Com uma imensa má vontade retomei a leitura de um ensaio escrito por um parente. De nenhuma maneira o tema parecia do meu interesse – um paralelo entre as propostas de
Thoreau e os temas recorrentes em
Steinbeck.
Entretanto,
Um dos livros mencionados é "Boêmios Errantes" (Steinbeck) onde, numa das passagens relacionadas, os personagens sentem-se angustiados com a posse de um bem material. A compreensão dessa idéia soou-me – como provavelmente me soaria nos tempos históricos onde me incluí – um tanto idiota, afinal, o desejo por posses materiais encontra-se, ao que parece, dentre as causas de prazer em todos os homens. Com freqüência (enorme?), quando não encontramos em nós mesmos um paralelo com a idéia a qual consideramos, a nossa recorrente impressão é essa de que a coisa não faz sentido, assim, essa inversão (ao invés de prazer, angústia) soou-me um tanto ingênua, até mesmo estúpida: que vendesse a posse e enfiasse o dinheiro.
Subitamente, enquanto eu procurava entender os motivos de tais personagens, eis que encontro em mim alguma concordância – eu tenho um carro, um dia sonhei em ter um, mas hoje, pelo contrário, eu detesto, um carro me é nada mais que uma exigência (inventada por uma dependência!) pra quem vive nessa cidade imensa que é
São Paulo. Pior, eu não moro precisamente em São Paulo, vivo e trabalho nos arredores, mas a freqüento com imensa freqüência. Inclusive, eu já não tive um carro por aqui e foi pior, principalmente aos sábados e domingos. Entrementes, deduzi que a natureza da angustia deles seria mais ou menos como a minha e poderia ser resumida numa simples declaração: a responsabilidade por se ter um carro é enfadonha, irritante.
Enquanto eu procurava em mim outras ocorrências dessa idéia, se estava ela correta ou por que ela me ocorre e, ainda, se existiriam outras semelhanças entre mim e tais autores,
Eis o devaneio,
O que me irrita num Estado é a burocracia. Não simplesmente essa de assinar um monte de papel, ter um monte de documentos, deparar-me com diversas e desconhecidas instâncias. Mas a inevitável necessidade de tudo isso... Não vejo outra maneira das pessoas conviveram em paz. As pessoas, em geral, me parecem imensamente capazes de aborrecerem-se, zangarem-se e magoarem-se pelas mais diversas e idiotas situações, como se conduzidas por um irrefreável e inconsciente orgulho que não quer mais nada além de vencer – como se houvesse aqui a mais deslumbrante de todas as satisfações. Isso me faz pensar que talvez o Demônio esteja no nosso instinto de auto-preservação e que devemos mais culpa à nossa memória curta e falta de inteligência que ao fato qualquer que ensejou um mal entendido.
Logicamente, não somente nos protegemos de nós mesmos pelo Estado. Existe a amizade, existe uma maneira estranha de nos portarmos educados e solícitos diante de estranhos... Existe a desconfiança, o rancor que me parece o refugo da tolerância; existe a tolerância, afinal, e mais um bocado de coisas.