Reforma do sistema eleitoral é séria demais para ser decidida só pelos eleitos, sem o eleitorIntenção é aprovar o voto em lista fechada de nomes por partidos e financiamento público de campanhaA intenção de um grupo de líderes parlamentares de aprovar por maioria simples no Congresso a reforma do sistema eleitoral, instituindo o voto em lista fechada por partidos e o financiamento público de campanha, é mudança mais séria do que revela a maneira simplista com que tal assunto está proposto pelos políticos e discutido pela imprensa.
A questão não é se a onda de escândalos que envolve os deputados e senadores tirou do Congresso a legitimidade para aprovar reforma com tal amplitude. Esse argumento equivale, na prática, a cassar a prerrogativa dos parlamentares. Um projeto pode ser espúrio, não o direito de ser proposto. “Golpe”, como alguns o rotularam, é tirar do Congresso a competência da discussão de leis. Ou intimidá-lo.
Uma coisa é denunciar as malfeitorias dos parlamentares. Elas são muitas em todos os níveis do legislativo - no federal, nos estados e nos municípios. Mas também nos executivos e no Judiciário. Outra é a tentativa de cercear o espaço para a rapinagem, como pretendem os defensores da reforma eleitoral. Limitar esse direito implica o fechamento do Congresso, se não de verdade, pelo menos de fato.
O problema grave, gravíssimo, é outro. É a grande possibilidade de que o projeto, que vem com endosso multipartidário, associando PT, Dem, PMDB, PC do B e PPS, seja aprovado sem divulgação ampla, debates exaustivos e consulta à parte diretamente interessada – o eleitor. As discussões promovidas pelos líderes do projeto com as chamadas “entidades da sociedade civil” não são suficientes.
Elas falam por quem, se a maioria não passa de meros apêndices de partidos ou representa interesses corporativos? O interesse difuso da sociedade é representado pelo parlamentar, mas se se cogita uma reforma precisamente para “aproximar o eleitor do deputado”, como diz o líder do PSDB na Câmara, Arnaldo Madeira, não lhe cabe, para manter a lógica, interferir na lei eleitoral sem ampla discussão.
O exemplo mais recente do que se exige de reformas com tal escopo está na lei do desarmamento. Ela teve tempo de TV e rádio para a apresentação das duas propostas, visando coibir ou não o comércio de armas e munições, antecedendo o referendo popular em 2005.
Venceu o voto contrário ao desarmamento unilateral. Questão mal formulada e sem sintonia com as prioridades do país, o resultado surpreendeu o governo e a maioria do Congresso, que defendiam a proibição, mas não ofereciam nada efetivo contra a criminalidade. A impressão é que queriam restringir o livre arbítrio do cidadão.
Eleitor é cerceado?Na mudança sugerida do sistema eleitoral a idéia de cerceamento da vontade do eleitor é inequívoca, embora não seja a intenção. A tese é que um sistema em que o eleitor vota em nomes individuais nas eleições proporcionais, como é hoje na escolha dos deputados federais e estaduais e vereadores, enfraquece os partidos, onera as eleições e facilita a corrupção. A opção seria o voto em lista.
Os partidos apresentam às eleições a lista de seus candidatos sem que o eleitor possa alterá-la. É meio como faz hoje quem vota só na legenda. A votação nominal serve para ordenar os mais votados.
Os com e sem listaNo caso da lista fechada, são eleitos os primeiros nomes de cada lista. Se 10% dos votos couberem a um partido, por exemplo, e eles permitam a eleição de, digamos, 20 de seus candidatos, eles é que serão os eleitos.
No sistema aberto, o eleitor escolhe os eleitos. No fechado, sua escolha é indireta. Ele vota no partido, mas é a direção partidária que ranqueia a sorte dos nomes levados a voto.
Basicamente, é isso o que se propõe. Diversas democracias adotam tal sistema, mas há variações. Em algumas, o eleitor vota na lista e no nome, influindo assim no ordenamento da listagem.
Em outros países, o eleitor vota duas vezes: na lista fechada e em nomes de seu distrito. O país seria dividido por zonas, e não por estados, como hoje, com os candidatos lançados por distrito, e apena neles o eleitor pode votar - além da lista nacional ou estadual.
Corrupção se adaptaNenhum dos sistemas é perfeito. Nem financiar eleições com verbas públicas afasta a corrupção. Primeiro, dinheiro público já paga as campanhas dos partidos, como a propaganda em rádio e TV, que não é gratuita. Segundo, a corrupção quer é manipular o eleito - e o faz com sua cumplicidade.
Nada substitui o controle severo do mandato parlamentar e a honestidade do eleito. O risco é que mude para os partidos o foco do aliciamento. O Congresso tem de discutir mais.
Vontade de delinqüirQuando a vontade de delinqüir é forte, não há o que a mitigue. O primeiro-ministro Silvio Berlusconi recheou a lista de seu partido para o parlamento europeu com beldades de suas TVs.
Na Argentina, o casal Kirchner fez igual com a lista peronista para a eleição parlamentar de junho e a incrementou com prefeitos populares, que já avisaram que vão renunciar se eleitos ao Parlamento. Em ambos os países, o sistema é de lista fechada.
Não tem jeito. Na França e Alemanha, onde também há sistema de listas, sempre há flagrantes de políticos vendidos aos corruptores. No fim, só o voto muito bem pensado, fiscalização dos políticos e mídia atenta são confiáveis.
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