Como saudar uns aos outros no microcosmo global Uma discussão em torno da hipotética criação de um Sistema de CumprimentosThe International Herald Tribune
Um saudita, um japonês e um indiano entram em um bar - isso não é uma piada. Um americano impaciente chega atrasado para sua reunião com os três. Eles estão em Milão. De repente surge um problema: de que jeito o americano deve saudá-los?
Ele poderia beijar o saudita, curvar-se para o japonês e saudar o indiano unindo as palmas das mãos com dedos apontados para cima; mas aí já seria um pouco demais. Ele poderia agir como um americano típico e simplesmente dar um aperto de mão. Como eles estão na Europa, poderia ainda fazer o "air kiss" da Europa continental – o gesto é como um beijo, mas na verdade os lábios não tocam o rosto da outra pessoa. Ou como muitos outros numa situação como esta, ele poderia simplesmente ficar parado, sem jeito, e torcer para que alguém além dele saiba como agir.
Já é difícil o bastante confundir-se entre os dois, três ou quatro beijinhos dados quando saudamos alguém na França. Entre quase-abraços e apertos de mão na América; entre quase-reverências e curvar-se como um ângulo de noventa graus no leste da Ásia. No mundo inteiro, em conferências de indústria, encontros corporativos e semanas da moda, almas globalizadas encontram-se em rodas globalizadas e se perguntam se devem cumprimentar ao outro à sua maneira ou da forma que o interlocutor conheça.
O presidente Barack Obama, filho da descendência negra e branca, do Kansas, do Havaí, da Indonésia, de Illinois e do Quênia, ilustra bem essa situação. Com a mulher e os soldados americanos, o cumprimento é um leve troca de murro nas mãos, como um "toca aqui" ou "hi-five", no estilo despojado. Usa um simples aperto de mão com os rivais republicanos e líderes anti-americanos, como o presidente venezuelano Hugo Chávez. Faz o quase-abraço tipo fraternal com alguns colegas; os "abraços de urso" com os eleitores, o "air kiss" com a secretária de Estado Hillary Clinton e ainda desperta fúria por – supostamente – ter se curvado demais perante monarcas britânicos, sauditas e japoneses.
Nem mesmo o presidente americano consegue sair por aí cumprimentando de um único jeito. Até ele talvez devesse perguntar, onde é que eu estou? Quem é esse? Que mensagem eu devo passar? Qual o padrão que deve prevalecer?
Obviamente existe um padrão em eventos globalizados onde o predomínio é o aperto de mão ocidental. Mas até em tais ocasiões é levado em consideração, esteja você em Okinawa em Oklahoma City, se a quantidade dos que se curvam em reverência é maior do que o número dos que usam o aperto de mão e vice-versa, se a empresa é de capital privado ou estatal. Talvez a melhor forma seja cumprimentar da forma tradicional do local onde se está, ou presumir que o padrão é o que envolve o menor toque possível com o outro: se ambos abraçam e apertam as mãos, cumprimente apenas com o aperto de mão; se ambos apertam as mãos e se curvam, apenas curve-se em reverência.
Dilema - A internet está cheia de conselhos intermináveis sobre como deve se cumprimentar em outros países. Mas as recomendações são sobre o que se deve fazer aqui ou acolá. Raramente se encontra algo que trate do dilema que tantos enfrentam: o que fazer quando não está claro o que é relevante no "aqui".
Uma das conseqüências de toda essa confusão é a intimidade exagerada. Alguns europeus quando cumprimentam com dois beijinhos no rosto, dão o primeiro no lado esquerdo, enquanto outros fazem isso pelo lado direito, resultando acidentalmente em contato entre os lábios.
A confusão termina causando uma grande injustiça. Em festas com pessoas de diversas partes do mundo, um novato pode cumprimentar cada uma das pessoas no grupo de forma diferente: um "air kiss" para um, abraço para outro, um aperto de mãos com um terceiro e um simples sorriso para o último, um desconhecido.
Talvez como em outras áreas – o uso de moedas diferentes, a escolha de certos idiomas em alianças, diferentes sistemas métricos e de pesagem – um padrão comum talvez pudesse ser criado: o Sistema Internacional de Cumprimentos. Qual deles escolheríamos? A intimidade dos beijoqueiros europeus e árabes? Uma solução meio-termo entre o aperto de mão e o abraço americano? A saudação onde não se toca, como japoneses que se curvam diante uns dos outros ou a união das palmas de nossas mãos expressando um "namastê"?
Soluções - No ano passado, durante o surto da gripe suína, uma cidadezinha francesa chamada Guilvinec proibiu o "bise", o cumprimento com um beijo entre professores e alunos. Várias escolas e empresas seguiram o exemplo da cidade. Enquanto isso, a pintora americana Kimberly Brooks sugeriu que os americanos extinguissem o próprio ritual: "O aperto de mãos é um gesto óbvio usado numa época em que precisava se mostrar as mãos para provar que não se tinha armas," escreveu no The Huffington Post. "É hora de acabar com o aperto de mãos de uma vez por todas e considerar o namastê como novo cumprimento."
Ao invés de exterminar toda a beleza na diversidade dos cumprimentos, poderíamos transformá-los em algoritmos. Imagem um aplicativo para smartphone que pergunta qual sua nacionalidade e a da pessoa a ser cumprimentada, a localização dos dois e a quantidade de vezes que já se cumprimentaram. Ele poderia então sugerir um consenso – um "namastê" seguido de aperto de mão, ou, talvez, uma reverência seguida de um tapinha nas costas.
Outra solução poderia ser liberar os tipos de cumprimentos de seus países de origem e deixar que as pessoas escolham seus cumprimentos como um grande smorgasbord. O protecionismo dos cumprimentos terminaria e as melhores formas de saudações dominariam a maior parte do mercado global.
Ou talvez seja melhor deixar as coisas como estão. Talvez ser globalizado requeira mais do que um único padrão, ou até mesmo não saber o que fazer.
http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/como-saudar-num-microcosmo-global