Autor Tópico: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica  (Lida 1861 vezes)

0 Membros e 1 Visitante estão vendo este tópico.

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino

Com o aumento do mercado editorial brasileiro houve um salutar crescimento no número de livros, revistas e matérias jornalísticas destinadas à divulgação científica para os mais variados públicos, tanto em termos de faixas etárias como de nível formal de instrução. Entre as publicações destacam-se as revistas Scientific American Brasil, a Ciência Hoje e a Pesquisa Fapesp.

No entanto uma faceta negativa também acompanhou este crescimento: O despreparo de muitos autores e publicações na missão de trazer as informações da Ciência para o público leigo, principalmente com o uso de termos, expressões e conceitos equivocados, dos quais destaco dois exemplos viscerais.


Exemplo 01

Li e analisei o livro infanto-juvenil sobre vulcões da editora Melhoramentos, cuja autoria é de Anita Ganeri, intitulado "Vulcões Violentos" e que foi traduzido do original em língua inglesa denominado "Violent Vulcanoes".

Ainda que contenha muitas informações relevantes e se destine a um público leigo de idade escolar básica, esta publicação falha em dois pontos fundamentais, em meu entendimento, e que são o uso de figuras esquemáticas muito pobres e de um vocabulário inadequado. Deste caso, cito e comento três exemplos.


A) Na capa está escrito "Saber Horrível - Vulcões Violentos".

O que a autora quis dizer, em termos pedagógicos, com a expressão "Saber Horrível"?

A expressão "Vulcões Violentos" é a primeira que atribui um comportamento humano à um ente da natureza (vulcão).



B) Na página número 5, a de "Introdução", tem estes trechos:

- "Geografia pode ser terrivelmente chata... ";

Esta frase é totalmente infeliz, pois trata de forma pejorativa um importante segmento do conhecimento humano.


- "As melhores partes da geografia são horríveis - aquelas que seu professor provavelmente deixa de lado";

Afirmação tola, descabida e sem sentido.

 
- "Rochas incandescentes e gases assustadores agitam-se sem parar sob seus pés, até que um dia, não conseguem mais resistir à pressão e estouram, aflorando à superfície com estardalhaço. É assim que surgem os violentos vulcões, objetos da vulcanologia, uma das mais horrivelmente interessantes partes da geografia."

"Rochas incandescentes e gases assustadores agitam-se sem parar sob seus pés..."?

Será que é um mestre oriental andando sobre brasas?  :biglol: Gases assustadores? Que ridículo!


"...até que um dia, não conseguem mais resistir à pressão e estouram, aflorando à superfície com estardalhaço."

Conceito equivocado, pois os gases é que formam a pressão excedente na câmara magmática.


"É assim que surgem os violentos vulcões, objetos da vulcanologia, uma das mais horrivelmente interessantes partes da geografia."

Três erros em uma só frase: atribuir emoções a um ente da natureza ('violência'); usar uma palavra sem sentido descritivo científico ('horrivelmente') e considerar a vulcanologia como uma subdivisão da geografia quando é, de fato, da geologia.


C) Na página número 7, na figura que representa o vulcão Saint Helens, há uma flecha com um balão no qual está escrito "Saliência Agourenta". Na mesma página há um trecho assim escrito: "Para os observadores, parece quase impossível que a bela montanha possa se transformar num assassino violento."

Mais dois casos de uso de atributos humanos em um ente natural.



Exemplo 02

No segundo meado da década de 90, a revista Superinteressante, da editora Abril, publicou duas matérias, uma sobre minerais e outra sobre vulcões. No caso dos vulcões a matéria trazia um perfil geológico esquemático de um vulcão clássico, o estratovulcão, com suas típicas camadas sucessivas de lavas e rochas piroclásticas, e as rochas encaixantes do entorno.

O problema, neste caso, foram os símbolos e as cores utilizadas para representar as camadas deste vulcão e das rochas encaixantes, pois existe uma convenção internacional que estabelece as regras para representação esquemática e que foram desrespeitadas pela revista.

O magma que estava na camara magmática e no conduto principal estava representado pela cor amarela e pelo símbolo de "parede de tijolos". A cor amarela é usada para rochas sedimentares ou sedimentos inconsolidados do tipo arenoso, ao passo que a "parede de tijolos" é usada para representar rochas calcáreas ou mármores.

O correto seria representar o magma pelas cores verde (se basalto) ou vermelha (se granito) e para os dois casos, com símbolos de "cruzes".
Foto USGS

Offline Derfel

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.887
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #1 Online: 23 de Junho de 2010, 15:31:00 »
Concordo com você em relação aos problemas de conceitos e termos científicos, principalmente quando são traduzidos do inglês (as legendas do History Channel, por exemplo, são hilárias - Sillicon Valley por Vale do Silicone...), mas não concordo no caso dos exemplos. No primeiro caso a autora apenas quer despertar o interesse do seu público e usa e abusa de figuras de linguagem, talvez inspirada no livro perigoso de meninos (ou coisa assim). No segundo caso é um infográfico de divulgação, o objetivo é informar e ilustrar, não é um gráfico técnico.

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #2 Online: 23 de Junho de 2010, 16:23:58 »
Concordo com você em relação aos problemas de conceitos e termos científicos, principalmente quando são traduzidos do inglês (as legendas do History Channel, por exemplo, são hilárias - Sillicon Valley por Vale do Silicone...),...

Realmente algumas traduções são de "lascar"!


mas não concordo no caso dos exemplos.

Vejamos quais são as suas objeções.


No primeiro caso a autora apenas quer despertar o interesse do seu público e usa e abusa de figuras de linguagem, talvez inspirada no livro perigoso de meninos (ou coisa assim).

Derfel.

Ao meu ver, a sua explicação não pode ser aplicada nem para esta frase: "Geografia pode ser terrivelmente chata... ", pois representa um desrespeito a esta forma de conhecimento, e nem para esta: "...até que um dia, não conseguem mais resistir à pressão e estouram, aflorando à superfície com estardalhaço.", pois é um erro conceitual.

Vou além. Eu acho que não há necessidade de se usar os termos inadequados do Exemplo 01. Entre 1.984 (ainda na graduação) e 1.991 eu ministrei mini-cursos (duração de 20 a 40 horas) de Geologia no colégio estadual em que fiz o ciclo básico (1.971 a 1.977), para crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos de idade. Nestes cursos eu nunca utilizei uma linguagem técnica mais rebuscada ou fiz uso de matemática para abordar os conceitos geológicos, bem como quase nunca utilizei de figuras de linguagem, em particular as que atribuem sentimentos humanos aos entes naturais.

O grau de receptividade destes cursos sempre foi muito elevado, principalmente nas três ocasiões em que consegui associar uma excursão de campo. E foi prazeroso ver algumas crianças de um colégio estadual com um nível de conhecimento do meio físico, e de geologia em particular, muito superior ao da maioria das crianças de colégios muito mais sofisticados.


No segundo caso é um infográfico de divulgação, o objetivo é informar e ilustrar, não é um gráfico técnico.

Não consigo entender porque uma informação ilustrada não deva estar tecnicamente correta (em relação às cores e símbolos), mesmo que no grau de divulgação científica para leigos.
« Última modificação: 23 de Junho de 2010, 16:27:28 por Geotecton »
Foto USGS

Offline Derfel

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.887
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #3 Online: 23 de Junho de 2010, 16:48:34 »
Geotecton, se me permite vou fazer minha réplica mais tarde, quando sair do plantão. Mas, adiantando, você talvez não tenha entendido a proposta dos trabalhos ou está pessoalmente envolvido. Como disse, a mim parece apenas uma questão de estilo literário. A faixa etária do livro em questão não deve ser, provavelmente de 12 a 17 anos, mas direcionado a leitores mais jovens, de 10 a 13 anos ou menos ainda. E na questão do infográfico o importante, novamente, é a informação e o impacto visual. Pessoalmente acho que a SI exagera em infográficos, esquecendo-se do texto, e esse foi um dos motivos que deixei de assinar e ler (e olha que eu tinha desde o Número 0!)

Offline _Juca_

  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 12.923
  • Sexo: Masculino
  • Quem vê cara, não vê coração, fígado, estômago...
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #4 Online: 23 de Junho de 2010, 18:56:52 »
Desde sempre, me incomoda os adjetivos relativos a um comportamento deliberado e aos atos de seres pensantes ( no caso nós mesmos) dados aos eventos naturais, de uma forma que a preimeira vista sempre parecem distorcidos daquilo que realmente se quer dizer.

Um exemplo claro, são os genes egoístas de Dawkins. Ele diz com muita clareza o que quer dizer um gene egoísta, inclusive dissociando do ato humano, mas para uma pessoa leiga no assunto, e num primeiro momento para os entendidos, o termo egoísta, sempre estará associado a um sentimento e comportamento próprio dos homens que pensam somente neles mesmos em detrimento dos outros. Mas oras, genes não pensam, porque são egoístas?

Talvez faltem termos mais adequados, talvez inserir "emoções" em eventos naturais seja um caminho para agregar mais adeptos, mas que fica distorcido até que se compreenda bem o termo como foi usado, isso fica, e para quem nunca se apronfunda no tema, sempre ficará.

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #5 Online: 23 de Junho de 2010, 23:20:00 »
Geotecton, se me permite vou fazer minha réplica mais tarde, quando sair do plantão. Mas, adiantando, você talvez não tenha entendido a proposta dos trabalhos ou está pessoalmente envolvido. Como disse, a mim parece apenas uma questão de estilo literário. A faixa etária do livro em questão não deve ser, provavelmente de 12 a 17 anos, mas direcionado a leitores mais jovens, de 10 a 13 anos ou menos ainda. E na questão do infográfico o importante, novamente, é a informação e o impacto visual. Pessoalmente acho que a SI exagera em infográficos, esquecendo-se do texto, e esse foi um dos motivos que deixei de assinar e ler (e olha que eu tinha desde o Número 0!)

Aguardo a sua réplica. E concordo que a SI deixou a desejar a partir do momento que eles começaram a supervalorizar as informações gráficas em detrimento dos textos. Eu ainda tenho todas as revistas, inclusive as especiais, dos 6 anos iniciais. Mas faz mais de 12 anos que não adquiro um exemplar sequer.
« Última modificação: 24 de Junho de 2010, 12:31:13 por Geotecton »
Foto USGS

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #6 Online: 23 de Junho de 2010, 23:24:54 »
Desde sempre, me incomoda os adjetivos relativos a um comportamento deliberado e aos atos de seres pensantes ( no caso nós mesmos) dados aos eventos naturais, de uma forma que a preimeira vista sempre parecem distorcidos daquilo que realmente se quer dizer.

Um exemplo claro, são os genes egoístas de Dawkins. Ele diz com muita clareza o que quer dizer um gene egoísta, inclusive dissociando do ato humano, mas para uma pessoa leiga no assunto, e num primeiro momento para os entendidos, o termo egoísta, sempre estará associado a um sentimento e comportamento próprio dos homens que pensam somente neles mesmos em detrimento dos outros. Mas oras, genes não pensam, porque são egoístas?

Talvez faltem termos mais adequados, talvez inserir "emoções" em eventos naturais seja um caminho para agregar mais adeptos, mas que fica distorcido até que se compreenda bem o termo como foi usado, isso fica, e para quem nunca se apronfunda no tema, sempre ficará.

Concordo Juca e é o que eu defendo (não dar atributos humanos a entes naturais). Com a experiência que eu tive, acho que isto é possível em praticamente todas as situações pedagógicas.
Foto USGS

Atheist

  • Visitante

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #8 Online: 24 de Junho de 2010, 00:34:16 »
Na minha área já tenho alertado para esses problemas há algum tempo:

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=399OFC001

https://www2.gestao.presidencia.serpro.gov.br/secom/folder_noticias/2008/10/ij28out9c

Zaphod

Os textos dos "links" indicados por voce representam precisamente o que eu penso.
Foto USGS

Offline Derfel

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.887
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #9 Online: 24 de Junho de 2010, 15:35:20 »
Derfel.

Ao meu ver, a sua explicação não pode ser aplicada nem para esta frase: "Geografia pode ser terrivelmente chata... ", pois representa um desrespeito a esta forma de conhecimento, e nem para esta: "...até que um dia, não conseguem mais resistir à pressão e estouram, aflorando à superfície com estardalhaço.", pois é um erro conceitual.

No caso da definição da Geografia não foi um desrepeito, mas, novamente, uma forma estilística para chamar a atenção do leitor-alvo, criando uma identificação com ele. Se você tiver um bom professor de Geografia, que consegue estimular seus alunos, eles irão amar Geografia, mas, na maioria das vezes não é o que ocorre, então a "Geografia pode ser terrivelmente chata..." Quando a autora coloca essa frase, ela está concordando com uma ideia pré-concebida do leitor para, depois que ele morder a isca, ela o fisga com algo (não li o livro, estou supondo) como mas veja como ela pode ser legal! Crianças, particularmente meninos, sentem uma fascinação por coisas "horrorosas", "horríveis", "agourentas", se sentem atraídos para ver o que seria aquilo ali. Daí que vem brinquedos com essa temática, como aqueles mau-cheirosos, melecas gelatinosas e alguns que fazem determinados sons.
Quanto à frase que descreve o surgimento de um vulcão, é uma forma que, para os leitores aos quais é destinado o livro, torna o processo bem visual e facilita a compreensão (além de estimular a leitura). O fato de falar Geografia em vez de Geologia pode ser devido a um erro na tradução do original ou (o que me parece mais provável) ao fato dos leitores verem vulcanismo na disciplina de Geografia nas escolas.

Citar

Vou além. Eu acho que não há necessidade de se usar os termos inadequados do Exemplo 01. Entre 1.984 (ainda na graduação) e 1.991 eu ministrei mini-cursos (duração de 20 a 40 horas) de Geologia no colégio estadual em que fiz o ciclo básico (1.971 a 1.977), para crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos de idade. Nestes cursos eu nunca utilizei uma linguagem técnica mais rebuscada ou fiz uso de matemática para abordar os conceitos geológicos, bem como quase nunca utilizei de figuras de linguagem, em particular as que atribuem sentimentos humanos aos entes naturais.

Professor diferente, alunos diferentes, tempos diferentes. :) Mas, principalmente, mídia diferente. Você não pode comparar uma aula, principalmente das do tipo que você deu, em formato de mini-cursos de um assunto mais específico, com um livro. Ler um livro é diferente de participar de uma aula presencial.
Quanto a prosopopeia, não sei qual o problema com ela. É de uso corriqueiro mesmo no uso cotidiano, quando dizemos que o dia está triste, por exemplo. É uma forma que torna mais fácil o entendimento de um assunto, a partir das experiências dos próprios indivíduos (e não há experiências mais fortes que sentimentos e sensações). Esses dias uma colega me disse que seu pai, um senhor aposentado com seus 80 e poucos anos e um pouco bronco, do interior, estava aprendendo a tocar violão para combater a depressão e alzheimer. A professora tentava ensinar a ele os sons graves e agudos, mas ele não entendia, até que ela falou que um som era grosso e outro era fino. E ele falou: "por que não disse logo?"

Citar
O grau de receptividade destes cursos sempre foi muito elevado, principalmente nas três ocasiões em que consegui associar uma excursão de campo. E foi prazeroso ver algumas crianças de um colégio estadual com um nível de conhecimento do meio físico, e de geologia em particular, muito superior ao da maioria das crianças de colégios muito mais sofisticados.

Muito boa iniciativa, por sinal.
Citar
Não consigo entender porque uma informação ilustrada não deva estar tecnicamente correta (em relação às cores e símbolos), mesmo que no grau de divulgação científica para leigos.


Porque o que é tecnicamente correto em relação às cores e símbolos não é, necessariamente, agradável visualmente. Um outro visual pode passar a mesma mensagem e de uma maneira mais atrativa.

Atheist

  • Visitante
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #10 Online: 24 de Junho de 2010, 16:06:29 »
Citar
A professora tentava ensinar a ele os sons graves e agudos, mas ele não entendia, até que ela falou que um som era grosso e outro era fino. E ele falou: "por que não disse logo?"

Não disse logo porque não é o correto. Daqui a pouco isso vai para livro de física. Ensinar é aumentar o nível do aluno, não se igualar a ele. Essa coisa de "usar o conhecimento do aluno" do construtivismo e outras balelas mais é que tem derrubado o nível de conhecimento que um aluno que sai do ensino médio tem hoje em relação ao que tinham há anos atrás, quando o ensino era mais rígido. A escola tem que servir para aumentar o conhecimento do aluno, não conversar sobre o que ele sabe, isso se faz no botequim.

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #11 Online: 25 de Junho de 2010, 01:11:06 »
Derfel.

Ao meu ver, a sua explicação não pode ser aplicada nem para esta frase: "Geografia pode ser terrivelmente chata... ", pois representa um desrespeito a esta forma de conhecimento, e nem para esta: "...até que um dia, não conseguem mais resistir à pressão e estouram, aflorando à superfície com estardalhaço.", pois é um erro conceitual.


No caso da definição da Geografia não foi um desrepeito, mas, novamente, uma forma estilística para chamar a atenção do leitor-alvo, criando uma identificação com ele.

Não nego a importância de se estabelecer um canal de diálogo com o leitor, mas eu aprendi que isto pode ser feito sem a necessidade de usar aquele estilo literário.


Se você tiver um bom professor de Geografia, que consegue estimular seus alunos, eles irão amar Geografia, mas, na maioria das vezes não é o que ocorre,

Isto pode ser dito para qualquer disciplina do ciclo fundamental ou do ensino médio.


...então a "Geografia pode ser terrivelmente chata..." Quando a autora coloca essa frase, ela está concordando com uma ideia pré-concebida do leitor para, depois que ele morder a isca, ela o fisga com algo (não li o livro, estou supondo) como mas veja como ela pode ser legal!

Não me oponho ao uso de estratégias pedagógicas. Mas não concordo que se use aqueles termos, pois eles dão uma margem maior para que alguém consolide o seu preconceito.


Crianças, particularmente meninos, sentem uma fascinação por coisas "horrorosas", "horríveis", "agourentas", se sentem atraídos para ver o que seria aquilo ali. Daí que vem brinquedos com essa temática, como aqueles mau-cheirosos, melecas gelatinosas e alguns que fazem determinados sons.

Eu concordo que sensações táteis e auditivas diferentes tem uma grande procura, mas não vejo como um garoto de 10 anos tenha uma capacidade cognitiva para entender o conceito de "agourento" sem recorrer a uma explicação místico-religiosa. E isto só pioraria a situação.


Quanto à frase que descreve o surgimento de um vulcão, é uma forma que, para os leitores aos quais é destinado o livro, torna o processo bem visual e facilita a compreensão (além de estimular a leitura).

Mas induz a um erro conceitual e que poderia ser perfeitamente evitado.


O fato de falar Geografia em vez de Geologia pode ser devido a um erro na tradução do original ou (o que me parece mais provável) ao fato dos leitores verem vulcanismo na disciplina de Geografia nas escolas.

Sim Derfel, de fato não existe a disciplina de geologia nos cursos básico e médio. Mas a autora do livro poderia ter avançado um pouco, informando aos seus leitores que a vulcanologia é uma subdivisão da geologia e que esta, em certa medida, se confunde com a geografia física.



Vou além. Eu acho que não há necessidade de se usar os termos inadequados do Exemplo 01. Entre 1.984 (ainda na graduação) e 1.991 eu ministrei mini-cursos (duração de 20 a 40 horas) de Geologia no colégio estadual em que fiz o ciclo básico (1.971 a 1.977), para crianças e adolescentes entre 12 e 17 anos de idade. Nestes cursos eu nunca utilizei uma linguagem técnica mais rebuscada ou fiz uso de matemática para abordar os conceitos geológicos, bem como quase nunca utilizei de figuras de linguagem, em particular as que atribuem sentimentos humanos aos entes naturais.

Professor diferente, alunos diferentes, tempos diferentes. :) Mas, principalmente, mídia diferente.


Pronto! Virei peça de museu! :biglol:


Você não pode comparar uma aula, principalmente das do tipo que você deu, em formato de mini-cursos de um assunto mais específico, com um livro. Ler um livro é diferente de participar de uma aula presencial.

Sem dúvida. Mas um livro contém vantagens que uma aula de informação geral presencial não possui. Uma delas é a disponibilidade rápida de acesso a uma informação, por repetidas vezes.

E aí eu pergunto: Tendo em mãos um livro com abundantes termos e expressões inadequados (ou de estilos literários diversos, conforme voce apontou), não irá propiciar ao leitor uma fixação de conceitos deturpados em nome de uma "pedagogia acessível"?


Quanto a prosopopeia, não sei qual o problema com ela. É de uso corriqueiro mesmo no uso cotidiano, quando dizemos que o dia está triste, por exemplo. É uma forma que torna mais fácil o entendimento de um assunto, a partir das experiências dos próprios indivíduos (e não há experiências mais fortes que sentimentos e sensações).

A linguagem científica de divulgação não precisa ser levada ao paroxismo intelectual, mas, ao meu ver, deve-se demonstrar o mais cedo possível que a ciência possui um jargão próprio.

Além disto, e volto a insistir, não considero adequado colocar atributos emocionais humanos em entes naturais.  


Esses dias uma colega me disse que seu pai, um senhor aposentado com seus 80 e poucos anos e um pouco bronco, do interior, estava aprendendo a tocar violão para combater a depressão e alzheimer. A professora tentava ensinar a ele os sons graves e agudos, mas ele não entendia, até que ela falou que um som era grosso e outro era fino. E ele falou: "por que não disse logo?"

Esta estratégia foi eficaz para o propósito (aula de violão), mas está errada sob a perspectiva de informação científica.

E, sem desrespeitar aquele senhor, a situação em tela trata de crianças, ou seja, humanos em seu estágio máximo de assimilação de conhecimento induzido.


O grau de receptividade destes cursos sempre foi muito elevado, principalmente nas três ocasiões em que cons
egui associar uma excursão de campo. E foi prazeroso ver algumas crianças de um colégio estadual com um nível de conhecimento do meio físico, e de geologia em particular, muito superior ao da maioria das crianças de colégios muito mais sofisticados.

Muito boa iniciativa, por sinal.

Pô. Finalmente apareceu algo que voce me elogiou! :biglol:


Não consigo entender porque uma informação ilustrada não deva estar tecnicamente correta (em relação às cores e símbolos), mesmo que no grau de divulgação científica para leigos.

Porque o que é tecnicamente correto em relação às cores e símbolos não é, necessariamente, agradável visualmente. Um outro visual pode passar a mesma mensagem e de uma maneira mais atrativa.

Em tese sim. Mas eu só concordaria com isto se for demonstrado que o conjunto "cor-símbolo A" é menos eficiente, em termos de fixação de olhar, do que o conjunto "cor-símbolo B".

E mesmo assim, eu o faria com reservas.
« Última modificação: 25 de Junho de 2010, 09:11:47 por Geotecton »
Foto USGS

Offline Derfel

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.887
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #12 Online: 25 de Junho de 2010, 19:18:18 »

Não nego a importância de se estabelecer um canal de diálogo com o leitor, mas eu aprendi que isto pode ser feito sem a necessidade de usar aquele estilo literário.

Aí é que está. Estilos diferentes. Você não precisa gostar do estilo ou concordar com ele. Pode achar que existe uma outra forma para passar o conteúdo, mas o caso é que, independente de se gostar ou não, a forma como a autora passa sua mensagem é também válida e é muito diferente de chamar Sillicon Valley de Vale do Silicone ou archaeologist de arquelogista, por exemplo.
Citar
Se você tiver um bom professor de Geografia, que consegue estimular seus alunos, eles irão amar Geografia, mas, na maioria das vezes não é o que ocorre,

Isto pode ser dito para qualquer disciplina do ciclo fundamental ou do ensino médio.
Verdade, mas o texto fala de Geografia.
Citar
Não me oponho ao uso de estratégias pedagógicas. Mas não concordo que se use aqueles termos, pois eles dão uma margem maior para que alguém consolide o seu preconceito.

Pois acho o contrário. O objetivo é justamente mostrar que a Geografia é, na realidade, muito emocionante, com o uso de uma antítese.
Citar
Eu concordo que sensações táteis e auditivas diferentes tem uma grande procura, mas não vejo como um garoto de 10 anos tenha uma capacidade cognitiva para entender o conceito de "agourento" sem recorrer a uma explicação místico-religiosa. E isto só pioraria a situação.

Lembre-se também que é uma tradução e como sempre algo se perde no caminho. O termo pode ser mais comum entre crianças de 10 anos dos EUA.

Citar
Quanto à frase que descreve o surgimento de um vulcão, é uma forma que, para os leitores aos quais é destinado o livro, torna o processo bem visual e facilita a compreensão (além de estimular a leitura).

Mas induz a um erro conceitual e que poderia ser perfeitamente evitado.
Mas um erro compreensível para uma criança de 10 anos. Como você descreveria a questão para uma criança dessa idade?
Citar
O fato de falar Geografia em vez de Geologia pode ser devido a um erro na tradução do original ou (o que me parece mais provável) ao fato dos leitores verem vulcanismo na disciplina de Geografia nas escolas.

Sim Derfel, de fato não existe a disciplina de geologia nos cursos básico e médio. Mas a autora do livro poderia ter avançado um pouco, informando aos seus leitores que a vulcanologia é uma subdivisão da geologia e que esta, em certa medida, se confunde com a geografia física.

Isso ela poderia fazer.


Citar
Sem dúvida. Mas um livro contém vantagens que uma aula de informação geral presencial não possui. Uma delas é a disponibilidade rápida de acesso a uma informação, por repetidas vezes.

E aí eu pergunto: Tendo em mãos um livro com abundantes termos e expressões inadequados (ou de estilos literários diversos, conforme voce apontou), não irá propiciar ao leitor uma fixação de conceitos deturpados em nome de uma "pedagogia acessível"?

Como disse, não li o livro, então é um pouco difícil responder isso. Mas se a questão for apenas de estilística, então pode na verdade gerar um desejo no leitor de aprender mais e partir para livros mais sérios.
Citar
A linguagem científica de divulgação não precisa ser levada ao paroxismo intelectual, mas, ao meu ver, deve-se demonstrar o mais cedo possível que a ciência possui um jargão próprio.

Além disto, e volto a insistir, não considero adequado colocar atributos emocionais humanos em entes naturais. 

Acho que o jargão científico deve ser introduzido quando a criança estiver preparada para isso e aos poucos. Quanto aos atributos emocionais humanos em entes naturais, como eu disse, é uma coisa natural no dia a dia. Exemplos: O dia está triste. As horas voaram. Que por-do-sol vibrante. Uma montanha majestosa.
Citar
Esta estratégia foi eficaz para o propósito (aula de violão), mas está errada sob a perspectiva de informação científica.

E que não era o objetivo. Como não é objetivo do livro ensinar ciências, mas despertar a curiosidade e o interesse por ela.

Citar
E, sem desrespeitar aquele senhor, a situação em tela trata de crianças, ou seja, humanos em seu estágio máximo de assimilação de conhecimento induzido.

pois é. Precisam se sentir estimulados a aprender.


Citar
Em tese sim. Mas eu só concordaria com isto se for demonstrado que o conjunto "cor-símbolo A" é menos eficiente, em termos de fixação de olhar, do que o conjunto "cor-símbolo B".

E mesmo assim, eu o faria com reservas.


Você tem uma ilustração técnica para postar e o infográfico da SI?

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #13 Online: 25 de Junho de 2010, 20:45:59 »
[...]
Em tese sim. Mas eu só concordaria com isto se for demonstrado que o conjunto "cor-símbolo A" é menos eficiente, em termos de fixação de olhar, do que o conjunto "cor-símbolo B".

E mesmo assim, eu o faria com reservas.


Você tem uma ilustração técnica para postar e o infográfico da SI?

A ilustração eu arranjo. Já o infográfico da SI eu não garanto, mas eu tentarei obtê-lo.
Foto USGS

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #14 Online: 25 de Junho de 2010, 23:26:47 »
Derfel

Acho que não preciso mais buscar as informações da SI, pois seu princípio estava correto.

No 32o Congresso Internacional de Geociências, realizado em Nápoles (Itália) no ano de 2.004, na Sessão Temática de Educação em Geociências, houve uma ampla discussão conduzida por diversas instituições de ponta, incluindo universidades, centros de pesquisas governamentais e entidades não-governamentais (IUGS, por exemplo), e que resultou na seguinte recomendação:

Citação de: IGC 32 - 2004
There was a consensus to allow flexibility in the use of symbols and colors to represent rocks, particularly in educational materials and disclosure in these cases because the priority is the understanding of concepts.

A partir de então, foi liberado oficialmente o uso livre de símbolos e cores nos materiais educacionais básicos bem como nos de divulgação científica.

Reconheço a minha antiguidade  :biglol:  e a derrota de meu estilo pedagógico "old fashion". :(
Foto USGS

Offline Derfel

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 8.887
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #15 Online: 26 de Junho de 2010, 08:05:25 »
Ahá! Touché! :biglol:

Offline Geotecton

  • Moderadores Globais
  • Nível Máximo
  • *
  • Mensagens: 28.345
  • Sexo: Masculino
Re: Uso de termos, expressões e conceitos inadequados na divulgação científica
« Resposta #16 Online: 26 de Junho de 2010, 08:09:07 »
Ahá! Touché! :biglol:

Não precisa espezinhar pô! :biglol: :biglol:
Foto USGS

 

Do NOT follow this link or you will be banned from the site!