Deus ex machina
Por Cabeção
Deus ex machina ( plural : dei ex machinis ) : recurso narrativo que promove uma solução rápida para um conflito na trama valendo-se de elemento que não constavam na narrativa primordialmente, não sendo conseqüentes a lógica inerente a sucessão de eventos narrados. A origem do termo remonta ao teatro grego e romano, onde a prática geralmente consistia em introduzir deuses (que consertariam todos os problemas, ou um problema em particular) na história por meio de aparatos mecânicos, daí o nome em latim que significa "deus vindo da máquina".
Extraído da versão inglesa da Wikipedia
O uso de um
Deus ex machina numa narrativa pode ser fonte de polêmica, se for esperada uma trama verossímil. Ocorre, na maioria dos casos, uma grande decepção por parte do público espectador, que em geral aguarda ansiosamente por uma solução engenhosa, e depara-se com uma solução mágica. Em algumas narrativas, o intento do autor é exatamente frustrar a expectativa ou criar algum tipo de ironia, já em outras o uso se justifica por se tratar de um texto de teor humorístico ou surreal que não necessariamente deve obedecer a uma sucessão lógica de acontecimentos, e outras vezes o autor se vê sem recursos, e precisa lançar mão desse elemento.
Um estudo mais aprofundado desse tema exigiria mais tempo e conhecimento do que aquele que eu tenho disponível, logo, passemos agora para o tema a ser verdadeiramente abordado.
Uma das conseqüências envolvidas no uso do recurso
Deus ex machina na narrativa, como vimos, é a frustração, intencional ou não, das expectativas do espectador. Essa frustração se dá exatamente por remover daquele espetáculo a característica que absorvia as pessoas da realidade, e que faziam com que entrassem na trama, que a vivessem. Essa característica era a verossimilhança. Ao utilizar desse mecanismo e se desprender da verossimilhança, que pressupõe uma sucessão lógica de ocorrências, o narrador joga o equivalente a um balde de água fria, removendo o público do sonho induzido pela apresentação e dizendo em letras garrafais: "Ei! Acorde! Isso é ficção, não é vida real! Aqui tudo é possível!".
Chegamos ao ponto interessante. O
Deus ex machina é frustrante porque qualquer pessoa sabe que esse elemento é exclusivo da ficção. Não é preciso explicar para ninguém que a princípio o céu não se abrirá e todos os problemas se resolverão, ou que num naufrágio no meio do pacífico em 1785 nenhuma equipe de resgate estaria passando aleatoriamente por ali numa lancha futurística. Mas, estranha e paradoxalmente, apesar das pessoas em geral se frustrarem com o uso desse recurso em narrativas ficcionais, elas procuram desesperadamente inseri-los, de algum modo, na realidade não-ficcional (desculpem a redundância) de suas próprias vidas.
Quantas vezes nós nos deparamos com frases do tipo: "Puxa, eu queria que um milhão de dólares surgissem na minha frente agora", "tomara que meu chefe caia durinho antes de ver que não fiz nada que ele pediu", "
no final, tudo dá certo, tenha fé", "eu posso sofrer agora, mas depois do
Juízo Final, quando
Jesus e os anjos descerem dos céus[elementos não presentes no decorrer da narrativa], tudo será consertado, e os justos serão premiados" ou "a
evolução espiritual da humanidade[elemento não verificado] conduzir-nos-á a uma situação melhor", entre tantos outros?
Se todos os problemas da humanidade se resolvessem com malas vindas do céu ou com Juízos Finais que se encarregarão, sozinhos, de punir os maus e glorificar os bons, sem que nenhum destes precise agir em qualquer sentido para atingir seus objetivos, a não ser fazendo os papéis subjetivos e previamente escolhidos de mocinhos e bandidos, o sentido da vida seria a frustração. Todas as atitudes até então tomadas nada viriam a modificar, pois a aplicação do
Deus ex machina resolveria de qualquer jeito. É também um recurso para a acomodação, "esperemos todos quietinhos até o dia do
Deus ex machina".
Também lançam mão desse recurso para explicar eventos passados, sendo esse tipo o mais constante. Não conseguem entender como as coisas vieram a se tornar o que são, e também não querem descobrir. "Alguém deve ter feito isso", é a resposta usualmente lançada.
Não preciso sequer dizer que esse módulo de pensamento não me agrada. Seria como um roteiro onde os personagens sabem que haverá um
Deus ex machina, e passam apenas a esperá-lo. Este consegue ser um cenário ainda mais frustrante do que aquele original, onde a trama é pega de surpresa por uma solução miraculosa e surpreendente.
Esperar esse tipo de ocorrência, não só é inconseqüente como também é jogar toda realidade nas mãos de um roteirista tão amador que faria sucesso como autor de novelas da globo.