Autor Tópico: Ética "não-utilitarista"?  (Lida 1737 vezes)

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Offline Lakatos

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Ética "não-utilitarista"?
« Online: 05 de Outubro de 2010, 15:36:49 »
Todos os ateus se condicionam a um código de ética pessoal, baseado em suas próprias convicções e experiências. Minha dúvida é: essa ética é somente voltada para a análise dos efeitos de cada conduta (que, nesse caso, seria uma justificativa prática ou utilitarista) ou existe alguma alternativa a isso? Em outras palavras, podemos agir segundo uma ética não utilitarista? Como seria essa ética?

Eu tenho consciência de que seguir uma ética individual não representa nenhuma desvantagem, e não tenho nenhuma objeção a respeito disso. Considero que eu esteja em fase de consolidação de meu ateísmo, mas essa é uma questão que achei, se não de suma importância, pelo menos bem intrigante. Encontrei alguns tópicos sobre ética, mas a meu ver não englobavam essa questão em específico.

Offline Mr. Mustard

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #1 Online: 05 de Outubro de 2010, 16:30:43 »
Caro forista,

Eu não entendi o que seria esta "Ética Pessoal"?

Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #2 Online: 05 de Outubro de 2010, 16:38:15 »
Ética pessoal, nesse contexto, é o conjunto de "regras" de conduta que nos dispomos a cumprir. Por exemplo, "não agredir outras pessoas", "não depredar o patromônio público ou privado", "ajudar os outros sempre que possível" são elementos de minha "ética pessoal". Talvez a palavra "ética" já fosse suficiente, mas acrescentei "pessoal" para deixar claro que me refiro a um conjunto de valores próprio de cada indivíduo.

Offline Mr. Mustard

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #3 Online: 05 de Outubro de 2010, 17:16:44 »
Ética pessoal, nesse contexto, é o conjunto de "regras" de conduta que nos dispomos a cumprir. Por exemplo, "não agredir outras pessoas", "não depredar o patromônio público ou privado", "ajudar os outros sempre que possível" são elementos de minha "ética pessoal". Talvez a palavra "ética" já fosse suficiente, mas acrescentei "pessoal" para deixar claro que me refiro a um conjunto de valores próprio de cada indivíduo.

Entendi. Mas ressalto que as ações exemplicadas por você, são regidas por Lei, logo, agredir alguém, depredar patrimônio, etc. certamente renderá num processo criminal.

No entanto, se você está tentando traçar um paralelo de conduta suportada, presumo, por dogmas religiosos e a conduta adotada por ateus e agnósticos... Bem, neste caso, não vejo relação nenhuma, pois não credito à religião nem ao ateísmo a formação da ética e da moralidade de um indivíduo.

Eu simplesmente entendo que ética pessoal de um Ateu/Agnóstico está embasada em questões óbvias, exemplicadas por você e fortemente seguidas baseadas nas leis. Em outras palavras, não há nada de sobrenatural, divino ou religioso nisto.

Também não vejo uma forma de moldar uma ética não voltada a justificativas práticas, pois fugiria, em primeira instânca, da premissa de que todos nós vivemos em sociedade. Mas eu vou tentar formar um pensamento mais analítico a respeito e volto a postar...

Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #4 Online: 05 de Outubro de 2010, 17:55:29 »
Concordo com o que você diz. Minha dúvida era justamente se existiria algum tipo de fonte desses princípios que não fossem as justificativas práticas (e, por extensão, as justificativas legais). Ainda não cheguei à uma conclusão, mas estou propenso a acreditar que não há.

Offline Geotecton

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #5 Online: 05 de Outubro de 2010, 18:26:20 »
Há muitos estudos que indicam que a moral e a ética não são diferenciáveis entre ateus e não-ateus, quando todos são criados em um meio que estimule estes valores.

Em outras palavras. Este comportamento não é inato e sim ensinado, fundamentado essencialmente na vivência em sociedade, e que acaba tendo uma forte componente coercetiva, não-altruísta.
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Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #6 Online: 05 de Outubro de 2010, 18:52:17 »
E é claro que a ética religiosa também é fundamentada na prática... Mas na prática de 5 mil anos atrás.

Offline Donatello

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #7 Online: 16 de Outubro de 2010, 08:58:43 »
Toda questão ética é utilitarista até que se posicione em contrário. Por padrão nós consideraremos legal, bacana de se fazer (moral/ético) tudo o que produzir bem-estar coletivo e pessoal. Pessoal antes de tudo e coletivo a partir da assunção -correta- de que o que ao fazer com outro algo que o provoque danos eu aumento o risco de ele mesmo me causar o mesmo ou outros danos (como quando não ouço meu Rock and Roll em volume alto durante a noite esperando às vezes inutilmente que o filho da puta do vizinho funkeiro/crente/pagodeiro tenha o mesmo cuidado de respeitar meu sono) e ainda da assunção de que determinados danos originados por determinada ação atingem necessariamente a todos inclusive a mim (como quando opto por não jogar lixo no chão para não inundar a rua e alagar após uma chuvarada a avenida em que eu e milhares de outros vamos passar).

E vamos considerar coisa de safado filho duma égua (imoral/anti-ética) as ações de outros que produzem efeitos danosos e evitáveis em nós mesmos como ouvir funk no viva voz dentro de um vagão de metrô ou tacar lixo na rua ou fazer vigília pentecostal altas horas da madrugada com todos aqueles tamborins mal tocadas e aquela gritaria louca. E se formos civilizados vamos evitar de tomar atitudes semelhantes a estas menos por amor/respeito ao outro e mais para não justificar que ele tome as mesmas ou piores atitudes contra nós.

O toque de anormalidade (que é sempre trazido pelas religiosidades) é a escolha de alguns preceitos morais para serem julgados a despeito de seus resultados, de sua prática provocar danos, prejuízo ou nenhum dos dois. Em geral quando uma religião define que uma ação é moral ou imoral ela o define corretamente, exemplos: quando foi definido no judaísmo que as pessoas que mantivessem contato com hansenianos  deveriam ser punidas severamente e que os próprios hansenianos deviam ser expulsos da convivência social estas eram as melhores decisões de fato a se tomar. Eu concordaria com tais posturas se vivesse há 4000 anos em uma sociedade que não conhecia nenhum melhor controle sobre uma doença que então era incurável, altamente contagiosa e dolorosamente e invariavelmente letal. Quando as Tristes Múmias de Jeová definiram que a transfusão de sangue era errada esta também era uma posição utilitarista e correta porque não se conhecia ainda o sistema ABO nem o fator RH  e já tinha sido demonstrado que o uso de tranfusões como método terapeutico era arriscado demais para que seguisse adiante.

O problema é que ao pinçar algumas questões morais e dotá-las de um caráter pecaminoso/sagrado as religiões tiram o caráter utilitário que por padrão é comum à toda questão moral. Doar sangue deixa de ser errado porque ainda não se conhece meios de eliminar/reduzir os riscos de piora do quadro clínico do paciente que recebe transfusão para ser errado porque Jeová, o todo seboso, proibiu. A primeira condição é mutável caso mudem as circunstâncias, a segunda não.

Assim que começaram a ser descobertas formas de controle e cura da hanseníase a forma que os não-judeus começaram a lidar com a doença mudou. Já não há motivo de se execrar o indivíduo que ampara o doente nem o próprio doente. Mas para o judeu ortodoxo vai continuar sendo imoral viver no mesmo teto que um portador de lepra porque a moralidade determinada pela Torah não pode ser questionada. Assim que foram compreendidos os casos de rejeição envolvendo transfusão de sangue este método terapêutico passou a ser aceito amplamente pelas comunidades médica, científica e por leigos. Mas as tristemúmias de javé já não podiam mudar sua posição sobre isto porque Taze Russel já tinha marcado a questão como um ponto de moral religiosa irrevogável e absoluto.
« Última modificação: 16 de Outubro de 2010, 09:16:31 por Donatello van Dijck »

Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #8 Online: 16 de Outubro de 2010, 16:32:34 »
Concordo com você. O ateísmo realmente parece não permitir nenhum tipo de ética que não é baseada unicamente na ideia de ações e seus efeitos, e isso vem a ser uma grande vantagem. Conforme eu disse:
E é claro que a ética religiosa também é fundamentada na prática... Mas na prática de 5 mil anos atrás.

A ética religiosa perde por não se adequar à realidade, mas se prende ao passado. Claro, temos exceções, mas de uma forma geral, é isso o que se verifica. Você resumiu muito bem o que eu acho... Obrigado.  :ok:

Offline Mr. Mustard

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #9 Online: 17 de Outubro de 2010, 21:08:00 »
Concordo com você. O ateísmo realmente parece não permitir nenhum tipo de ética que não é baseada unicamente na ideia de ações e seus efeitos, e isso vem a ser uma grande vantagem. Conforme eu disse:
E é claro que a ética religiosa também é fundamentada na prática... Mas na prática de 5 mil anos atrás.

A ética religiosa perde por não se adequar à realidade, mas se prende ao passado. Claro, temos exceções, mas de uma forma geral, é isso o que se verifica. Você resumiu muito bem o que eu acho... Obrigado.  :ok:

Talvez aí seja o maior problema do dogma religioso. Logo que, quando crianças, temos a percepção de realidade, fica muito claro na cabeça de uma criança (e acho que tanto eu como você percebemos isto na infância) que atitudes ora julgadas pelos nossos pais em determinada fase podem ou não serem repreendidas de uma certa forma, ou seja, a medida que crescemos, as "broncas" (para ser mais direto) vão mudando, umas mais austeras outras mais brandas.

Então a pergunta que fica: Para dogmas imutáveis, qual a saída? A resposta para um Agnóstico e/ou Ateu é simples, mas para pais religiosos, devem causar muitas confunsões, não acha?

Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #10 Online: 19 de Outubro de 2010, 15:58:06 »
Realmente. A imutabilidade dos dogmas, que é vinculada à imutabilidade do ser divino, prende a conduta das pessoas a uma estagnação que não acompanha o curso histórico, tanto em termos de eras e séculos como em termos de meses ou anos de uma vida.

Offline Sanmoo

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #11 Online: 20 de Outubro de 2010, 09:54:55 »
Domiciano, você acha que o imperativo categórico de Kant (“Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio”), por exemplo, prende a conduta das pessoas de forma negativa? Absolutos morais (ou dogmas morais), serão sempre danosos ao desenvolvimento da humanidade, é isso que estás dizendo?
"E dessa forma muito do que concerne a Deus, no que diz respeito ao discurso sobre ele a partir das aparências das cosias, certamente pertence à filosofia natural" - Isaac Newton, Princípios Matemáticos da Filosofia Natural.

Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #12 Online: 21 de Outubro de 2010, 11:49:29 »
Domiciano, você acha que o imperativo categórico de Kant (“Age de tal modo que possas usar a humanidade, tanto em tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como um fim ao mesmo tempo e nunca apenas como um meio”), por exemplo, prende a conduta das pessoas de forma negativa? Absolutos morais (ou dogmas morais), serão sempre danosos ao desenvolvimento da humanidade, é isso que estás dizendo?

O que eu disse é que os códigos morais absolutos tendem a não se adequar à mudança do tempo histórico. Particularmente, acho isso bastante danoso. 


O toque de anormalidade (que é sempre trazido pelas religiosidades) é a escolha de alguns preceitos morais para serem julgados a despeito de seus resultados, de sua prática provocar danos, prejuízo ou nenhum dos dois. Em geral quando uma religião define que uma ação é moral ou imoral ela o define corretamente, exemplos: quando foi definido no judaísmo que as pessoas que mantivessem contato com hansenianos  deveriam ser punidas severamente e que os próprios hansenianos deviam ser expulsos da convivência social estas eram as melhores decisões de fato a se tomar. Eu concordaria com tais posturas se vivesse há 4000 anos em uma sociedade que não conhecia nenhum melhor controle sobre uma doença que então era incurável, altamente contagiosa e dolorosamente e invariavelmente letal. Quando as Tristes Múmias de Jeová definiram que a transfusão de sangue era errada esta também era uma posição utilitarista e correta porque não se conhecia ainda o sistema ABO nem o fator RH  e já tinha sido demonstrado que o uso de tranfusões como método terapeutico era arriscado demais para que seguisse adiante.

Conforme disse o amigo Donatello o grande problema é que a ética religiosa (ou qualquer ética absoluta) jamais poderá se adequar a uma mudança de conjuntura, enquanto uma ética não-absoluta está livre para se "atualizar" conforme a história também muda.

Offline Geotecton

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #13 Online: 21 de Outubro de 2010, 14:24:51 »
Conforme disse o amigo Donatello o grande problema é que a ética religiosa (ou qualquer ética absoluta) jamais poderá se adequar a uma mudança de conjuntura, enquanto uma ética não-absoluta está livre para se "atualizar" conforme a história também muda.

No entanto, é bom lembrar que esta "aparente" imutabilidade da ética religiosa, responde aos anseios das pessoas que creem no sobrenatural via religião, pois isto lhes fornece um "porto seguro" perante as incertezas e da vida e, principalmente, perante as rápidas mudanças que ocorrem nas sociedades em que se baseiam no amplo acesso à informação.
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Offline Lakatos

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Re: Ética "não-utilitarista"?
« Resposta #14 Online: 21 de Outubro de 2010, 14:39:11 »
No entanto, é bom lembrar que esta "aparente" imutabilidade da ética religiosa, responde aos anseios das pessoas que creem no sobrenatural via religião, pois isto lhes fornece um "porto seguro" perante as incertezas e da vida e, principalmente, perante as rápidas mudanças que ocorrem nas sociedades em que se baseiam no amplo acesso à informação.

Mas, por outro lado, pessoas que sem a religião poderiam se adaptar com facilidade a essas mudanças rápidas acabam sendo retraídas por essa ética "inerte". Há os dois lados da situação.

 

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