20/07/2005 - Marcelo Leite, jornalista, colunista da Folha de S.Paulo...
http://cienciaemdia.zip.net/Choque demográfico nas mentiras da religião 1Amanheceu chovendo no bairro do Itaperi, em Fortaleza, onde se realiza a reunião da SBPC. No auditório 2 do prédio da reitoria da UECE, ainda cheio de marcas de cal e guarnecido só de cadeiras de plástico de jardim, começa pontualmente às 9h30 a conferência do sociólogo Antônio Flávio Pierucci sobre "Diversidade religiosa à brasileira".
Foi uma exposição clássica, no sentido de mostrar como os dados duros (números) dissolvem a malemolência ideologizada do discurso público nacional - no caso os números de membros que as igrejas trombeteiam por aí, sobretudo no altar da política. Pierucci já deu a partida com uma tabela - Word mesmo, sem firula nenhuma de PowerPoint - projetada, sobre crescimento de religiões no Brasil de 1940 a 2000, tendo como fonte o Censo Demográfico do IBGE:
Católicos: de 95,2% a 73,8%
Evangélicos: 2,6% a 15,4%
Outras religiões: 1,9% a 3,5%
Sem religião: 0,2% a 7,3%
"Lideranças religiosas gostam de mentir", disse o sociólogo. Nada a estranhar: "[Vivemos o] Espetáculo de mentira no Brasil." Deu três exemplos
· Acordo eleitoral José Dirceu com Bispo Rodrigues em 2002: jornais deram que representaria para Lula 8 milhões de votos. IBGE divulgou no mesmo ano dados do censo de 2000: Universal aparece com 2 milhões de seguidores.
· Na mesma época um religioso islâmico dizia que já havia 1 milhão de muçulmanos no Brasil. Contados oficialmente pelo censo são 18 mil.
· Marta Suplicy recebeu em 2004, para sua recandidatura a prefeita, apoio da Igreja Renascer, que disse ter 5 milhões de votos na cidade de São Paulo. No Brasil inteiro, pelo censo, a denominação tem 55 mil seguidores. "Enche algumas igrejas, um ou outro estádio."
Choque demográfico nas mentiras da religião 2Os números também dissolvem a solidez do mito da diversidade religiosa no Brasil: "Ainda temos 90% de cristãos neste país", ponderou. "Com os sem religião, sobe para quase 97%. As outras religiões estão espremidinhas numa faixa de 3,5%. E um terço delas são os espíritas kardecistas, terceiros colocados no pódio. As outras religiões ficam mais espremidinhas ainda. Somos atraídos pelo lado exótico dessas religiões, mas onde elas estão?"
Individualismo
"Algumas igrejas estão crescendo bastante. Uma mudança muito grande. Religiões herdadas, às quais nós pertencemos por nascença, são as que estão perdendo audiência. Estão ganhando as religiões de conversão, a dos emissários da missão de pregar incansavelmente, a tempo e fora do tempo. O Brasil não é mais como o vê o episcopado [católico]. Esse Brasil que é católico desde a primeira missa é um país que está deixando de ser católico. As pessoas, individualmente, estão escolhendo uma nova forma de cristianismo. As decisões individuais estão levando as pessoas a se desmembrarem de suas famílias e da religião de sua família."
Umbanda e candomblé
Três grupos são doadores de fiéis para outras religiões: catolicismo, luteranismo e... as afrobrasileiras " justamente a expressão da identidade nacional, pela via do sincretismo religioso. "Candomblé cresce um pouquinho, mas porque algumas pessoas da umbanda estão passando para o candomblé", disse Pierucci. Mas confirma a tendência de preferir religiões que não respeitam qualquer tradição, que querem criar uma comunidade nova de irmãos. "Ruptura com um passado religioso, uma dissolução dos laços. Para criar novos laços, não podemos esquecer que laços mais antigos estão sendo dissolvidos."
Campeões e lanterninhas do catolicismo
Quer mais números interessantes? Eis parte da tabela 5A apresentada pelo sociólogo, sobre os Estados mais católicos do Brasil: Piauí (91%), Ceará (85%), Paraíba (84%), Maranhão (83%), Alagoas (82%), Sergipe (82%), Rio Grande do Norte (82%). Ou seja, Nordeste. Estado menos católico do Brasil: Rio de Janeiro. Só 57% no Censo de 2000. "Seguramente já deve estar beirando os 50%, se é que não caiu abaixo disso." Depois, Rondônia (quase 58%). "Não é só floresta que Rondônia está perdendo. Está acontecendo uma devastação do catolicismo em Roraima."