramente deseja é um fim racional. Se não deseja um fim racional, não deseja verdadeiramente; se não deseja um fim racional, aquilo que deseja não é a verdadeira, mas a falsa liberdade.

Forço-o a fazer certas coisas que o farão feliz. Ele ficar-me-á grato se alguma vez descobrir o seu próprio eu verdadeiro: é esse o âmago da sua famosa doutrina e não há um ditador no Ocidente que depois de Rousseau não tenha utilizado esse monstruoso paradoxo para justificar o seu comportamento.

Os Jacobinos, Robespierre, Hitler, Mussolini, os Comunistas, utilizam todos esse mesmo método argumentativo, de afirmar que os homens não sabem o que verdadeiramente querem – e, assim, ao querê-lo por eles, ao desejá-lo em seu nome, damos-lhes o que num sentido oculto, sem que eles próprios saibam, desejam “realmente”.

Quando executamos um criminoso, quando submetemos seres humanos à nossa vontade, mesmo quando ordenamos inquisições, quando torturamos homens e os matamos, não estamos apenas a fazer algo que é bom para eles – embora mesmo isso seja já suficientemente dúbio - , estamos a fazer aquilo que eles verdadeiramente querem, mesmo que o neguem mil vezes.

O mal provocado por Rousseau consiste em ter iniciado a mitologia do eu verdadeiro, em nome da qual nos é permitido forçar as pessoas. Sem dúvida que todos os inquisidores e todas as grandes estruturas religiosas procuraram justificar os seus atos de coerção, que terão ulteriormente parecido, pelo menos a algumas pessoas, cruéis e injustos; mas, pelo menos, invocaram sanções sobrenaturais para eles. Pelo menos invocaram justificações que não era permitido à razão questionar.

Por esta grande perversão, Rousseau é mais responsável do que qualquer outro pensador que alguma vez tenha vivido. Nesse sentido, não é minimamente paradoxal afirmar que Rousseau, que reivindica ter sido o amante mais ardente e apaixonado da liberdade humana que alguma vez viveu, que procurou libertar todas as grilhetas, os constrangimentos da educação, da sofisticação, da cultura, da convenção, da ciência, da arte, – Rousseau, apesar de tudo isso, foi um dos mais funestos e formidáveis inimigos da liberdade em toda a história do pensamento moderno."

Offline Zeichner

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Re: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Resposta #1 Online: 14 de Janeiro de 2010, 10:36:26 »
Os Jacobinos, Robespierre, Hitler, Mussolini, os Comunistas, utilizam todos esse mesmo método argumentativo, de afirmar que os homens não sabem o que verdadeiramente querem – e, assim, ao querê-lo por eles, ao desejá-lo em seu nome, damos-lhes o que num sentido oculto, sem que eles próprios saibam, desejam “realmente”.

Quando interessa, a voz do povo é a voz de deus. Só quando interessa, senão, é um rebanho.

Offline FxF

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Re: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Resposta #2 Online: 14 de Janeiro de 2010, 11:21:54 »
E o pior é que isso é ser humano... uma pessoa tem um orgulho próprio, considera que suas idéias tem boa qualidade simplesmente por seres dela própria...

Offline Sr. Alguém

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Re: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Resposta #3 Online: 14 de Janeiro de 2010, 12:29:48 »
Simplesmente genial esse texto.A algum tempo eu já questionava esse bullshit de "bom selvagem".Mas os departamentos de ciências humanas nas universidades fazem questão de mantê-lo vivo.
Se você acha que sua crença é baseada na razão, você a defenderá com argumentos e não pela força e renunciará a ela se seus argumentos se mostrarem inválidos. (Bertrand Russell)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Humanismo_secular
http://pt.wikipedia.org/wiki/Liberalismo_social

Offline Moro

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Re: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Resposta #4 Online: 14 de Janeiro de 2010, 19:30:54 »
quanta merda escreve rosseau.
“If an ideology is peaceful, we will see its extremists and literalists as the most peaceful people on earth, that's called common sense.”

Faisal Saeed Al Mutar


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Offline _tiago

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Re: Rosseau: inimigo da liberdade (Por Isaiah Berlin)
« Resposta #5 Online: 14 de Janeiro de 2010, 23:48:18 »
Há um momento místico em que Rousseau passa misteriosamente da idéia de um grupo de indivíduos com relações voluntárias e livres entre si, cada um buscando o seu próprio bem, para a idéia de submissão a algo que somos nós próprios e, contudo, é maior do que nós – o todo, a comunidade. Os passos que utiliza para o alcançar são singulares e vale a pena analisá-los brevemente.

É um desencadeamento de idéias coerente, mas enxugando (e se enxugyuei corretamente) dá numa coisinha bem bizarra:
 
Meu desejo racional quer minha satisfação, por isso, ele é bom. Entretanto, esse meu desejo racional não pode colidir com o desejo racional e por isso bom de outro. Assim, conclui-se, todos os homens são bons, pois, bom mais bom é igual a bom!
(Acontece um salto misterioso e...) Concluimos que ao estado, produto dessa boa vontade geral, compete dizer qual bondade cada indivíduo deverá ter!

 

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