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A Ciência e o “Desenho Inteligente”
« Online: 24 de Julho de 2005, 13:40:24 »
A Ciência e o “Desenho Inteligente”, artigo de Alan I. Leshner  
   
Os defensores do “Desenho Inteligente” lhe atribuem status de ciência sem adotar os procedimentos científicos exigidos para essa qualificação, afirma o editorial da revista “Science”, de 8 de julho, originalmente intitulado de “Redefinindo a Ciência”

Alan I. Leshner é chefe do setor executivo da Associação Americana para o Avanço da Ciência e editor-executivo da revista Science, onde foi publicado este artigo:

Por que os cientistas se mostram tão aborrecidos com o crescente movimento para levar o “Desenho Inteligente” (DI) às aulas de ciência e a âmbitos de educação pública como os museus de ciência, zoológicos e parques temáticos? Ao se completarem 80 anos do julgamento de Scopes (1), a pressão para o ensino do DI como alternativa científica à evolução ganha espaço em muitos estados dos EUA. Há também um incremento da atividade do DI na América Latina e na Europa.

Será que os cientistas se sentem tão inseguros que temem submeter as concepções centrais da evolução ao exame público? Provavelmente, não. Eles estão acostumados a isso. Teorias e princípios científicos são rotineiramente submetidos a avaliações e testes sistemáticos. Além disso, os cientistas são claramente movidos por argumentos e gostam de discutir suas teorias uns com os outros.

O problema é que os defensores do DI procuram apresentar crenças religiosas de modo a que pareçam ciência. Ao redefinirem o que é e o que não é ciência, eles também colocam o público, particularmente os jovens, na situação arriscada de ficarem inadequadamente preparados para a vida na sociedade moderna.

Os cidadãos do século XXI são legados cotidianamente a tomar decisões sobre questões que envolvem fortes conteúdos de ciência e tecnologia, como assistência médica, segurança pessoal, opções de compra e o que seus filhos devem aprender na escola. Para fazer escolhas sensatas, eles precisam distinguir entre provas cientificamente fundamentadas e alegações pseudocientíficas.

Há uma diferença importante entre crença e teoria. O DI é montado por seus proponentes como teoria científica, alternativa à evolução, mas falha no critério que usa para adquirir esse status.

Em nosso campo, a teoria não é um “chute” bem dado, nem, muito menos, uma crença. As teorias científicas buscam explicar o que pode ser observado, e é essencial que sejam testadas em repetidas observações e experiências. “Crença”, na realidade, é uma palavra que quase nunca se ouve na ciência. Não acreditamos em teorias. Nós as aceitamos ou rejeitamos, com base na sua capacidade de explicar fenômenos naturais, e elas devem ser testadas segundo metodologias científicas.

Os defensores do DI tentam freqüentemente denegrir a evolução como sendo “apenas uma teoria”. Em certo sentido, isso é verdade. A evolução é apenas uma teoria. Mas a gravidade também é uma teoria. As pessoas costumam responder que a gravidade é um fato. Mas o fato real são as chaves que caem no chão ao serem jogadas. E a gravidade é a explicação teórica que dá conta dos fatos observados.

Teorias científicas como a da evolução e a da gravidade somente são aceitas após terem sido submetidas à validação por repetidas observações e experiências, extensivamente examinadas pelo processo de revisão por pares.

O DI não consegue passar por nenhum desses testes. Seus proponentes lhe atribuem status de ciência sem adotar os procedimentos científicos exigidos para que essa qualificação seja estabelecida.

Ao mesmo tempo, é importante os cientistas saberem que a ciência não pode responder a todas as questões. Os vislumbres (insights) científicos se limitam ao mundo natural. Por razões próprias, alguns cientistas argumentam, com alguma paixão, que não poderia existir um projetista inteligente por trás do processo da evolução. Na verdade, não podemos responder cientificamente a esta questão, porque se trata de uma questão de crença, que se situa fora do nosso domínio.

Manter o DI fora do âmbito científico significa que estamos tentando acabar com ele? Não, pelo contrário. Entendo que é apropriado ensinar as concepções baseadas na fé, como o DI, nos cursos de humanidades, nas aulas em que se comparam pontos de vista religiosos, ou nos cursos de filosofia que confrontam visões religiosas e científicas do mundo.

Mas o que é ensinado nas aulas de ciência deve se limitar à ciência. Redefinir a ciência para levar uma crença particular à sala de aula simplesmente não tem nada de educativo

Assim como a comunidade científica tem a grande responsabilidade de zelar pela integridade dos trabalhos científicos de seus membros, ela também deve assumir certa responsabilidade pelo uso que se faz da ciência e pela forma com que ela é apresentada ao público. Isso nos exige clareza sobre o que é ciência e sobre como distinguir lucidamente entre sistemas científicos e sistemas de crenças, nas escolas e em outros ambientes dedicados à ciência.

Do contrário, não estaremos cumprindo nossa obrigação junto a nossos compatriotas e às novas gerações de estudantes, que vão depender da ciência em seu futuro. (Tradução de Ruth Monserrat e José Monserrat Filho)

(1) John Scopes – julgado, de 10 a 25 de julho de 1925, por ensinar a teoria da evolução numa escola pública do Tennessee, EUA – foi condenado por violar uma lei estadual contra o ensino da evolução, embora a decisão, mais tarde, tenha sido convertida em mera formalidade. A lei foi revogada em 1967.
 
Fonte: Jornal da Ciência

 

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