« Online: 12 de Junho de 2010, 21:42:48 »
Nas religiões a alma é tida como uma criação de um ser superior e a qual é intangível, fonte primária que dá personalidade ao homem e existe independente de seu corpo.
Um corpo pelo qual a qual a alma se responsabiliza pela variedade de sentimentos que são categorizados como bons e maus.
Penso que a alma, se houver, pode ser comparada ao que eu chamo de mecanicismo Cartesiano. Neste caso, a compatibilidade com o monismo é forte.
O mecanicismo parte de axiomas ou leis de causa e efeito bem conhecidas através de interações diretas de seus constituintes desde os mais elementares até os infinitamente grandes. (A física moderna se iniciou assim).
Pela idéia central que parte o reducionismo a de que podemos reduzir alguns fenômenos de um certo tipo a fenômenos de outro tipo, podemos dizer que a biologia se enquadra nesta idéia. Seus fenômenos físicos são a causa primitiva, enquanto que as bioquímicas, neurofisiológicas são as derivadas. Decorre que de certa forma a epistemologia dos fenômenos biológicos, pode ser reducionista também. Mas partirei do conhecimento anterior ou mecanicista.
Sou dos que acreditam no monismo ou seja, não é possível existir uma mente e um corpo que são indissociáveis e por este motivo coerentemente, não posso acreditar em almas no sentido que as religiões ou o espiritismo dão. Não faz nenhum sentido pra mim.
“(…)O psicólogo Paul Bloom, outro defensor da visão da ‘religião como subproduto’, ressalta que as crianças têm uma tendência natural para uma teoria dualista da mente. A religião para ele, é um subproduto desse dualista instintivo. Nós, seres humanos, sugere ele, especialmente as crianças, somos dualistas por natureza.
Um dualista reconhece a distinção fundamental entre matéria e mente. Um monista, ao contrário, acredita que a mente é a manifestação da matéria_o material do cérebro ou talvez de um computador_e não pode existir sem ela. Um dualista acredita que a mente é algum tipo de espírito fluido que habita o corpo em algum outro lugar. Os dualista prontamente interpretam as doenças mentais como “possessão por demonios” sendo que esses demônios são espíritos cuja residência no corpo é temporária, de modo que eles podem ser “expulsos” . Os dualistas personificam objetos físicos inanimados na primeira oportunidade, enxergando espíritos e demônios até em cachoeiras e nuvens.”
Dawkins, Richard Em ‘The God Delusion’ pág 235-236
É oportuno comentar um caso que surpreende ainda hoje os cientistas que estudam o cérebro e todos os processos do pensamento provenientes da atividade cerebral. Ocorrou no sécúlo XIX. Um trabalhador, Phineas Gage, supervisor de obras ferroviárias, perdeu parte de seu cérebro com uma barra de ferro que atravessou seu crânio quando uma carga explosiva foi colocada acidentalmente. Ele sobreviveu por muitos anos ao extenso trauma, mas tornou-se uma pessoa inteiramente nova, abusiva e agressiva, irresponsável e mentirosa, incapaz de imaginar e planejar, e completamente diferente de sua formação. Dizem os cientistas que a lesão que ele sofreu no córtex frontal ventromedial, uma área responsável pelas emoções, fez com que sua personalidade mudasse inteiramente.
Será que se alguma alma existisse, pela definição de alma que é algo intangível e substrato de todo conjunto de sentimentos e emoções e independe do corpo ao qual se associa, seria “perdido pela metade” ? Como algo incorpóreo e o ‘software’ de uma máquina tão complexa se faz surgir uma nova máquina e ainda funcional?
Sabendo-se que um ser humano se faz além de suas características físicas, se faz de sua personalidade principalmente, um homem ‘tranformou-se em outro’. É assim também para aquelas pessoas que estão com vício de algum narcótico. Ficam dependentes químicos, cometem atos bárbaros num momento de pânico e quando se dão conta não acreditam, e muitos viciados nem se lembram de fato, no que fizeram.
Neste caso que ocorreu no século XIX e outros tantos casos, percebemos que é possível alguém viver sem a sua identidade primeva. Só poderia ser explicado o fato de que o monismo não só é coerente como existem provas de que mente e cérebro são indissociáveis. Nossa tendência ao dualismo na infância deveria atingir um estágio de amadurecimento suficiente em discernir claramente o que são “fantasmas”, produtos de imaginação, vontades e de necessidades básicas.
O mecanismo neural dispõe de um elemento chamado amígdala cerebral a qual é responsável pelas emoções mais primitivas e que colocam o ser humano no mesmo grau dos animais irracionais. Este elemento do cérebro traz atitudes puramente emotivas, ou nos faz tomar ações mais irrefletidas no dia a dia, pois assim é necessário para a sobrevivência. Se a amígdala cerebral nos impulsiona a certas atitudes que até mesmo os animais inferiores são impelidos a fazer, teríamos que levar a efeito uma alma nos animais desprovidos de neocórtex.
Existiu na índia duas meninas que foram achadas junto com lobos. Elas caminhavam de quatro, uivavam como lobo, comiam agachadas sem usar as mãos como qualquer animal. Elas são conhecidas ainda hoje como Amala e Kamala. Eram incapazes de permanecer em pé. Antes de morrer só conseguiram proncunciar menos de cinquenta palavras. Este caso serve como exemplo de que não nascemos com as características comportamentais humanas. Dependemos do ambiente e da cultura pra nos tornar humanos. Se existissem almas determinadas por algum deus, não haveria necessidade da cultura. A alma por sí mesma determinaria o comportamento do homem pelo que este subjaz à definição de alma a qual é a semelhança do próprio deus. Aquelas meninas não desenvolveram nenhum processo de pensamento, nenhum hábito que lembrasse ao menos de longe algo humano. Elas eram animais em sua forma mais selvagem. A linguagem como representação do mundo inexistia.
Como sabemos, a linguagem na representação da realidade é fundamental para o homem desenvolver o raciocínio não só verbal mas também espacial, matemático, motor interpessoal, intrapessoal, ..etc. Mas a amígdala estava lá no cérebro daquelas duas criaturas fazendo seu papel e captando todas as impressões do mundo. O medo, a fúria, a necessidade de correr, todos os hormônios em pleno funcionamento preparando o corpo para tomadas de ações que independem de juízo perfeito, ou raciocínio. Simplesmente para a sobrevivência presente em todos os animais no homem também se faz presente na infância, quando a linguagem ainda não estava plenamente desenvolvida.
Pode ser lido aqui
Eram as amígdalas, a ínsula e o giro cingulado que ainda estavam agindo quando nossa representação da realidade era imperfeita e sem os símbolos da linguagem e quando nos tornamos adultos, achamos que todo significado que damos às emoções são reflexos de uma verdade que subjaz a vontade. Muitos dizem que a alma ou o espírito desencadeiam inspirações mais altas que fazem do homem mais humano. São as paixões.
A paixão tomada repetidas vezes, esmaga a razão. Como eu estava dizendo antes, a amígdala tem um papel primordial nas emoções. Ela quem quem dá o sabor dos eventos quando o necessário seria descrever os acontecimentos objetivamente. É esta glândula que ainda estava agindo quando nossa representação da realidade era imperfeita e sem os símbolos da linguagem.
Estamos numa cultura em que as necessidades de sobrevivência são diferentes que fugir de predadores maiores e mais forte que o homem. O que diferencia realmente o homem dos outros animais é o neocórtex e a capacidade para as artes, para fazer poesias e para fazer raciocínios matemáticos mais complexos.
Porém, o centro das emoções mais primitivas ainda está na idade do pleistosceno. Haveria uma alma no homem do paleolítico ? Se consideramos que sim, deveríamos por coerência considerar que a alma é sensível ao tempo e com ele se modifica conforme os processos biológicos e culturais do homem caminham no tempo. Portanto, não seria razoável inferir que a alma nada mais é do que um fenômeno físico? Se não for um fenômeno físico, porque não podemos mensurá-la nem prever seu comportamento, devemos descartar sua existência.
« Última modificação: 12 de Junho de 2010, 21:55:29 por Sísifo »

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Acceptans actum, cum omnibus suis qualitatibus acceptare videtur