OK , vamos fazer uma análise crítica da matéria jornalística e dos estudos em si:
1) Sobre o estudo :
Trata-se da apresentação oral (poster session) na reunião anual da Society of Behavioral Medicine dos resultados de dois estudos prospectivos , com grupo intervenção e grupo-controle.Os resultados dos dois estudos (mesma metodologia , populações diferentes) foram apresentados conjuntamente hoje (09/04/10) conforme o
programa do meeting. O resumo do trabalho é este:
CHANGE IN SYMPTOMS OF DEPRESSION IN MINORITY SUBJECTS AT RISK FOR CVD : RANDOMIZED CONTROLLED MIND-BODY INTERVENTION TRIALS
Sanford Nidich, EdD,1 Mark Toomey, PhD,1 Hector Myers, PhD,3 Maxwell Rainforth, PhD,1 Andrew Grandinetti, PhD,2 John Salerno, PhD,1 Carolyn Gaylord-King, PhD1 and Robert Schneider, MD1
1Maharishi University of Management Research Institute, Fairfield, IA; 2University of Hawaii, Honolulu, HI and 3Charles Drew University Medicine and Science, Los Angeles, CA.
Depression is an important risk factor for the development and progression of cardiovascular disease (CVD). For example, research has found that a dose-response effect exists whereby the level of depressive symptoms is linearly associated with development of cardiac events. This presentation reports on the recent analysis of change in depressive symptoms from two National Institute of Health-sponsored randomized controlled mind-body intervention trials with older minority subjects at risk for CVD. Both studies selected minority groups, African American and Native Hawaiian, respectively, who have higher risk for CVD than the majority population. Both studies compared the effects of Transcendental Meditation (TM) to health education (HE), controlling for time and attention, using the Center for Epidemiological Studies Depression (CESD) scale. All subjects had at least one major risk factor for CVD and were 55 years or older. The first study conducted in South Central Los Angeles had 80 African American subjects (39 in the TM group and 41 in HE) who completed CESD testing (overall baseline mean CESD = 14.8). Using repeated-measures ANCOVA, covarying for baseline scores, the TM group showed a significant reduction in depressive symptoms compared to HE over 12 months (-6.26 vs. -3.29; p = 0.03). The second study conducted with Native Hawaiian men and women had 53 subjects (26 in the TM group and 27 in HE) who completed CESD testing (overall baseline mean CESD = 11.3). Analysis indicated a significant reduction in depressive symptoms for the TM group (mean = -1.59) compared to HE (+1.36; p = 0.049) over 9 months. Results of these trials indicate that mind-body interventions such as Transcendental Meditation may be effective in reducing depressive symptoms in older minority subjects at risk for CVD. Possible mechanisms are discussed.
CORRESPONDING AUTHOR: Sanford Nidich, EdD, Maharishi University of Management Research Institute, Fairfield, IA, 52556; snidich@mum.edu
http://www.sbm.org/meeting/2010/rapidshandout.pdf
Em virtude de não ser ainda a publicação do estudo não se tem ainda acesso aos dados metodológicos completos.Não é possível avaliar , p.ex. , a qualidade da randomização (distribuição aleatória entre grupo-tratamento e grupo-controle) , se as características de cada grupo (faixa etária , sexo , uso de medicações , etc...) foram equalizadas , etc... Não é possível dizer também se o tamanho da população em estudo permite afiançar que a diferença , embora estatisticamente significativa , não possa ser devido a viés já que não é dado o intervalo de confiança do resultado. Isto porque , quanto menor a amostra estudada , maior a chance de achados estatísticamente significativos devidos ao acaso.
A depressão está relacionada a aumento de risco de eventos cardiovasculares e este risco é diretamente relacionado à gravidade do quadro depressivo. Como forma de se determinar a severidade do quadro depressivo foram criadas diversas escalas sendo que a utilizada no estudo (CESD) foi criada em 1977 e permite a auto-avaliação em um questionário de 20 itens ;o total de pontos varia de 0 a 60 com valores maiores indicando sintomas mais importantes , considera-se que há depressão a partir de 16 pontos . No estudos acima os pacientes tiveram score médio de 14,8 ( coincidentemente iguais até nos décimos !) , não há relato da variação nem do desvio-padrão que permita saber a distribuição da severidade da depressão entre os estudados ,mas a média apresentada permite inferir que eram de baixo grau de sintomas. Sabe-se que sintomas menores de depressão podem ter remissão espontânea , sem quaisquer intervenções , e a prevalência de indivíduos com scores baixos nos grupos geraria viés no sentido de uma falsa eficácia da terapêutica.
O que se depreende do resumo do estudo é que , no máximo , ele pode servir para estimular estudos posteriores com grupos maiores para poder-se definir se a técnica da meditação transcendental tem ou não eficácia no tratamento da depressão ( incluindo-se aí saber em quais subgrupos de severidade ela funcionaria). Por outro lado a leitura do método como apresentado no resumo deixa dúvidas quanto à qualidade do estudo.
2) Sobre a matéria jornalística:
Aqui a coisa fica interessante!
Porque um relato inicial de dois pequenos estudos sobre meditação transcendental ( cujos resultados não permitem definir conclusivamente sobre o assunto) , apresentado na reunião anual de uma sociedade médica que não é das mais badaladas tem uma difusão grande na internet
48 h antes da apresentação (a divulgação nos sites começou em 07/04)?
O mistério se esclarece quando se atenta para os fatos:
- Em todos os sites o texto é basicamente o mesmo
- O autor principal pertence à
Maharish University , entidade criada no EUA pelo famoso Maharish Mahesh Yogi , criador da MT , ex-guru dos Beatles e picareta juramentado. A entidade vive de divulgar a Meditação Transcendental e tem um ramo dedicado à pesquisa de usos médicos da MT , recebendo verba da NIH. Talvez por conta da conspiração do establishment médico os significativos resultados obtidos não são publicados em periódicos peer-reviewed...
- A opinião de expert apresentada é de Gary Kaplan , professor de neurologia da Universidade de Nova Iorque e
membro da Maharish Global country for World Peace.A matéria não cita este último fato nem que o professor além de neurologia também, leciona medicina védica...
Em suma: divulgação na rede de um press-release lançado pela Maharish University montado para dar aparência de credibilidade científica a um pequeno (e provavelmente mal-feito) estudo sobre MT e garantir o aporte de fundos do NIH mantendo a atenção da mídia através do factóide.