O legado de Lula e os desafios do novo governoAo tomar posse, Dilma herdará dois Brasis: um repleto de conquistas e outro que precisa de ajustes econômicos, políticos e sociaisQuando colocar a faixa presidencial sobre o ombro de Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva estará entregando à sucessora um governo e dois países bem distintos. Há um Brasil repleto de conquistas econômicas, políticas e sociais que precisam ser mantidas ou ampliadas. É o Brasil que pede pé embaixo no acelerador. E há outro Brasil precisando de ajustes econômicos, políticos e sociais, alguns deles urgentes. É o Brasil do freio de arrumação. Administrar esta contradição, com o agravante de que seu antecessor é seu padrinho político, constitui o grande desafio da presidenta eleita.
O Brasil do pé embaixo no acelerador deverá encerrar 2010 com um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) acima de 7%, a maior alta registrada desde os anos 70. A taxa de desemprego das principais regiões metropolitanas, que em 2002 beirava os 12%, praticamente caiu à metade nos últimos oito anos. No mesmo período, o salário mínimo mais do que dobrou. O número de beneficiários dos programas sociais quadruplicou. Cerca de 32 milhões de brasileiros foram incorporados à classe média. A compra de carros e imóveis disparou.
Dilma iniciará seu mandato sem nenhuma crise econômica à vista. O País quitou o que devia ao Fundo Monetário Internacional. Tornou-se um credor, deixando para trás a marca da dívida externa como uma mancha perene sobre a sua economia. Receberá ainda o estímulo adicional de bilhões de dólares a serem gastos com a exploração do petróleo do pré-sal e com as obras de infraestrutura para a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016.
A tais ingredientes, somam-se outros, como a redução da natalidade e o chamado bônus demográfico - quando a maior parte da população economicamente ativa supera largamente a de dependentes, composta por idosos e crianças. É uma condição propícia ao desenvolvimento de uma economia. Por exemplo, a reconstrução da Europa e do Japão, no período do pós-guerra, foi facilitada pelo fato de ambas as regiões passarem por um bônus demográfico.
Esses dados alimentam a avaliação de que o Brasil tem condições de se sobressair na cena internacional nos próximos anos. Para o Nobel de economia Edward Prescott, “o Brasil entrará no rol dos países industrializados e será uma nação rica”.
O Brasil do pé embaixo no acelerador foi construído sem a utilização de todas as boas práticas de gestão pública. Resultado: caiu no colo de Dilma Rousseff a tarefa de corrigir vários erros que parecem pequenos hoje, mas que podem se tornar graves se nada for feito. Especialistas em administração pública acreditam que Dilma precisará recorrer ao freio de arrumação em várias áreas. Serão freadas parcimoniosas, mas firmes. Essenciais para que o Brasil não saia dos trilhos, perdendo-se numa espiral inflacionária. A durabilidade do avanço dependerá de alguns fatores, como a preservação do alicerce da estabilidade macroeconômica e a promoção de reformas estruturais que sustentem o crescimento do País.
Dilma assumirá um governo marcado pelo inchaço da máquina pública e pela necessidade cada vez mais intensa de um ajuste fiscal. Apesar dos avanços obtidos nos últimos anos, há contas históricas a serem cobradas: o Brasil ainda detém o terceiro pior índice de desigualdade do mundo. Metade da população não tem rede de esgoto, a educação foi universalizada, mas continua de baixa qualidade, e os impostos estão entre os mais altos do mundo.
A petista já avisou que quer fazer da erradicação da miséria sua maior bandeira de governo. Isso significa tirar, em quatro anos, 18 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, segundo Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Além disso, existem problemas conjunturais a resolver. O País precisa modernizar sua infraestrutura para manter o ritmo de crescimento, bem como qualificar melhor sua mão de obra, se quiser atender às exigências de competitividade de uma economia que está saindo do modelo agrícola e industrial para uma economia de serviços.
Agendas não enfrentadas no governo Lula precisarão ser retomadas no governo Dilma, como as reformas tributária, previdenciária e política. Armadilhas como a elevação do gasto público e a necessidade de redução das taxas de juros também precisarão ser desarmadas. E Dilma deverá ter habilidade suficiente para implementar as correções sem desagradar as bases políticas ligadas ao seu padrinho, um lider que deixa o governo com quase 80% de aprovação, segundo dados do instituto Vox Populi.
Sua capacidade de pisar no freio dependerá basicamente da qualidade do relacionamento que estabelecer com a base governistano Congresso Nacional. Dilma assume com maioria inédita na Câmara dos deputados e no Senado Federal. Numericamente, tem condições de aprovar qualquer projeto de lei e mesmo emendas à Constituição. Mas política não é matemática. É na montagem do novo governo que residem as garantias de que os partidos aliados vão apoiá-la em votações estratégicas. A presidenta eleita terá de buscar uma fórmula para contentar o PMDB, ao mesmo tempo em que será obrigada a agir para conter o apetite de seu próprio partido.
Nesta série de reportagens especiais, o iG reúne informações, números, dados históricos e imagens sobre o legado de oito anos de governo Lula e os principais desafios herdados por sua sucessora, a presidenta eleita Dilma Rousseff.
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