Mas e quando a "opinião" é "sodomitas devem ser mortos"? E quanto a aproximações, tão sutis quanto possíveis disso, para que a pessoa ligue os pontinhos, e conclua a mesma coisa. "Ah, mas eu não estou dizendo que os sodomitas tem que ser mortos. O que digo apenas é que eles se comportam como se fossem uma praga que parasita a nossa sociedade, e temo pelo que será dela, se a sodomia continuar a se alastrar assim, vertiginosamente. Penso, o que Deus faria com nossas cidades, tomando por referência o que está narrado na bíblia? Somente isso, minha opinião."
É uma questão difícil e delicada, e como em praticamente tudo no Direito não há solução perfeita.
Pessoas - principalmente advogados - sempre usaram as brechas legais, muitas vezes para ir contra
o próprio propósito da lei.
Como o O.J. Simpson pôde ser absolvido? De uma forma patética: advogados habilidosos utilizaram leis que tinham por objetivo zelar pela confiabilidade das provas apresentadas em um tribunal, para impedir que as provas contra o O.J. pudessem ser consideradas pelo júri.
Por exemplo, o sangue do cara estava na cena do crime. Era o sangue dele comprovado pelo exame de DNA.
Cheque-mate?!
Não. Uma lei determina que o sangue colhido seja conservado sob certas condições até ser levado a laboratório para análise, e os advogados puderam provar que isso não ocorreu. O objetivo é evitar que amostras deterioradas sejam analisadas e produzam falsos resultados. O DNA presente na amostra de sangue de um assassino poderia se deteriorar a ponto do exame não resultar em um padrão de DNA compatível com o do criminoso, o que poderia ser usado como evidência pelo advogado de defesa, de que outra pessoa e não o seu cliente cometeu o crime.
Porém sabemos com certeza que o contrário é praticamente impossível. A chance de que outro criminoso tenha se ferido ao esfaquear o casal, que a sua amostra de sangue tenha se deteriorado em exposição ao sol, e que por causa disso, por uma coincidência incrível, tenha produzido no exame um padrão idêntico justamente ao do DNA do O.J. Simpson seria tão ridícula que ninguém consideraria a hipótese.
Mas a lei existia e o júri foi obrigado a desconsiderar essa prova. O mesmo foi feito com uma a uma das provas apresentadas até o ponto em que os jurados sabiam da existência das provas mas legalmente não podiam utiliza-las como base para um veredicto. O que é equivalente a dizer que não havia provas contra ele, portanto não havia base legal para uma condenação.
Um homem que todos sabiam que era culpado foi declarado inocente.
Parece ridículo e talvez seja, mas a alternativa para que a "justiça" fosse feita seria o juiz e o júri
passarem por cima das leis, deixarem o papel de Judiciário e assumirem, por conta própria e a revelia da
sociedade, o papel do Legislativo e eles próprios criarem suas próprias regras. Se isso tivesse acontecido
um assassino estaria hoje na cadeia, mas nenhum outro cidadão norte-americano estaria seguro ao se pôr a disposição da Justiça em um país onde tribunais fazem o que bem entendem de acordo com seus próprios valores e interesses.
Foi o que fizeram aqui no Brasil, com o casal Nardoni, quando lhes negaram ( sem base legal ) o direito de
responder ao processo em liberdade. E todo mundo aplaudiu, achou que finalmente a justiça estava sendo feita e a impunidade não teve vez no país. O problema é que 99,99% das vezes este tipo de arbitrariedade age contra o cidadão, e não contra o criminoso. O juiz não passou por cima da lei por uma questão de consciência - o que também estaria errado - mas porque cedeu a pressões políticas, que por sua vez atendiam às pressões da opinião pública.
Mas alguém ainda se lembra do caso da Escola Base, quando a opinião pública praticamente linchou um casal de idosos inocentes?
Minha intenção com isso é mostrar que nenhuma lei é infalível ou perfeita, mas só podemos avaliar se uma lei é boa ou perniciosa na medida em que a sociedade está melhor ou pior salvaguardada por esta determinada lei.
Então deveríamos, com a melhor das intenções, promulgar uma lei que prevenisse algum pastor mal intencionado de proferir o discurso acima citado? O preço a pagar é que esta lei abriria dois precedentes perigosos. O primeiro o da inconstitucionalidade, por ferir o direito constitucional da liberdade de expressão. O segundo, claro, por cercear a própria liberdade de expressão.
Ainda a título de exemplo nos Estados Unidos ocorreu um caso curioso onde um advogado judeu defendeu - e ganhou! - um grupo neo-nazista que estava sendo impedido de fazer uma manifestação. Além de apelar para os direitos constitucionais, ele demonstrou que os mesmos argumentos que o juiz tinha utilizado para impedir a passeata nazista poderiam ter sido utilizados para impedir a grande marcha do pastor Martin Luther King pelos direitos civis, as manifestações feministas, as grandes concentrações contra a guerra do Vietnam, entre outras... Demonstrou também que o problema na Alemanha não esteve
no fato de que Hitler e os nazistas puderam envenenar livremente o povo com seu discurso odioso, mas no fato de que uma vez no poder suprimiram a democracia e toda forma de crítica ou opinião contrária.
Em uma democracia pessoas maliciosas poderão fazer discursos como este que você imaginou. E farão, é certo que sim. É o preço que se paga, mas que vale a pena pagar porque em uma democracia as vozes sensatas também poderão se levantar para rebater e desmoralizar tal discurso, demonstrando toda a má intenção que se oculta nele. Isso me lembra um tópico que um cara, um evangélico fanático desses, abriu aqui no CC demonstrando com "dados científicos" que todo homossexual era pedófilo, um potencial estuprador de criancinhas. Nós simplesmente mostramos todas as contradições lógicas e morais em que ele estava incorrendo e depois de uma semana de heróica resistência, o sujeito simplesmente desistiu, desmoralizado.
Deve ser assim, não se pode ter medo de idéias porque do debate é que surge a luz e a razão.
Todos têm direito às suas convicções e a expressa-las, mas ninguém tem o direito DE AGIR SEGUNDO SUAS CONVICÇÕES se isto fere o direito de terceiros. A sua fé religiosa pode pregar o absurdo que quiser e você ainda ver sentido nisso, mas ainda assim você terá que viver em sociedade sob as regras que são comuns a todos.
O Obama fez um discurso muito interessante e corajoso sobre isso ( corajoso porque o fez em uma igreja ) as vésperas da eleição. Ele disse mais ou menos assim:
"Nós não vivemos mais em uma nação cristã... Vivemos em uma nação cristã... uma nação budista, uma nação hinduista, uma nação muculmana, e também uma nação de descrentes... e todos temos os mesmos direitos nesta sociedade. E mesmo entre os cristãos são tantas as diversidades de doutrinas que qual delas deveria ser escolhida para nortear o Estado? Por que parte da bíblia deveríamos nos guiar? Pela crueza do Deuteronômio, ou pelo Sermão da Montanha, que de tão radical tornaria inviável a existência do nosso Departamento de Defesa? Então se você possui profundas convicções religiosas contra o aborto, você certamente tem esse direito. Mas se quer que leis anti-aborto sejam promulgadas deve defender seus pontos de vista em termos que façam sentido para o conjunto da sociedade, e não apenas para aqueles que comungam do seu credo religioso."E o cara disse isso em uma igreja evangélica. E foi aplaudido.
Concordo com ele.